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Parábola do Cágado Velho

Mais um livro incrível emprestado pelo mais incrível de todos.


O livro começa de forma imensamente poética, uma vida que se vira ao contrário devido a uma granada e a visão que esta traz. Ulume vai visitar frequentemente um cágado velho, possivelmente mais velho que ele, acreditando na sua sabedoria, sentindo o tempo parar sempre que o cágado vai beber água, todos os dias pela mesma hora. Ulume desabafa e questiona o cágado sobre os problemas da vida, e sente que este o ouve, aguardando pelo dia em que lhe responda.

Houve um tempo anterior a tudo, há sempre, não é mesmo?

Ulume é casado com Muari, de quem tem dois filhos, Luzolo e Kanda, que partem cada um para uma facção diferente da guerra civil Angolana: nunca nos é dito quem vai para a UNITA e quem vai para a MPLA, neste livro não há distinção sobre quem são "os nossos" e quem são "os inimigos" - são todos iguais e, na pequena aldeia, afastada de Calpe, dos centros urbanos, ninguém percebe ao certo o porquê da luta: apenas percebem o que estão a perder.

 - Um dia a guerra também chega lá - disse Ulume.
 - Pode ser. E vamos para outro sítio. Um dia a guerra acaba.
 - Acaba mesmo?

Quando apanhado por uma granada, Ulume vê Munazaki, rapariga da idade dos seus filhos, e convence-se que esta se deve tornar na sua segunda esposa, num local onde a tradição permite a bigamia. Aqui entram em conflito a tradição e as novas visões da vida, pois Munazaki não quer ser uma segunda esposa, quer um marido só para ela, pois as mulheres devem ser iguais aos homens.

 - (...) Mas os soldados dizem que isso de um homem ter várias mulheres acabou. Agora somos iguais aos homens. Por isso eu só aceito um marido que não tenha mais ninguém. (...)

Ulume vive obcecado com pagar o alembamento à família de Munazaki, fracassando sempre que está próximo de conseguir, e Munazaki vive obcecada com a sua juventude, com as novidades da cidade, Calpe. Muari permanece calma, vendo em Munazaki a filha que acabou por nunca ter. Os anos passam, a família muda de local, o cágado permanece no seu monte e Ulume percorre distâncias para o ver.

Todos os autores africanos lusófonos que tenho lido recentemente escrevem de uma forma maravilhosa, mágica, entre aquilo que creio serem as tradições e mitologias locais, numa espécie de realismo mágico.

5/5

Podem comprar esta edição aqui.

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