Avançar para o conteúdo principal

The Stepford Wives

Queria ler Ira Levin desde que li a carta que Chuck Palahniuk lhe escreveu no Nonfiction, tinha então 16 anos.


Queria principalmente ler o Rosemary's Baby, por adorar o filme, mas este, enquanto feminista, era também um livro que me apelava bastante. Ironicamente, esta edição tem uma introdução do próprio Palahniuk (no qual basicamente spoila o livro todo). A introdução inclui também esta citação:

This it seems is progress: women may now choose to be pretty, stylishly dressed, and vapid. This is no longer the shrill, politically charged climate of 1972; if it's a choice freely made, then it's... okay.

Por que é que não havia de ser okay? Se eu escolher ser vápida, se eu escolher o que quer que seja para a minha carreira, para o meu corpo - o que é que tens a ver com isso, autor preferido dos meus 16 anos?

Joanna Eberhart e o seu marido Walter mudaram-se recentemente para Stepford. Joanna é feminista, independente, fotógrafa de algum sucesso. Quando Joanna procura fazer amizades no meio da comunidade, rapidamente descobre que as estranhamente bonitas mulheres locais têm como interesse único limpar a casa, tratar dos filhos, satisfazer os maridos, e que as tarefas domésticas as ocupam demais para socializar, para sequer falar com ela. Ao mesmo tempo, os homens passam as noites numa tal de "Men's Association", com a qual Joanna não concorda, mas que Walter diz que tentará mudar por dentro.

Joanna conhece as vizinhas Charmaine, que joga ténis, e Bobbie, que tem a casa suja. As três começam a estranhar as esposas de Stepford e os seus comportamentos, a sua falta de ambição para além de agradar aos maridos e arrumar a casa.

That's what she was, Joanna felt suddenly. That's what they all were, all the Stepford wives: actresses in commercials, pleased with detergents and floor wax, with cleansers, shampoos, and deodorants. Pretty actresses, big in the bosom but small in the talent, playing suburban housewives unconvincingly, too nicey-nice to be real.

Walter começa a passar cada vez mais tempo no clube só para homens, e Joanna descobre que houvera outrora (uns seis anos antes) um clube de mulheres - do qual nenhuma mulher lhe tinha falado, no qual ninguém tinha demonstrado interesse quando abordadas por Bobbie e ela.

Dale Coba, o aterrador presidente do clube de homens (que trabalhou em tempos a fazer robots para a Disney), Ike Mazzard, um artista que faz retratos idealizados de mulheres, juntamente com outros dos homens do clube, vão a casa dos Eberharts ter uma reunião, na qual Joanna é autorizada a participar. Ike desenha-a, e ela sente-se lisonjeada, porém, perturbada e objectificada. Joanna menciona que cresceu a ver os desenhos dele, que sentia que estes lhe diziam que tinha de ser bonita, de atingir ideais impossíveis. 

A sociedade diz-nos que temos de ser bonitas, talentosas, perfeitas, ou então falhamos na vida. Somos ensinadas a duvidar do nosso aspecto, da nossa inteligência, do afecto que os outros possam ter por nós. No entanto, podemos não ser boas o suficiente - mas ao menos somos nós próprias. Ou não?

Torna-se ao longo do livro cada vez mais evidente a parte que estas personagens, bem como outros maridos de Stepford, têm em construir a comunidade "ideal". Bobbie entra em pânico e começa a procurar casas fora de Stepford, mas sem sucesso. O terror sente-se quando Joanna tenta escapar de Stepford - não sei se "assustador" é um adjectivo bom o suficiente para este livro, mas é o tipo de história que me deixa nervosa. Um pouco como o The Handmaid's Tale, no fundo. É uma comédia, uma sátira, uma história de terror.

"I can’t get over the way your mother’s changed"
(...)
"She doesn’t shout any more, she makes hot breakfasts… I hope it lasts."

Este livro levanta questões várias sobre feminismo, o papel de uma mulher, de uma mãe, a ética científica - e embora haja quem apelide o livro de datado, muitas das questões são relevantes ainda, ainda existe sexismo, ainda existem preconceitos.

E os homens de Stepford que estão disponíveis a sacrificar as suas esposas por Barbies sem identidade, escravas sexuais, mulheres das limpezas, parecem estar tão longe de fazer isso - muitos são cientistas, e alguns deles, recentes habitantes da cidade, dizem juntar-se ao clube para o mudar a partir de dentro; a Associação existia há meia dúzia de anos, e nesse espaço de tempo todos os homens de Stepford decidiram que queriam a mulher perfeita - não a mulher que tinham até então. 

E se o vilão for aquela pessoa que nos devia proteger, aquele em quem devíamos poder confiar mais, questão já levantada em Rosemary's Baby? Como escapar?

4/5

Podem comprar esta edição aqui.

Comentários

  1. Gostei do penúltimo parágrafo: é que os homens mais evoluídos intelectualmente nem sempre são os mais evoluídos humanamente (li há pouco tempo um estudo sobre a posição do F. Pessoa em relação ao feminismo que me perturbou um bocado)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Conta-me mais do Fernando, por favor!

      Eliminar
    2. Ai, não sei se quero...

      Opá, basicamente o homem era misógino convicto, às vezes a roçar mesmo absurdo. Defendeu várias vezes que a mulher não só era inferior ao homem, como era também uma espécie completamente diferente, incapaz de raciocínio, intelecto, moralidade, nobreza humana. Que nada que uma mulher alguma vez tenha feito foi indispensável à humanidade (ao contrário de muitos homens). Que o voto para as mulheres era uma prova da degeneração da sociedade, as feministas eram umas degeneradas porque negavam a sua 'womanhood' e queriam ser homens (mas impossível porque espécies diferentes), que o único propósito nobre de uma mulher era agradar a um homem, enquanto os homens tinham vários propósitos nobres por onde escolher. E depois lia e comentava nas páginas de obras de misóginos pseudo-cientistas com aqueles estudos dos cérebros e etc coisas como 'bravo!', 'muito verdadeiro', 'excelente comparação'.

      A desculpa do 'ele foi um homem do seu tempo' não cola porque génios nunca são homens do seu tempo e ele já viveu numa altura em que já se reivindicava bastante direitos das mulheres e pelo menos alguma igualdade. E alguns intelectuais defenderam a igualdade, até antes dele, como o Stuart Mill. Acho que a misoginia do Pessoa vai um bocado além do normal da época. Mas pronto, o Pessoa também era profundamente elitista e anti-democracia, portanto nesse sentido foi coerente.

      (O livro ficou em Portugal, senão copiava aqui umas citações bem catitas. Se tiveres interesse empresto-te no verão.)

      Eliminar
    3. Sou sincera - nunca fui grande fã da obra do senhor, mas até o admirava enquanto génio criativo. A minha opinião foi bastante abaixo agora, por um lado porque me deixo sempre afectar por coisas dessas (odeio-te Polanski, por exemplo), e por outro porque uma coisa era não se mover quanto a questões de igualdade - apatia, apolitismo, portanto - outra é opinar tão fortemente contra. Isso é de uma atrocidade imensa. O meu único propósito é ser um ser humano e fazer pela minha vida, tentando não prejudicar outros com isso, mas não obrigatoriamente agradar - a homens ou seja a quem for.

      Sou uma degenerada, portanto, mas uma degenerada bastante interessada em tal livro!

      Eliminar
    4. Compreendo perfeitamente, por mais brilhantismo que certos intelectuais mostrem, se tiverem esse lado negro, não os consigo admirar realmente (lembro-me também agora de repente do Assange, ou até do Woody Allen e o casamento creepy com a enteada de 19 anos na altura).

      A questão da mulher foi uma coisa um bocado marginal na obra do Pessoa, mas não deixa de haver um fio condutor extremamente misógino ao longo dela. Fez-me (ainda mais) abrir os olhos foi para o quanto as feministas tinham as odds tão contra elas, se a vasta maioria dos intelectuais ao longo dos séculos filosofou em termos mais ou menos misóginos. Mete-me sempre muita impressão que haja pessoas tão anti-coisas que não têm nada que ver consigo, está bem que não concordem ou não gostem, mas, epá deixem lá os outros viver à vontade. Como as pessoas que são contra o casamento gay ou contra o aborto.

      É um livro pequeno, e um estudo interessante porque o autor também menciona muitos outros intelectuais da época, tanto anti-feministas como defensores da educação e direito das mulheres. E se não gostas assim tanto do Pessoa também não hás-de ficar muito afetada com as opiniões misóginas :)

      Eliminar

Enviar um comentário