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Tanta Gente, Mariana

Tenho andado a ler mais lusófonos.


Maria Judite de Carvalho era-me totalmente desconhecida, e mesmo este livro não sei como descobri. Tanta Gente, Mariana é um conjunto de pequenas histórias, sendo a primeira, aquela que dá o título ao livro, a mais longa.

As histórias deste volume são interessantes, agarram desde o início. São satíricas, roçam o macabro, são brilhantes e solitárias – as suas personagens são incrivelmente solitárias, sós, perdidas numa sociedade onde não conseguiram vingar, entre casamentos falhados e empregos falhados e vidas falhadas. Vidas perdidas. Como podemos ler logo no início de Tanta Gente, Mariana:

Há tantas coisas em que nunca pensámos por falta de tempo! Na esperança, por exemplo. Quem vai perder cinco ou dez minutos a pensar na esperança, quando pode usá-los muito mais proveitosamente a ler um romance ou a falar ao telefone com uma amiga, a ir ao cinema ou a redigir ofícios no emprego? Pensar na esperança, que coisa imbecil!

Porquê perder tempo a pensar no que podia ter corrido melhor? Porquê reflectir dessa maneira no porquê de não conseguirmos ser felizes, naquilo que queríamos ter sido e cuja oportunidade parece que deixámos passar?

Mariana apercebe-se aos 15 anos que está sozinha, e o pai consola-a, mas adverte-a:

(…) Há gente que vive setenta e oitenta anos, até mais, sem nunca se dar conta. Tu aos quinze… Todos estamos sozinhos, Mariana. Sozinhos e muita gente à nossa volta. Tanta gente, Mariana! E ninguém vai fazer nada por nós. Ninguém pode. Ninguém queria, se pudesse. Nem uma esperança.

Lembrou-me, não só esse conto mas todo o livro, frequentemente de uma música de Placebo: et maintenant nous sommes toutes seules.

Eu dantes gostava de ir ao cinema; mais tarde, de estar lá. De estar no cinema quando as luzes se apagavam e havia sonho diante dos meus olhos. Eu dantes gostava… Talvez ainda gostasse, quem sabe? Entrei por isso, lembro-me agora, só para saber se ainda seria capaz de gostar de qualquer coisa.

“(…) só para saber se ainda seria capaz de gostar de qualquer coisa” – não é este um dos sentimentos de maior desespero? No relatório do Gabinete 11 que não devia ter lido, apelidaram-no de anedonia. É esse outro dos temas principais deste livro. A perda de prazer no quotidiano, a dificuldade em o reencontrar, a tentativa de alterar as coisas para melhor – e o fracasso. O fracasso em ser feliz, as aparentes soluções que acabam por piorar as coisas.

5/5

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