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Contos Exemplares

Regressando a Sophia de Mello Breyner.


Sophia é sempre um regresso, mas nunca o regresso mais ansiado: li, na escola, a sua poesia e o Cavaleiro da Dinamarca; li, por recreação, A Fada Oriana. Se gostei muito do último, o que dei na escola não me disse rigorosamente nada. Assim, com a nomeação desta obra para o Clube dos Clássicos Vivos, perguntei à minha mãe se este livro existia na biblioteca da escola onde ela trabalha.

Estudei naquela escola dois anos e, graças às funções da minha mãe, li os livros daquela biblioteca durante muitos mais. Lembro-me em particular de, no 6º ano, ter demorado cerca de dois meses a devolver um livro da Alice Vieira, que tinha na mochila, mas simplesmente esquecia-me de lá voltar. Também me lembro que, em 2000, era membro tão assíduo da biblioteca que fui escolhida para uma visita de estudo especial ao Amadora BD. Trouxe de lá o Diário de Anne Frank, o primeiro Harry Potter, do qual desisti a meio (nem a meio), e foi lá que descobri Milo Manara.

Mas voltemos a Sophia.

Deixei o Pórtico, introdução de António Ferreira Gomes, para o fim. O primeiro conto é também o mais longo: O  jantar do Bispo. Todos os contos que se seguem têm, de alguma forma, a religião ou o espiritual como temática. Aparentemente, isto deve-se ao facto de terem sido escritos enquanto reacção à aparente índole cristã do regime Salazarista (esta obra foi publicada em 1962). Ora, este não é um tema que me diga muito - excepto nalguns casos, como o eterno Brideshead Revisited. N'O jantar do Bispo, um homem rico dá um jantar em que tenta "comprar" o bispo, pedindo-lhe um favor em troca de esmola avultada para a igreja local.

O conto de que mais gostei, ainda assim, foi A Viagem, sobre um casal que se perde na procura de um destino idílico, que se cruza com várias, pequenas coisas, no seu percurso, e que nunca dão valor àquilo que acham.

E ela imaginou com sede a água clara e fria em roda dos seus ombros, e imaginou a relva onde se deitariam os dois, lado a lado, à sombra das folhagens e dos frutos. Ali parariam. Ali haveria tempo para poisar os olhos nas coisas. Ali haveria tempo para tocar as coisas. Ali poderiam respirar devagar o perfume das roseiras. Ali tudo seria demora e presença. Ali haveria silêncio para escutar o murmúrio claro do rio. Silêncio para dizer as graves e puras palavras pesadas de paz e de alegria. Ali nada faltaria: o desejo seria estar ali.

Retrato de Mónica retrata, lá está, Mónica: o aparente retrato do sucesso social, da pessoa que consegue ser tudo e fazer tudo.

De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.

Praia e Homero foram contos dos quais não retirei nada. Um fala num clube na praia, onde as pessoas aparentemente esperam, ouvindo, no final, uma notícia sobre Erwin Rommel (contextualizando-se o conto, portanto, na Segunda Guerra Mundial); o segundo fala de um mendigo. Ambos os contos falam muito no mar, tema que me lembro ser recorrente na poesia de Sophia de Mello Breyner.

Em O Homem, vemos a possibilidade de estar sozinho no meio de uma multidão.

A sua cara escorria sofrimento. A sua expressão era simultaneamente de resignação, espanto e pergunta.

Mas ninguém o vê.

Por último, Os Três Reis do Oriente fala, claro está, dos três reis magos, e fala daquilo a que eles renunciam em nome de uma grandeza espiritual: sabedoria, riqueza, falsos ídolos. Acabam, os três, por seguir a estrela. Este é o tipo de conto cuja moralidade me aborrece.

PS: O Pórtico é uma seca, mas fala em Rilke.

2,5/5

Podem comprar esta edição aqui.

Comentários

  1. Tenho de reconhecer, de Sophia fiquei-me pela escola e a sua fada Oriana, apesar de tantos elogios, nunca consegui passar além da sua escrita infantojuvenil. Falha minha.

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    1. Carlos, gostei muito da Fada Oriana mas confesso que nada do resto me atraiu... apesar dos imensos elogios!

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  2. Sinto-me um pouco menos má depois de ler a tua opinião. Esperei tanto para ler este livro, nunca tendo lido nenhuma prosa da Sophia, e a sensação com que fiquei foi: "É só isto? Tão fraquinho... Deve ter-me escapado alguma coisa!"
    Para mim, Sophia é poesia. E rimei sem querer!
    Paula

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    1. :) obrigada pelo comentário, também me sinto menos mal! Sou honesta sempre nas minhas opiniões, mesmo que ache (como achava aqui) que serei linchada publicamente... se calhar escapou-nos o mesmo!

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  3. Junto a ti e aos "poucos" (serão assim tão poucos, pergunto-me eu?...) que não vão à bola com praticamente nada do que escreveu Sophia. Nunca penetrei na sua poesia, nem quando tive que a estudar (sou uma menina mais de prosa do que de verso), li e aborreci-me com a Fada Oriana que li com o meu filhote (ele, pelo contrário, gostou muito) e agora vou ter que gramar ler O Cavaleiro da Dinamarca, mais uma vez para fazer companhia ao menor da casa. Por isso, sei que nunca irei pegar nos Contos Exemplares, muito menos agora que li a tua opinião!

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    1. Ai não te invejo nada essa leitura para breve... da Fada Oriana gostei com uns 9 anos, será que gostaria agora? Acho que dispenso... Seremos realmente assim tão poucos que não foram convencidos pelos dons da senhora? :)

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  4. 'Sophia é sempre um regresso, mas nunca o regresso mais ansiado' damn, entras a matar logo
    Também li pouco da Sophia mas o que li não me fascinou, ainda para mais tendo em conta o nome, os tantos elogios.. mas gostos são gostos claro

    Milo Manara :o

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    1. Os tantos elogios sim, e mesmo assim nunca me cativou :( são gostos, é claro :p

      Sim :o havia na biblioteca da minha escola e nunca irei perceber o porquê...

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    2. 'havia na biblioteca da minha escola e nunca irei perceber o porquê...' Ahah nunca me tinhas contado acho, muito bom

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    3. Haha por acaso acho que tinha :p descobri muita coisa quando os professores faltavam :o

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