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A mostrar mensagens de outubro, 2016

A amiga de Madame Maigret

Que é como quem diz, o livro que me foi oferecido na Feira do Livro. Não sou pessoa de ler policiais. Simplesmente não é o meu género: não me apela e não sou boa a resolver mistérios. Madame Maigret vai ao dentista e, tendo chegado demasiado cedo, senta-se num banco de jardim e faz amizade com uma senhora acompanhada de uma criança. Do nada, a senhora diz que tem um compromisso e larga a criança com Mme. Maigret, que se vê abandonada com a criança e incapaz de ir à sua consulta no dentista. A senhora volta, chama a criança, e desaparece sem explicação. Entretanto, o seu marido, o conhecido inspector Maigret criado por Simenon, vê-se deparado com um misterioso caso de uma denúncia anónima de um homicídio, que leva à descoberta de dois dentes humanos numa fornalha e um fato azul manchado de sangue. Muita coisa é confusa nesta narrativa, desde as muitas personagens (muitas delas alcoólicas) ao facto de ambos os casos estarem relacionados. O final pareceu também apress

Agnes Grey

Mais uma Brontë, mais uma narrativa de governanta. Anne Brontë, a mais nova e possivelmente menos conhecida das três irmãs, passou grande parte da sua curta vida adulta a trabalhar enquanto governanta. A sua primeira de duas obras, Agnes Grey , é um relato ficcionado dos seus anos de trabalho. Uma mulher rica decide casar com um pároco pobre, perdendo toda a sua riqueza e dote; o clérigo não pára de se atormentar e envolve-se em dívidas várias através de investimentos pouco pensados. O casamento é, no entanto, feliz, e têm duas filhas: Mary e Agnes. Para ajudar a família, Mary começa a vender pequenos quadros, e Agnes decide ser governanta, posição essa já vista em Jane Eyre e que em Emma , de Jane Austen, é descrita como um último recurso, algo que, graças ao tom realista deste livro, se percebe bem porquê.  Agnes, como Anne Brontë, é filha de um clérigo, e vê-se na posição de governanta (algo relutante) para ajudar financeiramente a família, e há vários aspectos da

The Sketch Book of Geoffrey Crayon, Gent.

Uma falsa compilação de histórias. Fui sem dúvida vítima de marketing no que respeita ao título deste livro: não pude resistir a um volume com as duas histórias mais famosas do autor ( Rip Van Winkle e The Legend of Sleepy Hollow ), mas será que resistiria ao Sketchbook of Geoffrey Crayon, Gent. ? “ Sketchbook ” é um nome muito mais adequado do que “ Stories ”, pois nem todas as pequenas narrativas deste volume se podem classificar como tal: é uma colecção de peças descritivas, narrativas, históricas, entre outras, sobre a vida rural e urbana e tradições natalícias no Reino Unido (que o autor considera de extremo interesse para quem, como ele, é Norte-Americano), entre algumas histórias sobrenaturais. É um leque tão vasto de narrativas que é fácil encontrar algo que nos apele – mesmo que não seja o caso da maioria. Não vou mentir – não retirei grande prazer desta leitura, talvez por muitas das peças serem de índole descritiva (algo que não faz o meu género), o que se t

shelf control

Em semana em que descobri não só quanto vale uma hora extra do meu tempo no trabalho, mas também que uma otite pode chegar ao nariz, o tempo para ler não anda nem no seu mais extenso nem na maior qualidade. A imagem original tem muito mais piada mas é muito mais agressiva Este ano estava a correr bem no que respeitava a não comprar livros - ao self control  sempre que passava numa livraria. No entanto, com a descoberta do AwesomeBooks, isto descambou um bocado (que é para não dizer muito). E é preciso controlar-me não só a mim, como ao espaço nas estantes que já não existe. Pensei que estava a fazer uma piada incrível com o título shelf control , mas aparentemente já alguém o pensou antes de mim: a Lisa do  bookshelf fantasies , em versão meme semanal. Ora, eu não fui feita para memes , não fui feita para dissertar sobre um livro que não li ainda mas que já comprei, mas é exactamente isto que irei fazer: concentrar-me no que me espera na estante, antes que a estante me co

Nobelpriset i litteratur

Tendo sido anunciado o laureado deste ano, deixo as minhas considerações sobre os autores (e obras) que já tive oportunidade de ler - e aqueles cujos livros tenho aqui por casa, à espera da sua oportunidade. 1921 - Knut Hamsun Este é dos que já li. Li apenas Hunger e Mistérios , cujas reviews podem ler seguindo os links . São ambos livros bastante diferentes mas muito bons, aproximando-se talvez um pouco da filosofia e partilhando imagens e sentimentos da Escandinávia; este prémio foi atribuído  for his monumental work, Growth of the Soil , que é sem dúvida mais um a acrescentar à infindável lista de livros para ler um dia. 1925 - George Bernard Shaw Muito antes de ter este blog li Pygmalion , obra que deu origem ao conhecido filme (e peça) My Fair Lady . Tenho uma edição da Europa-América com a Audrey Hepburn na capa que é possivelmente o único livro editado por eles que possuo do qual gosto: é uma edição bilingue, o que facilita a leitura das palavras de Eliza Dool

O vale da paixão

"Deixo à minha sobrinha, por única herança, esta manta de soldado". Foi a primeira vez que li Lídia Jorge e fiquei agradavelmente surpreendida. Um livro em torno de mistérios familiares, do ponto de vista de uma rapariga a crescer entre as décadas de 1950 e 1980, foi algo reminiscente dos livros de Alice Vieira que rechearam a minha infância, mas numa versão para adultos. Passada em São Sebastião de Valmares, algures no Algarve, a narrativa, sem cronologia condutora, centra-se na visita que a narradora, sem nome conhecido, recebe do seu tio, Walter Glória Dias, que é na verdade seu pai. É uma noite de chuva em 1963 e Walter tira os sapatos para entrar no quarto da sua filha, com quem conversa pela primeira vez, sem que ninguém ouça nada. Por vezes referida como "a sobrinha de Walter", outras vezes como "a filha de Walter", a narradora entra numa reflexão sobre as suas raízes e sobre quem realmente fora o seu pai. Pois tudo o que a filha de

Miss Peregrine's Home for Peculiar Children

Enquanto fã assumida do Tim Burton, e com o filme que saiu recentemente, tinha de ler este livro. Foi esse, aliás, o motivo pelo qual comprei a trilogia. Não consigo dizer grande coisa do livro sem dizer que é bastante ok. Simplesmente isso. A capa faz-nos pensar que vai ser um livro assustador, adequado ao Halloween, adequado à filmografia do Tim Burton. Sou uma pessoa bastante sensível a coisas assustadoras e isto não teve nada que se comparasse à cena do Dracula em que a Lucy ouve um leve bater de qualquer coisa (asas de morcego) à sua janela. Era o verão de 2010 e eu não soube o que era dormir. Mas a ideia inicial está bem concebida. Jacob é um miúdo de 16 anos muito apegado ao avô, a quem o avô passou a infância toda a contar histórias da sua própria infância e das crianças bizarras com quem ele vivia num orfanato, fotos incluídas. A certa altura, Jacob começa a crescer e a ficar céptico. Os pais de Jacob explicam-lhe que o avô, Abraham, judeu, sempre gostou muito de

Wide Sargasso Sea

Leitor, casei-me com ele. Primeiro. Neste livro, Jean Rhys, a autora, mulher crioula da República Dominicana, decide revisitar e explorar a personagem mais misteriosa de Jane Eyre : Bertha Mason, a mulher louca e monstruosa trancada no sótão, de origens semelhantes à sua. Aqui, acompanhamos a vida de Antoinette Cosway desde a infância: é-lhe atribuída uma identidade. Apesar de ser uma espécie de prequela de Jane Eyre, este livro é-lhe tão distante quanto possível, com uma linguagem evocativa, colorida e exótica, como as imagens do Caribe e da cultura caribenha circa  1836, pouco depois do Emancipation Act que aboliu a escravatura. O ambiente físico é bonito porém escuro e misterioso; e o ambiente social que se segue à abolição da escravatura é recheado de desconfiança. Tudo isto se torna pesado e mesmo claustrofóbico, apesar da beleza natural que rodeia as personagens. Antoinette é filha de antigos proprietários de escravos, e é apanhada neste cenário. Com a sua mãe, viúv

Festival Folio

Fui ver o Salman Rushdie. Esta é a segunda vez que faço uma review de algo que não um livro. Essa não foi uma opinião positiva; quero explorar por aqui mais do mundo literário, que não apenas livros, e quero mudar esta tendência. Mas ainda não é desta vez. Por um laivo de tontice ou outro que tal, o meu companheiro (que arrastei, é claro) e eu decidimos ir de comboio e não de carro. A viagem era longa mas supostamente o comboio ia ser uma animação literária. Supostamente também estavam assegurados transfers  desde a estação de comboios fantasma da vila de Óbidos até ao festival. Garanto que nenhum dos dois aconteceu. No meio da confusão de uma boa dúzia de pessoas esperando um transfer que não chegava, no meio da solidariedade que surge quando estamos todos perdidos e todos a ir ao mesmo, tivemos a sorte de uma senhora ter boleia da sua irmã e ter lugar para duas pessoas. Não fiquei com o nome de nenhuma das duas, mas em gesto de agradecimento faço aqui publicidade ao s

The Sorrows of Young Werther

Ainda tentando recuperar da diferença drástica entre esta obra e Faust , que li alguns anos antes de começar este blog . Logo o título do livro é esclarecedor, com o uso da palavra sorrows (tristeza, sofrimento): é fácil perceber que não nos dirigimos a um livro alegre, mas a um livro com tons de desespero. E é absolutamente humano e comum sentir tais sentimentos. O epónimo jovem Werther escreve cartas ao seu grande amigo Wilhelm, e geralmente livros epistolários são um género que me agrada imenso; nunca obtemos as respostas de Wilhelm, mas apenas o ponto de vista de Werther. Werther é um jovem artista, extremamente sensível tanto àquilo que o rodeia mas a quem o rodeia; esta sensibilidade significa que Werther não só ama a simplicidade, sente empatia para com os outros, dá igual valor e respeito a tudo e todos, mas também sente cada momento no seu extremo, cada paixão no máximo. A princípio, é fácil admirar este jovem à medida que seguimos a sua viagem emocional. Como exemp