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The White Guard

O Bulgakov é possivelmente o meu russo favorito, e o The Master and Margarita é um livro que acho que toda a gente devia ler (porque gatos). Este parece que tem o Clint Eastwood na capa e veio do eBay.


Muito diferente dos outros livros do Bulgakov que li (este foi o meu quarto), The White Guard retrata o inverno de Kiev em 1918-1919 através dos irmãos Turbin, Alexei, Elena e Nikolka, uma família da classe média que apoia a monarquia, o Czar Nicholas e a sua família já assassinada pelos Bolcheviques (e estão em negação quanto a este facto). Isto em si é interessante pois, embora ucranianos, os Turbin sentem-se claramente russos.

O nome desta família lembrava-me, de forma previsível e frequente, de um conhecido hit da música popular portuguesa. Sim, eu acabo de referir Ana Malhoa num post sobre um clássico russo refundido. Sabem porquê? Porque posso.

Adiante, após a guerra civil que se seguiu à Revolução Bolchevique de 1917, Kiev foi ocupada pelo exército alemão, pelos Brancos (monárquicos), pelos Socialistas e pelos Vermelhos (bolcheviques), e The White Guard mostra o caos em que se vivia em Kiev numa altura em que a Ucrânia lutava pela sua independência relativamente à Rússia. O livro dá-nos os pontos de vista de várias personagens e, através das suas experiências, vemos o que se passa em Kiev de 1918-19, as mudanças pelas quais se está a passar.

The huge four-storey building of Alexei Turbin's old school, with its hundred and eighty windows, was built around three sides of an asphalted square. He had spent eight years there. For eight years, in springtime during breaks between classes he had run around that playground, and in the winter semester when the air in the classrooms was stuffy and dust-laden and the playground was covered by the inevitable cold, solid layer of snow, he had gazed at it out of the window. For eight years that brick-and-mortar foster-mother had raised and educated Alexei Turbin and his two younger friends, Karas and Myshlaevsky.
(...)
And most depressing of all, not only did nobody know, but nobody cared what had become of the school. Who was there now to come and study aboard that great ship? And if no one came to school-why not? Where was the janitor? What were those horrible, blunt-muzzled mortars doing there, drawn up under the row of chestnut trees by the railings around the main entrance? Why had the school been turned into an armory? Whose was it now? Who had done this? Why had they done it?

Um facto interessante é que Alexei Turbin, tal como Mikhail Bulgakov, é médico especialista em doenças venéreas, e envolve-se na resistência monárquica. Segundo pesquisei, há muito de autobiográfico neste livro (o apartamento em que os Turbin vivem é o mesmo em que Bulgakov vivia com a família, antes de trocar Kiev por Moscovo, e que agora é um Museu dedicado ao Bulgakov. Quero ir a Kiev).

Peguei neste livro porque assumi como missão ler todos os livros em que tinha pegado nos últimos anos, lido um ou dois capítulos e desistido, mas é sem dúvida uma altura interessante para ler sobre crises políticas na Ucrânia. Deixo aqui uma frase maravilhosa para quem fez uma tese sobre mudanças na Rússia (embora tenham sido mudanças mais recentes, e uma tese mais económica que política):

As the fall turned to winter death soon came to the Ukraine with the first dry, driven snow. The rattle of machine-gun fire began to be heard in the woods. Death itself remained unseen, but its unmistakable herald was a wave of crude, elemental peasant fury which ran amok through the cold and the snow, a fury in torn bast shoes, straws in its matted hair; a fury which howled. It held in its hands a huge club, without which no great change in Russia, it seems, can ever take place.

Tive de pesquisar muita coisa enquanto lia este livro. Primeiro, o título "Hetman"; segundo, a identidade de Symon Petliura, nome muitas vezes mencionado durante todo o livro como o de um inimigo misterioso, de um alvo a abater, de uma ameaça premente:

It was one bright September evening that a piece of paper, signed by the appropriate official of the Hetman's government, arrived at the City's prison. It was an order to release the prisoner being held in cell No. 666. That was all.
That was all?!Without any doubt that piece of paper was the cause of the untold strife and disaster, all the fighting, bloodshed, lire and persecution, the despair and the horror that were to come . . .
The name of the prisoner was quite ordinary and unremarkable: Semyon Vasilievich Petlyura. Both he and the City's newspapers of the period from December 1918 to February 1919 used the rather frenchified form of his first name - Simon. Simon's past was wrapped in deepest obscurity. Some said he had been a clerk.

A primeira parte do livro, mais focada nos eventos da guerra em si que na família Turbin, é um pouco... não diria aborrecida, mas custou-me a ler. Muitas personagens que não percebi muito bem de onde vinham, que saiam de cena rapidamente, muitas frases dedicadas a dragonas. Quando o livro se centra nos eventos da noite em que Symon Petliura ocupa Kiev e nos dias que se seguiram, torna-se mais interessante. Não havia ninguém para defender a cidade - os alemães fugiram, o Hetman fugiu, os Brancos perderam a guerra mesmo antes de terem qualquer acção nela. Os dias que se seguem são de um terror e desespero imensos, maravilhosamente descritos por Bulgakov.

Consta que o Estaline gostava de ir ao teatro ver a adaptação deste livro, chamada The Days of the Turbins - no entanto, e não surpreendentemente, o livro em si foi banido durante décadas na URSS (imagino o quão adaptada seria a peça, pois não consigo ver um livro destes passar em tal regime), bem como grande parte do trabalho do Bulgakov que, embora de certa forma protegido por Estaline, chegou a pedir-lhe pessoalmente que o deixasse sair da Rússia. A arte é a maior forma de resistência.

4/5 mas sinto que não não conheço a história da Ucrânia o suficiente para apreciar o livro como deve ser.

Podem comprar uma outra edição em inglês aqui, ou em português aqui.

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