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A mostrar mensagens de 2021

Picnic at Hanging Rock

Vi Picnic at Hanging Rock  há uns bons anos, e a história tinha-me ficado sempre marcada. Mais pelas imagens do filme, talvez - na verdade, não me recordava totalmente da história, apenas das imagens quase-de-sonho, a música misteriosa, as sequências, os cisnes, o Botticelli -; mas a vontade de ler este pequeno clássico australiano tinha ficado, sempre. Ao passo que (do que me lembro), o filme não incluiu algumas cenas e personagens menores, este é bastante fiel e um bom retrato do livro. A sensação de mistério, de angústia, de confusão, de assombro permeia também o livro. É difícil de explicar - um mistério deveria ter sempre uma explicação, não é? -, mas o livro transmite, acima de tudo, uma sensação. É o dia 14 de Fevereiro de 1900, e está um belo dia de verão. Logo este conceito é algo confuso para o leitor do hemisfério Norte, mas estamos na Austrália, um país de contrastes, com a sua natureza hostil e o legado do colonizador, da Commonwealth, da Inglaterra vitoriana com os seus c

As Inseparáveis

Acabou por ser esta a minha estreia a ler Beauvoir. (embora tenha há alguns anos os dois tomos do La force des choses ) As Inseparáveis  é uma pequena obra de cariz algo auto-biográfico, que foi apenas muito recentemente publicada, não obstante ter sido escrita há mais de 60 anos. Aqui, Sylvie (Simone) relata como conheceu Andrée (Zaza) aos nove anos, numa escola francesa católica para raparigas - como esta exerceu sobre ela, desde o início, um enorme fascínio, e como rapidamente se tornaram inseparáveis  uma da outra. Zaza é, segundo o posfácio da autoria de Sylvie Le Bon-Beauvoir, retratada em várias das obras de Simone, mas é aqui que alcança protagonismo. Embora relatada por Sylvie, personagem de Simone, As Inseparáveis  é, mais que sobre a amizade, sobre a amiga e sobre a sua vida curta e trágica. De forma muito diferente, ambas as amigas tinham dificuldade em aceitar as ideias convencionais do que deveriam ser e fazer, enquanto mulheres, no início do séc. XX. Sylvie é mais filosó

Satyricon

O desafio de Dezembro - o último de 2021, e o último do #lerosclássicos durante sabe-se lá quanto tempo - era ler um livro anterior a 1800. Foi assim que peguei, finalmente, em Satyricon , a viagem picaresca de Encólpio pela Roma antiga. Satyricon é um livro que chegou aos dias de hoje fragmentado, embora seja considerado o primeiro romance (como em novel , não como em história de amor) de sempre. De uma obra que se julga ter sido muito mais longa, escrita durante o reinado do Imperador Nero, chegaram apenas 141 capítulos aos nossos dias. Dada a sua natureza fragmentada, a leitura não é exactamente fácil de seguir na totalidade; temos apenas pedaços do original, aquilo que sobreviveu, e há excertos que compreendemos apenas pelo contexto. O conteúdo é bastante absurdo: entre lacunas várias e alguns poemas, Encólpio faz-se acompanhar, durante a maioria da narrativa, do seu ex-namorado, Ascilto, e do seu actual companheiro, Gitón, um escravo de 16 anos. Há momentos de grande vulgaridade,

Go Tell it on the Mountain

Quatro anos após Giovanni's Room , regressei a Baldwin. Tinha ideia que (além do muito sofrimento, constante) Baldwin escreveu vários livros muito díspares. Go Tell it on the Mountain é de facto muito diferente de Giovanni's Room , diferindo deste no cenário, nos tipos de personagens, e naquilo que, vá, os faz sofrer. 1930s, Harlem. É o 14º aniversário de John Grimes, e este tem uma relação adolescente complexa com tudo o que o rodeia, nomeadamente a família e a religião - duas vertentes especialmente marcadas por o seu pai, Gabriel Grimes, ser um pastor pentecostal acérrimo e altamente autoritário. John tem muito na sua vida que o puxa para baixo, mas tenta sempre subir - a fé violenta do pai, mas também o racismo, a humilhação e a homofobia em seu redor, vs a sua ambição e inteligência, que podem dar-lhe alguma forma de escapar à cidade que o oprime. Mas nenhuma opressão é maior que aquela da religião e da sua família, que se combinam na figura do pai; e a única forma de esca

Pétalas

Pétalas é um livro mudo. Peguei nesta obra pela primeira vez numa edição anterior do Amadora BD ; voltei a pegar-lhe recentemente, por ser um livro curto e pela sua capa belíssima. Pela dimensão, é dificílimo falar do enredo sem revelar informação fundamental para o desfecho (ou mesmo toda a narrativa); no entanto, adianto que a mensagem é de generosidade, conforto, altruísmo e sacrifício. É inverno, e uma pequena raposa procura lenha para se aquecer e ao seu pai doente. No caminho, e no meio da neve, encontra um pássaro pernalta elegantemente vestido, que lhe estende a mão e o acompanha no rigoroso inverno, trazendo alegria à sua casa. As ilustrações de Gustavo Borges são belíssimas, o que é fundamental num livro que não depende de palavras (fora algumas, poucas onomatopeias). As cores escolhidas por Cris Peter para enriquecer esta história são muito bonitas e impressionantes. 5/5 Podem comprar esta edição  directamente à editora .

Freshwater

Um dos livros mais difíceis de explicar que li no último tempos. Freshwater é uma obra cheia de camadas que parecem nem sempre encaixar, caber, coincidir. É a história de Ada, que, quando nasce, tem vários ogbanje presos no seu corpo. Ada é uma jovem nigeriana cuja identidade se encontra por isso fracturada, em cuja "mente", uma sala de mármore, vive não só ela, mas vários deuses, espíritos, ogbanje , que se encontram presos a ela, talvez por erro, porque por que motivo deuses quereriam estar num corpo mortal? It’s not easy to persuade a human to end their life – they’re very attached to it, even when it makes them miserable, and Ada was no different. But it’s not the decision to cross back that’s difficult; it’s the crossing itself. O livro é maioritariamente narrado por estes espíritos que, apesar de externos a Ada, a habitam. Estes espíritos têm vontades próprias, não estão habituados a vidas mortais, a formas físicas, e, de forma mais ou menos activa, parecem puxar pelo m

2021 | Novembro

Vamos sacar um post de resumo do mês em poucos minutos, sim? Estou desinspirada. Comprados & Recebidos Prenda de Natal mega antecipada de outrém, Em nome da terra, de Vergílio Ferreira. De mim para mim, com uso de vales da Wook, os dois da Jacqueline Harpman ali em cima. Lidos Mês produtivo/aleatório: Solutions and other Problems, de Allie Brosh , Cântico dos Cânticos , Talking as Fast as I Can, de Lauren Graham , Freshwater, de Akwaeke Emezi, The Girls Are All So Nice Here, de Laurie Elizabeth Flynn , Go Tell it on the Mountain, de James Baldwin, Gathering Blue, de Lois Lowry (estou a ler o quarteto do The Giver), Embers, de Sandor Marái, que acabei ontem. Perdi o ritmo do blog algures aqui pelo meio. Ler os Clássicos O mês de Novembro trouxe-nos a poesia ou o teatro, e eu li o Cântico dos Cânticos . Outras leituras: Cálamo, de Walt Whitman ; Poesias, de Álvaro de Campos ; Poetas Russos Para Dezembro, o desafio é reciclado de Janeiro de 2020 (acabamos ccomo começámos): um livro a

The Girls Are All So Nice Here

Não é exactamente fácl escrever sobre este livro. Novamente, talvez não o tipo de livro que eu costumo ler, mas às vezes sinto necessidade de um entretenimento mais simples. O que me atraiu na premissa de The Girls Are All So Nice Here  foi saber que o livro tratava de uma reunião de turma, passados vários anos, e que o título era claramente uma mentira. Se algum dia me convidarem para uma reunião de turma, seja da escola, seja da faculdade, garanto que não vou. As pessoas com quem ainda me dou são poucas, e tenho zero interesse nas demais. Quando Ambrosia Wellington, a narradora, recebe um convite por email para ir à reunião de dez anos do seu ano da faculdade (Wesleyan), a sua resposta imediata é apagar o email - um gesto que eu consigo compreender. No entanto, as nossas motivações são distintas. Não tenho nenhum passado sombrio que procure esconder. Quando, há mais de dez anos, li The Virgin Suicides , de Jeffrey Eugenides, gostei muito do livro, e a frase icónica de Cecilia ficou c

The Song of Achilles

"Name one hero who was happy." Após ter lido Circe , no ano passado, e gostado, fiquei convencida para ler The Song of Achilles  e cheguei mesmo a projectar leitura conjunta com um amigo. Ele leu o livro, na altura, e não ficou nada convencido; eu por algum motivo só o li agora, mesmo tendo ouvido de várias pessoas que este seria ainda melhor que Circe . A verdade (e sem rodeios) é que não fiquei 100% convencida com os Patroclus e Achilles que Madeline Miller aqui apresenta. Juntando várias versões do mito, tal como em Circe , Miller faz aqui uma narrativa mais coesa, cronológica e linear do que no outro livro, mas parece retirar (ou minorizar) muito do espírito e das maravilhas da mitologia grega. Temos aqui a vida de Patroclus narrada pelo mesmo, com uma breve incidência sobre a sua infância até à sua ostracização de casa do seu pai, que o conduziu ao exílio em Phthia, casa do rei Peleus, pai de Achilles, que tinha por hábito albergar jovens órfãos ou exilados (para, perceb

Talking As Fast As I Can

Novembro está a demonstrar ser um mês de leituras variadas e muitíssimo aleatórias. Nestes meus longos meses de praticamente-reclusão, comecei a ver muita televisão. No meio da muita televisão que vi, vi as sete temporadas originais de Gilmore Girls e os quatro filmes do revival . Tinha visto parte da série há vinte anos (até suei frio ao escrever isto) e achei que seria uma boa série para ver ao fim de dias de trabalho. Tinha razão. Estou aqui preparadíssima para quem quiser debater várias questões fracturantes da série. Entretanto, tinha já alguma curiosidade acerca desta pequena memória de Lauren Graham, e ter acabado a série e andar sem vontade de ver nada na televisão fez-me pensar precisamente neste livro, cujo subtítulo é "From Gilmore Girls to Gilmore Girls, and Everything in Between". Adianto desde já: o livro não é nada de muito fascinante e, nesse sentido, cumpre expectativas. Aparentemente o audiobook é narrado pela própria, e ela fala mesmo o mais rápido possível

Cântico dos Cânticos

O desafio para Novembro era ler um clássico de poesia ou teatro. O Cãntico dos Cânticos  é (pasmem-se) parte da Bíblia. Este texto é tradicionalmente atribuído ao Rei Salomão, e é de enorme interesse a vários níveis - principalmente, porque parece destoar dos restantes textos da Bíblia (que, atenção, nunca li) pelo seu cariz mais sensual e por não abordar a lei de Deus ou outros ensinamentos/sabedorias. Fala, aliás, da beleza e do mistério do amor. Embora algumas das alegorias e simbolismos se percam para mim (Torre do Líbano, por exemplo), e de outras questões estranhas ou que podem não ter envelhecido muito bem (invocar relações familiares, comparação com animais, atenção esquisita à cor da pele), o texto é de beleza intrínseca e fala sobre não apressar o amor, pois este irá "despertar" quando estiver pronto.  ah como estás bela minha amiga      ah como estás bela com teus olhos de pomba oh como estás belo meu amado e que doçura     o nosso leito entre a verdura os cedros

Solutions and Other Problems

Sou fã da Allie Brosh há vários anos; o primeiro livro dela foi dos pouquíssimos que comprei em pré-venda, e é das primeiras opiniões neste blog . Pouco depois do lançamento de Hyperbole and a Half , o primeiro livro, o segundo foi anunciado. Também fiz pré-compra, mas o livro começou a ser adiado indefinidamente, infinitamente, e foi praticamente cancelado, até que saiu no ano passado. Se no primeiro livro, Allie Brosh falava maioritariamente da sua infância (e de como foi uma criança esquisita), reciclando algum do material do blog (incluindo os seus posts  magníficos sobre depressão e saúde mental). Solutions and Other Problems  parece mais pessoal, e acaba por ser mais esquisito. Aqui, a autora menciona algumas histórias de infância ( uma delas está disponível no blog ), mas também muito daquilo por que passou desde o lançamento do primeiro livro até a publicação do segundo: doença física e mental, divórcios (o seu e o dos seus pais), morte. O humor do blog e do primeiro livro cont