Vamos aprender mais sobre arte, artistas e história.
É difícil não gostar deste livro quando se tem sensibilidade à arte. A capa, aliás, agarrou-me de imediato. E este livro prova que a arte e a memória podem andar de mãos dadas.
Isso porque este livro mistura o relato biográfico com história de arte, e é único nesse sentido. Maria Gaínza é crítica de arte, e é dessa sua experiência que parte esse livro: da ideia de deformar a realidade através da vida e obra de vários pintores, contando assim a vida de uma família (da sua família? Não consegui apurar até que ponto esta obra é autobiográfica e não apenas ficção); ou a forma como parte da história familiar para falar de arte.
De alguns artistas eu nunca tinha ouvido falar. Rothko, por exemplo, que preenche vários parágrafos da narrativa, e cuja obra eu acho que não seria capaz de apreciar. É, aliás, louvável a forma como Gaínza consegue criar imagens mentais através das suas descrições. Porque este é um livro visual: sobre quadros, sobre os artistas que os pintaram e sobre a vida da narradora, temos uma visão sobre tudo isto enquanto vida e arte se misturam.
Há um momento em que a narradora vai ao médico, por estar com um tremor num olho. Pensem no significado de ter um tremor no olho quando o livro nos narra tanto sobre arte.
O olho deixa então de tremer. Vou sobreviver, digo para mim mesma, vou ultrapassar isto!, e enquanto espero que chegue o elevador olho uma última vez para o póster de Rothko. Olho-o fixamente. Faz-me sentir única: a brutal solidão deste pedaço de carne transpirada que sou. Lembra-me de que estou viva e entristece-me, como quando abraçamos uma promessa de felicidade que sabemos que não vai durar.
E se Rothko se relaciona com idas ao hospital, El Greco relaciona-se com passeios em San Francisco com um irmão quase desconhecido, por exemplo. Pintores argentinos servem de sustento para narrativas sobre amizade. Vemos alguns detalhes da vida de Henri Rousseau le douanier, cuja obra vi exposta no Palác Kinských em Praga. Toulouse-Lautrec atraído pelas ilustrações japonesas, Foujita atraído pela obra de Cézanne. Todos estes autores envolvidos de alguma maneira com a vida quotidiana de uma mulher em Buenos Aires, apaixonada por arte, mas cuja vida é envolta por dor, perda, doença e pelo indelével passar do tempo.
Lembrei-me de um museu que fica do outro lado da cidade e está há algum tempo abandonado, o que me causa estranheza, visto que tem quadros do meu pintor favorito. Devido às perdas de sangue, tive de manter-me em repouso durante umas semanas e a minha história da arte começava a ficar enferrujada.
Porque a arte é um simples móbil para entrelaçar várias coisas. Se, por vezes, algumas histórias remetem uma para a outra (a de arte e a da narradora), outras são mais fraccionárias - mas são sempre chaves para contar a sua história, ao mesmo tempo que nos conta muitas outras. Temos várias ideias, elementos aparentemente pouco conexos, a ideia de escrever uma coisa com o intuito de contar outra - e, neste livro, funciona. A arte e a vida dos artistas é um mero recurso para chegar à intimidade da narradora, à sua vida, aos segredos familiares, o casamento, o abandono. As feridas. Eventos passados que mantêm relevância no presente.
Porque vida e arte são, muitas vezes, um só - conhecer o pintor leva-nos a um ponto de partida na sua obra. E a arte é tão profundamente subjectiva, tão introspectiva, que falar de arte é falar de nós mesmos. Vejamos, a este propósito, El Túnel, de Ernesto Sabato (curiosamente um outro autor argentino), em que o protagonista pinta um quadro que ninguém parece compreender - e como isso o torna profundamente só.
O livro é, no fundo, sobre memórias - a memória da História e da arte, mas também a memória pessoal. Deste ponto de vista, é também interessante pensar em história pessoal, da narradora, versus a forma como a vida daqueles pintores constitui História, aquela que consideramos como sendo com "H maiúsculo". Todas as memórias escondem outras memórias, sejam as nossas, as dos que nos rodeiam, ou do mundo.
Cézanne dizia: "O grandioso acaba por cansar. Há montanhas que quando estamos à sua frente, nos fazem gritar 'Foda-se'! No entanto, para o dia a dia, uma simples colina chega e sobra". A tua cidade é uma planície cinzenta mas, de vez em quando, as nuvens dissipam-se e algo emerge do meio do nada.
É um livro para conhecer novos artistas, para saber mais da vida de artistas já familiares - e que não se cinge, de todo, aos mais "populares". Se me "custou" não ler nada sobre Monet ou Van Gogh, adorei conhecer Foujita ou saber mais sobre Rousseau.
Posso só referir que achei engraçado que Courbet foi apenas mencionado na sua vertente de pintor do mar?
Se são dos que choram em museus (ou ficaram em transe a olhar para o Guernica - não é fácil fazer-me chorar), este livro é para vocês.
Isso porque este livro mistura o relato biográfico com história de arte, e é único nesse sentido. Maria Gaínza é crítica de arte, e é dessa sua experiência que parte esse livro: da ideia de deformar a realidade através da vida e obra de vários pintores, contando assim a vida de uma família (da sua família? Não consegui apurar até que ponto esta obra é autobiográfica e não apenas ficção); ou a forma como parte da história familiar para falar de arte.
De alguns artistas eu nunca tinha ouvido falar. Rothko, por exemplo, que preenche vários parágrafos da narrativa, e cuja obra eu acho que não seria capaz de apreciar. É, aliás, louvável a forma como Gaínza consegue criar imagens mentais através das suas descrições. Porque este é um livro visual: sobre quadros, sobre os artistas que os pintaram e sobre a vida da narradora, temos uma visão sobre tudo isto enquanto vida e arte se misturam.
Há um momento em que a narradora vai ao médico, por estar com um tremor num olho. Pensem no significado de ter um tremor no olho quando o livro nos narra tanto sobre arte.
O olho deixa então de tremer. Vou sobreviver, digo para mim mesma, vou ultrapassar isto!, e enquanto espero que chegue o elevador olho uma última vez para o póster de Rothko. Olho-o fixamente. Faz-me sentir única: a brutal solidão deste pedaço de carne transpirada que sou. Lembra-me de que estou viva e entristece-me, como quando abraçamos uma promessa de felicidade que sabemos que não vai durar.
E se Rothko se relaciona com idas ao hospital, El Greco relaciona-se com passeios em San Francisco com um irmão quase desconhecido, por exemplo. Pintores argentinos servem de sustento para narrativas sobre amizade. Vemos alguns detalhes da vida de Henri Rousseau le douanier, cuja obra vi exposta no Palác Kinských em Praga. Toulouse-Lautrec atraído pelas ilustrações japonesas, Foujita atraído pela obra de Cézanne. Todos estes autores envolvidos de alguma maneira com a vida quotidiana de uma mulher em Buenos Aires, apaixonada por arte, mas cuja vida é envolta por dor, perda, doença e pelo indelével passar do tempo.
Lembrei-me de um museu que fica do outro lado da cidade e está há algum tempo abandonado, o que me causa estranheza, visto que tem quadros do meu pintor favorito. Devido às perdas de sangue, tive de manter-me em repouso durante umas semanas e a minha história da arte começava a ficar enferrujada.
Porque a arte é um simples móbil para entrelaçar várias coisas. Se, por vezes, algumas histórias remetem uma para a outra (a de arte e a da narradora), outras são mais fraccionárias - mas são sempre chaves para contar a sua história, ao mesmo tempo que nos conta muitas outras. Temos várias ideias, elementos aparentemente pouco conexos, a ideia de escrever uma coisa com o intuito de contar outra - e, neste livro, funciona. A arte e a vida dos artistas é um mero recurso para chegar à intimidade da narradora, à sua vida, aos segredos familiares, o casamento, o abandono. As feridas. Eventos passados que mantêm relevância no presente.
Porque vida e arte são, muitas vezes, um só - conhecer o pintor leva-nos a um ponto de partida na sua obra. E a arte é tão profundamente subjectiva, tão introspectiva, que falar de arte é falar de nós mesmos. Vejamos, a este propósito, El Túnel, de Ernesto Sabato (curiosamente um outro autor argentino), em que o protagonista pinta um quadro que ninguém parece compreender - e como isso o torna profundamente só.
O livro é, no fundo, sobre memórias - a memória da História e da arte, mas também a memória pessoal. Deste ponto de vista, é também interessante pensar em história pessoal, da narradora, versus a forma como a vida daqueles pintores constitui História, aquela que consideramos como sendo com "H maiúsculo". Todas as memórias escondem outras memórias, sejam as nossas, as dos que nos rodeiam, ou do mundo.
Cézanne dizia: "O grandioso acaba por cansar. Há montanhas que quando estamos à sua frente, nos fazem gritar 'Foda-se'! No entanto, para o dia a dia, uma simples colina chega e sobra". A tua cidade é uma planície cinzenta mas, de vez em quando, as nuvens dissipam-se e algo emerge do meio do nada.
É um livro para conhecer novos artistas, para saber mais da vida de artistas já familiares - e que não se cinge, de todo, aos mais "populares". Se me "custou" não ler nada sobre Monet ou Van Gogh, adorei conhecer Foujita ou saber mais sobre Rousseau.
Posso só referir que achei engraçado que Courbet foi apenas mencionado na sua vertente de pintor do mar?
Se são dos que choram em museus (ou ficaram em transe a olhar para o Guernica - não é fácil fazer-me chorar), este livro é para vocês.
Podem comprar esta edição aqui.
Clássico quadro do MJ :p
ResponderEliminarQuanto ao Rothko são quadros que realmente entristecem, ficamos a olhar para eles e ficamos do tipo 'porquê? o que somos? o que sou?' parece que ficas sozinho dentro do quadro, é estranho (isto só de olhar para imagens da net porque acho que nunca vi nenhum ao vivo)
'Henri Rousseau le douanier' ahah clássico Rousseau o inspector
Gostei muito do Palác Kinských :p ahh Praga, saudades
'visto que tem quadros do meu pintor favorito'
qual é o teu pintor(a) favorito/a hum? :p
'E a arte é tão profundamente subjectiva, tão introspectiva, que falar de arte é falar de nós mesmos.'
sem dúvida
'Vejamos, a este propósito, El Túnel, de Ernesto Sabato (curiosamente um outro autor argentino), em que o protagonista pinta um quadro que ninguém parece compreender - e como isso o torna profundamente só.'
gosto tanto de como escreves
E gosto desse quadro
Gosto também de como metes no post fotos que tiraste em museus :p
Claro que tinhas de meter a origem do mundo, vale tudo contigo
'Cézanne dizia: "O grandioso acaba por cansar. Há montanhas que quando estamos à sua frente, nos fazem gritar 'Foda-se'! No entanto, para o dia a dia, uma simples colina chega e sobra". A tua cidade é uma planície cinzenta mas, de vez em quando, as nuvens dissipam-se e algo emerge do meio do nada.'
Só por causa disso sabes aqueles livros que comprei na ler devagar sobre arte? Vou comecar pelo Cézanne, está decidido :p
'adorei conhecer Foujita' ele parece épico, tanto a sua obra como o seu penteado :p e parece gostar de gatos
'Posso só referir que achei engraçado que Courbet foi apenas mencionado na sua vertente de pintor do mar?' achaste engraçado porquê? :p porque é mais conhecido pela foto que meteste no post? :p
'Se são dos que choram em museus (ou ficaram em transe a olhar para o Guernica - não é fácil fazer-me chorar), este livro é para vocês.' choraste? :$ foi memorável ver o quadro sem dúvida
Gostei muito deste post, gosto muito muito do teu blogue, muito bom
O quadro do MJ é do Toulouse Lautrec :o
EliminarA sério? :o não consigo sentir nada com o Rothko :$ já vi este ao vivo: https://www.centrepompidou.fr/cpv/resource/cajrkgR/rMd5GB5 lá está, arte é subjectiva, todos sentimos coisas diferentes :p
Muitas saudades de Praga, lembras-te da exposição? :p
O meu pintor favorito é o Van Gogh, a citação no entanto é do livro e vais ter de ler para descobrir o autor preferido da narradora :o
De que quadro gostas? :$
Não vejo o problema da Origem do Mundo :o mas sim, eu conheço mais Courbet por esse do que por quadros do mar, embora tenha visto vários quadros de natureza, de cavalos :p
O Cézanne deve ser fixe sim, pintava frutinha :p
Também gosto de gatos :$
Não chorei :$ fiquei apenas em transe, é abismal o quadro, é grandioso!
E muito obrigada :$
A sério, mas como te disse ontem por sentir não quer dizer que goste :p
EliminarLembro sim, como se tivesse sido ontem :p
'De que quadro gostas? :$' expressei-me mal, até porque nunca li o livro, mas gosto da capa do livro El Túnel, de Ernesto Sabato!
É um prazer Ba, can't wait pelo próximo post :p
Ah, realmente tinha ficado muito confusa porque sei que não leste O Túnel :$ que é um muito bom livro, muito imersivo!
EliminarJá pensaste em pintar frutinha? Ou meias da raquete? :P
Não pensei mas acho que não vai acontecer :p
EliminarAinda não tenho esta obra, mas já está na lista dos livros a comprar, até porque sou admirador de pintura também.
ResponderEliminarAcredito que iria gostar do livro, Carlos! Especialmente se admira arte, pois este livro conjuga belíssimamente a pintura e o efeito que causa em nós, com as memórias de uma vida.
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