Opinião profundamente atrasada - o podcast (linkado no fim) já saiu no dia 7 de Junho.
Li este livro no contexto do FOMO Challenge, tendo sido eu a escolhê-lo - o primeiro livro do ano que foi minha escolha -, por ser dos livros mais populares que vivia na minha estante à espera da sua vez.
Sendo um livro que tem como temática central a Segunda Guerra Mundial, esta leitura em princípio afastar-me-ia mais do que me apelaria; porém, tendo ganhado o Pulitzer em 2015, acreditei que fosse uma boa leitura e, não se passando na Europa Central, que não caísse nos clichés habituais do género.
Um pouco como outro livro que tem a Segunda Guerra Mundial como pano de fundo - A Rapariga que Roubava Livros -, em All the Light We Cannot See temos dois protagonistas jovens com origens diferentes e bastante únicas. Começamos por conhecer Marie-Laure, uma rapariga que, no clímax do livro, tem 16 anos, filha do serralheiro do Museu de História Natural de Paris, que ficou cega devido a glaucoma congénito quando era criança. O pai nunca a deixara sentir-se limitada pela cegueira, tendo-a guiado na vida de forma a torná-la independente - num detalhe muito bonito, constrói modelos de madeira da cidade de modo a que ela se consiga familiarizar com as ruas. Conhecemos, de seguida, Werner, um rapaz alemão da mesma idade, órfão, que cresce com a irmã Jutta, cuidado por uma senhora francesa numa terra mineira sem quaisquer prospectos de futuro. Werner e Jutta, todas as noites, ouvem uma emissão de rádio francesa sobre ciência. Marie-Laure cresce com um intenso interesse por conchas, o mar (que está muito distante de Paris) e vida marinha; Werner tem um enorme talento para mecânica e matemática, e vive fascinado com rádios, que desde cedo compreende e começa a reparar.
Radio: it ties a million ears to a single mouth.
Ambos vivem, assim, experiências muito diferentes no momento em que deflagra a guerra. É este talento de Werner que o tira de um futuro mineiro e o leva às escolas da máquina militar nazi, e é o interesse de Marie-Laure pelo mar que a sustenta quando têm de fugir de Paris para Saint-Malo, onde vive o seu tio-avô.
Em capítulos alternados, acompanhamos estes personagens na sua infância e juventude. A experiência brutal de Werner nos campos de treino é chocante, mas não surpreendente - é normal que as crianças num regime assim fossem brainwashed desde cedo e que, apesar do que pudessem ser as suas crenças, não questionassem nada do que os rodeava. Eu inicialmente, por este motivo, achei o personagem de Werner muito menos desenvolvido que o de Marie-Laure - porém, é esta sua aceitação destas circunstâncias algo extremas que constrói a sua personagem.
How do you ever know for certain that you are doing the right thing?
Marie-Laure, por sua vez, está rodeada pela família e por pessoas que a têm em estima. Lê livros em braille (nomeadamente 20000 Léguas Submarinas) e consegue ajudar o seu tio-avô Etienne, traumatizado pela Primeira Guerra Mundial, a retomar alguma da sua vida e o seu gosto por rádios amadores. Apesar das dificuldades da guerra, torna-se parte da resistência por vontade própria, assumindo o risco pelo bem maior, comum, apoiando a comunidade local a passar mensagens para a Resistência, com o seu tio-avô.
Um terceiro personagem é von Rumpel, um especialista de pedras preciosas que, por ordem de Hitler e para construir o museu do Reich com todas as peças (quadros, esculturas, ouro, quartos de âmbar) valiosas do mundo, procura uma jóia com um mito associado, "the sea of flames", que estava inicialmente no Museu de História Natural em Paris, com outras pedras preciosas e minerais, e da qual foram feitas três cópias de modo a proteger o original. Diz-se que esta jóia continha uma maldição, que daria vida eterna a quem a possuísse ao passo que arruinaria a vida de quem rodeasse o seu detentor; von Rumpel começa a ter motivações mais pessoais para descobrir the sea of flames, e o pai de Marie-Laure, serralheiro de confiança, ficou com um dos quatro "exemplares".
Stones are just stones and rain is just rain and misfortune is just bad luck. Some things are simply more rare than others, and that's why there are locks.
Sendo que Werner está destacado na guerra, não obstante a sua tenra idade, para descobrir rádios pirata, é certo que no fim os três se encontrarão, mas o resultado nunca é previsível; ou, aliás, aquilo que eu achei que seria o desfecho previsível não foi o que aconteceu, para meu grande agrado com a obra.
Cada capítulo (alternando entre Werner e Marie-Laure, com o ocasional capítulo que segue von Rumpel) é curto, e de vez em quando há secções, bastante bem identificadas, que se passam no "futuro" - no momento do clímax do livro, durante os bombardeamentos da Batalha de Saint-Malo. Acaba por não ser confuso, e está bastante bem conseguido. As realidades da guerra estão bastante bem descritas, sem nunca cair na vulgaridade ou nos clichés da Segunda Guerra Mundial e demonstrando como a situação afectou também civis que arriscavam as suas vidas nestas circunstâncias. Também foi interessante a forma como foi retratada a realidade de um rapaz a crescer na Alemanha Nazi, sem poder escapar à propaganda, uma pessoa que somos levados a ver como boa (ou "normal") que comete actos maus devido ao contexto.
Vi o primeiro episódio da Netflix e achei horrível e zero fiel ao livro.
4/5
Deixo-vos com algumas imagens do encontro de dia 7 de Junho, na Biblioteca de Belém:
4/5
Também achei uma leitura interessante. Não consegui ver a série, não gostei :/
ResponderEliminarTambém fiquei pelo primeiro episódio, achei horrível, a romantizar o que no livro não é romantizado, claramente a ir por caminhos pelos quais o livro ganhou muito em não ir...
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