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Mensagens

A mostrar mensagens de novembro, 2015

Parábola do Cágado Velho

Mais um livro incrível emprestado pelo mais incrível de todos. O livro começa de forma imensamente poética, uma vida que se vira ao contrário devido a uma granada e a visão que esta traz. Ulume vai visitar frequentemente um cágado velho, possivelmente mais velho que ele, acreditando na sua sabedoria, sentindo o tempo parar sempre que o cágado vai beber água, todos os dias pela mesma hora. Ulume desabafa e questiona o cágado sobre os problemas da vida, e sente que este o ouve, aguardando pelo dia em que lhe responda. Houve um tempo anterior a tudo, há sempre, não é mesmo? Ulume é casado com Muari, de quem tem dois filhos, Luzolo e Kanda, que partem cada um para uma facção diferente da guerra civil Angolana: nunca nos é dito quem vai para a UNITA e quem vai para a MPLA, neste livro não há distinção sobre quem são "os nossos" e quem são "os inimigos" - são todos iguais e, na pequena aldeia, afastada de Calpe, dos centros urbanos, ninguém percebe ao cert

Cannery Row

Estou tão atrasada nas reviews que já ultrapassei a fase em que me posso comparar a um coelho branco. Adoro o Steinbeck desde que li o Of Mice and Men , e ainda só li algumas das suas obras mais pequenas. Steinbeck sabia escrever personagens simples mas com problemas fortes, personagens sempre nos mais altos níveis de pobreza mas que aceitam essa condição. Apesar da esperança, está-se sempre envolto numa nuvem de tristeza e fatalismo, mas ao mesmo tempo de sabedoria. The things we admire in men, kindness and generosity, openness, honesty, understanding and feeling are the concomitants of failure in our system. And those traits we detest, sharpness, greed, acquisitiveness, meanness, egotism and self-interest are the traits of success. And while men admire the quality of the first they love the produce of the second. Mais que seguir uma personagem em particular, Cannery Row  é um conjunto de histórias curtas, capítulos curtos sobre algumas das personagens da rua em si, u

Mistérios

O meu segundo Hamsun, emprestado pelo meu primeiro amor. Mistérios  não tem muita história: Nagel, um forasteiro bizarro de fato amarelo, decide desembarcar numa pequena cidade na Noruega, lançando o caos, ou tentando semeá-lo. O comportamento de Nagel é provocatório, auto-depreciativo, de um mentiroso compulsivo, depressivo e quiçá sociopático; e ele ocupa muito do seu tempo ora a beber, ora a relatar histórias estranhas, desconcertantes e frequentemente contraditórias que o denigrem aos olhos de quem as escuta. Nesse mesmo sentido, fala interminavelmente a quem conseguir que o ouça, lança ideias loucas para o ar, tudo parece calculado de modo a dar um mau aspecto de si mesmo.  - O nosso cão morreu. Simplesmente não parece possível!  - Morreu? - foi tudo o que Nagel disse.  - Foi há poucos dias. Encontrámo-lo rijo e frio como uma pedra. Não posso imaginar como isso possa ter acontecido.  - Tive sempre a sensação de que o cão era um animal maldoso. Lamento, mas ele era

A Feira dos Assombrados e Outras Estórias Verdadeiras e Inverosímeis

Contos, contos! A Feira dos Assombrados  é o primeiro e maior conto deste pequeno livro. Passa-se na cidade do Dondo, em finais do século XIX, e narra a chegada dos "afogados", mortos que surgiam via Rio Quanza na pequena cidade e que, com a sua aparência cada vez menos humana, abalaram a população, trazendo ao de cimo todos os conflitos latentes, entre as figuras de poder (o professor, o administrador do concelho, o padre) e entre personagens invulgares e acontecimentos dignos de um Entroncamento. "Fizeram-no chefe do concelho e sua excelência julga que o fizeram Rei. Chefe do concelho?! E afinal o que é que ele governa? Uma feira de assombrados é o que ele governa!" 4/5 Podem comprar esta edição aqui .

Terra Sonâmbula

O que já está queimado não volta a arder. Este é um dos muitos, muitos livros que, à medida que lia, me levava a interrogar-me o porquê de não o ter lido antes. Numa palavra: mágico. A premissa é simples: um rapaz novo e um velho encontram-se sozinhos, fugindo da guerra em Moçambique, e abrigam-se num autocarro incendiado, um próprio retrato da guerra, cheio de corpos queimados, dos pertences dos mesmos passageiros. O rapaz, Muidinga, não tem memória, e é Tuahir, o velho, que cuida dele. Muidinga quer encontrar os pais, Tuahir tenta dissuadi-lo. O que Muidinga encontra, no autocarro, são os diários/memórias de um passageiro, Kindzu, que se tornam no entretém e consolo da dupla. A partir daqui, a narrativa alterna entre o dia-a-dia de Tuahir e Muidinga e os diários de Kindzu, um entrelaçar de sequências de sonhos, com terror, com realismo mágico, cheios de crenças e tradições populares. É uma guerra descrita sem cenários de guerra, mas pelas suas pessoas, perdidas, sem

Les Liaisons Dangereuses

Este foi-me oferecido pela Sara , que espero que continue a ser uma das duas pessoas que ainda lêem este blog. Li em inglês em Junho de 2010 e na altura gostei muito. O mais interessante em reler livros em francês tem sido ver se continuo a ter a mesma opinião sobre os mesmos, anos mais tarde. Na tradução do Candide  perdia-se um bocado; o La Porte Étroite  reafirmou a sua posição como um dos meus favoritos; Les Malheurs de Sophie  é um livro que descobri que, uns 15 anos após a última vez que o tinha lido, eu ainda sabia de cor. O Jules et Jim é um hino ao amor e à vida. Os livros não mudam – mas mais que a língua, muda o leitor que se depara com uma obra que irá reler. Les Liaisons Dangereuses é uma obra sobre vinganças centradas em esquemas que se centram maioritariamente em procurar desonrar e desvirtuar mulheres, um livro censurado na altura em que saiu devido ao seu teor sexual e escandaloso, supostamente adorado por Marie Antoinette (quiçá para a tentar desvirtuar

Primeiro as Senhoras

Da autoria de Mário Zambujal (autor da Crónica dos Bons Malandros , o qual nunca li). Primeiro as Senhoras  tem como premissa o relato de um homem a um inspector acerca do seu rapto, de modo a compreender e desvendar o crime. Quem teria encarcerado Edgar durante nove dias? Premissa interessante, portanto, mas desenvolvimento que deixa, na minha opinião, muito a desejar. Entre neologismos inventados a partir de outros estrangeirismos ( flechebeque , dupléquece , ou pior, pâzele , eu horrorizada a desvendar cada palavra inventada), o narrador não passa de um misógino que inventa porcaria acerca do rapto e consegue encaixar histórias das suas várias mulheres pelo meio, num monólogo. A parte que mais me despertou a atenção foi uma menção a um telemóvel, que me levou a descobrir que, apesar dos nomes (Gilberta? Renata Emília?), das referências datadas, e do sexismo latente, isto foi escrito em 2006 e não nos anos 80. Entretém, mas não é suficiente, tendo rolado os olhos