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Rapariga com Brinco de Pérola

Não sou a maior fã de ficção histórica, nem a maior conhecedora de arte, mas decidi dar uma chance a este livro.


Este livro tem como inspiração o quadro epónimo de Vermeer, pintor holandês do séc. XVII, sobre o qual se sabe pouco. O livro levou-me a investigar um pouco mais sobre o pintor, e por isso merece algum mérito. Conforme mencionado ao longo do livro, este quadro é algo atípico entre a obra de Vermeer, por se focar tanto na cara de alguém e não no cenário circundante, e talvez por isso se destaque entre os seus quadros. Este livro também se parece destacar entre a obra de Tracy Chevalier, talvez por um filme (que, adivinhem - nunca vi!) com a Scarlett Johansson.

Aqui é dada uma identidade à mulher retratada no quadro. Griet, uma jovem de dezasseis anos, entra abruptamente no mundo adulto sem qualquer protecção ou orientação quando vai para a casa dos Vermeers (o pintor, a sua mulher Catharina e os seus vários filhos, e a mãe desta) trabalhar como criada, após um acidente ter deixado o seu pai cego e, consequentemente, a sua família necessitada. A narrativa é-nos relatada na primeira pessoa por Griet, pelo que sabemos as coisas apenas do seu ponto de vista.

A primeira pessoa é o primeiro defeito deste livro: graças a isso, por exemplo, Vermeer é muitíssimo pouco caracterizado - não sabemos o que ele pensa, quem ele é, vemo-lo através de outros olhos. Este foi um "buraco" deixado na História que podia ter sido colmatado neste livro, mas não foi - e apesar de um dos preconceitos que tenho com ficção histórica ser a enorme possibilidade de as coisas não terem sido bem assim, incomoda-me o facto de a personagem ser vazia, bem como todas as outras: bem como a personagem principal.

Vermeer é um mistério no livro porque nada avança em termos das personagens e tudo o que sabemos sobre ele são meras suposições de uma miúda apaixonada. Griet sente uma ligação por Vermeer, mas trata-o sempre por "ele" e tudo parece uma paixão idiota de uma miúda de 13 anos por um homem mais velho numa posição de poder. Ele (see what I did there) tem noção disso e é tudo um bocado creepy. Não se sente qualquer ligação afectiva; a relação entre os dois, supostamente ponto central do livro, não é nada. Ele é um pintor, ela é uma das empregadas de uma casa que não tem dinheiro para tanto, e de vez em quando os seus mundos cruzam-se.

O livro não é, portanto, tão interessante como a obra que o inspirou. É sobre uma criada que se torna modelo de um quadro, sendo que toda a narrativa é empurrada na direcção do momento em que isso acontecerá.

E incompreensivelmente esta rapariga consegue a atenção de três homens: o seu patrão, o mecenas deste que é um pseudo vilão que aparentemente abusa de criadas e raparigas novas, e Pieter, o filho de um talhante local; tudo isto ao mesmo tempo que 90% das mulheres do livro a odeia. Griet antagoniza a sua patroa, Catharina, por esta ter ciúmes por a empregada limpar o estúdio do marido onde mais ninguém pode entrar, e uma das filhas, Cornelia, por motivo nenhum. Catharina é o cliché da patroa que odeia a coitadinha da criada e tem ciúmes dela porque é o que uma patroa deve fazer - e apesar de ser retratada como vilã, acabei por ter pena de uma mulher que passava a vida a ter filhos de modo a tentar ganhar a atenção do marido.

Já Pieter começa por parecer um bom rapaz, e dá-se bem com os pais de Griet e tudo, e eles adoram-no, porque, bem:

Embora não mo dissessem, deviam encarar o facto de lhe darem de comer como uma maneira de encher as nossas barrigas no futuro. A mulher de um açougueiro - e os pais dela - haviam sempre de comer bem. Um bocadinho de fome agora acabaria por resultar numa barriga bem cheia.

Sendo que ele eventualmente usa esse facto contra ela, mas isso é apenas mais um facto numa relação particularmente estranha: ele parece adorá-la apesar de a andar a apalpar em vielas (cenas que achei incrivelmente constrangedoras e mesmo algo horríveis), coisa que ela (e os pais dela!) deixa acontecer apesar de não querer nada com ele. Ele tem ciúmes de Vermeer, tem roupa e unhas sujos do talho constantemente, e ela acha isso repulsivo. E finalmente, quando Vermeer vê o cabelo dela solto (what), ela cede totalmente aos avanços de Pieter, fisicamente falando. Isto não faz sentido.

Griet demonstra ter algumas morais, mas o seu trabalho com Vermeer leva-a a ir contra os padrões de decência e de comportamento que ela própria se impunha. Quando Griet toma a decisão mais sensata e responsável, não é exactamente por o querer, mas por ter poucas opções.

Porém, ao mesmo tempo, no final uma pessoa fica um bocado "é só isto?", porque o final é super anti-climático. De certa forma, parece um livro muito sobre arte e pintura, com as constantes referências a técnicas e à encenação e disposição de objectos numa mesa. Quando Vermeer estava ocupado a ser um pintor, o livro era bastante interessante. Mas o livro não diz muito, não acontece muito. Sabemos "como" o quadro aconteceu, mas não sabemos nada sobre o homem por detrás dele.

Se por um lado queria saber e estava interessada na posição de Griet na casa dos Vermeer, ao mesmo tempo a coisa mais interessante que aconteceu foi... ela moer pigmentos? Não gostei das situações em que ela se encontrou, não gostei da forma como ela lidou com as mesmas, desde as suas relações com os seus pais à com Vermeer, passando por Pieter. A personagem principal é-o apenas por ser a narradora, porque ninguém é desenvolvido. A própria Griet é descrita pelos outros como parecendo tão profunda, misteriosa, como parecendo ter algo a esconder, mas mesmo sendo ela a narrar, apenas temos acesso ao mais superficial. Ao mesmo tempo, ela parece demasiado inteligente para ser verdade, corrigindo composições artísticas, compreendendo e decantando cores. Já agora: Griet é melhor cozinheira, limpa melhor, compra melhor carne que a outra empregada, Tanneke, que serve a casa há mais de dez anos.

Este livro não me parece estar à altura da fama que o rodeia - Vermeer pode ter sido um artista brilhante, mas este livro não o é, e não o transparece.

3/5

Podem comprar em inglês aqui.

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