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Mar me quer

"Mar me quer" é muito mais que um trocadilho.


Comprei este livro na Feira do Livro deste mesmo ano. Vi que seria um livro dirigido a um público um pouco mais infantil, com ilustrações, de Mia Couto, de quem só li Terra Sonâmbula - mas cuja escrita adorei.

Sou feliz só por preguiça. A infelicidade dá uma trabalheira pior que doença: é preciso entrar e sair dela, afastar os que nos querem consolar, aceitar pêsames por uma porção da alma que nem chegou a falecer.

Parece realmente um livro infantil, com ilustrações lindíssimas, mas acaba por ser a história de um homem e de uma mulher - de como um homem, Zeca Perpétuo, deseja uma mulher, Luarmina, sua vizinha, um pouco mais velha que ele, mulata, "gorda e engordurada", cuja foto de juventude deixava ver uma mulher elegante.

Luarmina, no entanto, quer o passado de Zeca, quer conhecer as suas memórias - mas Zeca quer viver no presente, alegando que o passado o maltratou.

Cada capítulo é introduzido com um dito do avô Celestiano, avô de Zeca Perpétuo, indo buscar sabedoria e cultura da nação macua. Esta ligação aos povos de Moçambique contrasta com aquilo que Celestiano pensa do seu filho, Agualberto Salvo-Erro, que terá traído a sua cultura e, no mar, perdido a sua amante: já pai de Zeca, passava as suas tardes no barco com a sua amante, uma mulher mais nova, que se terá afogado. Agualberto, consequentemente, ficou cego.

Meu passado me pesa: minha infância morreu cedo, eu tive que carregar esse peso morto em minha vida. Aos seis anos tomei lugar de meu avô no barco, dois anos depois meu pai perdia o juízo e saía de casa, cego e louco. Minha mãe, antes de morrer, me entregou na igreja. O padre português Jacinto Nunes me educou em preceito de Deus e livro. Mas eu queria regressar ao mar e cedo troquei livro por rede. Sempre entregando muito, recebendo pouco. Meu avô Celestiano culpava meu pai dessa má sorte.

E é focada nesse evento, focada no mar, que a história se desenvolve. Agualberto ia todos os dias cuidar da sua amada, perdida no fundo do mar, e fizera Zeca Perpétuo prometer que continuaria a cuidar da sua amante após a sua morte. Zeca, pescador já reformado e preguiçoso (como se assume na frase que abre a narrativa), Zeca não cumpre esta promessa, passando os seus dias com Luarmina, enquanto que a vizinha lhe oculta o seu passado. Zeca, em consequência da promessa quebrada, acaba por adoecer gravemente.

Sim, como se diz futuro? Não se diz, na "língua deste lugar de África". Sim, porque futuro é uma coisa que existindo nunca chega a haver. Então eu me suficiento do actual presente. E basta.

O presente e o passado, a terra e o mar. O desejo do amor. Um livro lindo, que recomendo a qualquer idade.

5/5

Podem comprar esta edição aqui.

Comentários

  1. Conhecendo a maneira de escrever do Mia Couto e a forma como escreves sobre este livro dá mesmo vontade de o ler, emprestas sff? :p

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  2. Pena só conhecer Terra Sonâmbula, belo mas talvez o mais triste dos que li de Mia Couto. Pérolas divertidas, mas onde aquela áurea de tristeza e magia paira são características de várias obras dele, mais policial A varanda de Frangipani; mais crítico à evangelização O outro pé da Sereia; uma análise social original "Venenos de Deus Remédios do Diabo; e um que sucessivamente nos vai envolvendo Jesusalém... não sei qual gostei mais e recomendo qualquer um deles.

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    1. Carlos, lerei mais do autor, sem dúvida! Tenho, neste momento, na estante, "Venenos de Deus Remédios do Diabo", "Um rio chamado..." e "A confissão da leoa". Espero um dia ler todos do autor!

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  3. Quero tanto, mas tanto ler este livro.
    Deve ser fantástico.
    Beijinhos e boas leituras

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    1. É lindíssimo na sua simplicidade, Isaura, tens de ler!
      Beijinhos, boas leituras

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