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Queenie

Li Queenie na senda de ler um contemporâneo após terminar a saga do Professor Challenger, mas antes de passar para Anna Karenina.





Estive na dúvida entre este e My Sister, the Serial Killer (que vai ser editado entretanto, em Portugal, daqui a dias), mas optei por este pelo formato digital, para diferenciar um pouco. Estou cada vez mais adepta do formato e ajuda a desligar de leituras físicas anteriores.


Queenie é o livro de estreia de Candice Carty-Williams e entrou no meu radar via Books That Matter, por ser parte de uma caixa antiga. Regra geral, os livros dessa caixa são apelativos, diversos e inclusivos. Este não é excepção, pois a protagonista, que dá o título ao livro (a palavra "epónima" soa terrível em português) é uma jovem de 25 anos de origem jamaicana, que tenta fazer a sua vida em Londres. Segundo algumas reviews que vi entretanto no goodreads, este livro é "vendido" como sendo semelhante aos diários de Bridget Jones, que nunca li, mas vi os filmes - e não sei se encontro grandes bases para comparação.


Queenie está a passar um verdadeiro mau bocado. É uma personagem com muitos problemas por resolver, e parece que todo o mundo se desfaz quando o seu namorado de alguns anos, Tom, decide terminar o relacionamento. Queenie não aceita - acha que estão a "dar um tempo", e que mais dia menos dia, ele irá entrar em contacto com ela. Por este motivo, Queenie está a ter dificuldades em lidar com o seu emprego (numa revista sobre cultura e outras questões de sociedade) e, descobrimos, tem desde cedo dificuldades em lidar com a família e com a sua saúde.


Desde o início do livro, acompanhamo-la numa série de más escolhas. A verdade é que Queenie, devido ao seu passado de abuso, em criança, tem problemas de saúde mental vários, e é também o seu passado que acaba por afectar as suas escolhas em homens, mais tarde, e aquilo que considera normal. Através de vários flashbacks, apercebemo-nos que a relação com Tom nunca fora grande coisa - a família dele (todos brancos) era "casualmente racista", e ele nunca se preocupou em defendê-la, por exemplo; mas Queenie romantiza tudo, devido aos seus problemas pessoais e, no meio da dificuldade em aceitar o fim da relação, envolve-se com inúmeros homens, de forma casual, sem controlo ou protecção, e de forma tantas vezes tão violenta que, no médico, questionam se ela estará envolvida em prostituição ou se terá sido violada.


Grande parte do livro é algo problemático neste sentido: ela está tão destroçada pela sua vida amorosa (claro, é o culminar de uma série de agressões) - por um tipo que nunca a defendeu, que a mandava embora, que não lhe dirigiu a palavra durante meses - que deixa que toda a gente a trate como lixo, faz resoluções de Ano Novo que incluem voltar a estar com o ex-namorado e acha que, enquanto pessoa, é um problema sem solução. Não tem amor próprio, e isso reflecte-se em todos os homens com quem se envolve. Acho que tem inúmeras questões que são importantes, acho que explora bem a vulnerabilidade e a fragilidade de Queenie, especialmente quando, por motivos culturais, não pode pedir ajuda (aparentemente - e desconhecia! - as pessoas jamaicanas têm muito preconceito para com psicoterapia) - mas Queenie parece não ter nenhuma qualidade redentora. Isto pode-se dever ao facto de a sua história ser narrada por ela, uma pessoa sem auto-estima, mas...


I looked at my three friends, the lights exploding in the sky and illuminating their beautiful faces. They all represented a different part of my life, had all come to me at different times; why they'd all stuck with me, I was constantly tying to work out.


Após a primeira metade, ou mais, do livro, se focar nas más escolhas de Queenie, todas elas relacionadas com homens brancos, descobrimos mais sobre a infância de Queenie e muito do que causa a sua visão sobre si mesma e sobre o mundo quando ela decide, contra os desejos da sua avó (mas com apoio do avô!) e muito contrariada, tratar da sua saúde mental. No fim, Queenie parece estar num bom caminho, apesar de todas as más escolhas (e também más amizades...), o que parece também ajudar as pessoas que a rodeiam.


Gostei do diálogo e da escrita, muito naturais, e do facto de Queenie ter finalmente aceitado que precisava de ajuda, e ter tirado daí algo de positivo. Achei muito importante a discussão sobre a saúde mental, mas também o facto de a autora ter incluído o modo como esta é vista numa comunidade jamaicana, imigrante no Reino Unido. Pareceu-me real, e diria que a ideia de um filho/neto procurar ajuda "envergonhar" a restante família é mais transversal do que particularmente cultural, mas foi interessante ver como a família abordou a situação.


The road to recovery is not linear. It’s not straight. It’s a bumpy path, with lots of twists and turns. But you’re on the right track.


Outro tópico interessante foi a fetishização da qual Queenie era alvo por vários homens, brancos e paquistaneses. Queenie é descrita como sendo voluptuosa, e alguns dos homens com quem se envolvia tinham relacionamentos oficiais com mulheres magras. Enfurecedor, real. Também o racismo e o "all lives matter" que Queenie enfrentava quando, no trabalho, fazia pitches sobre protestos BLM foi uma inclusão interessante.


O comportamento de Queenie é frustrante, é verdade, mas pareceu-me ser um retrato realista de uma jovem com problemas mentais graves, como ansiedade, e dificuldades várias em lidar com algumas situações da sua vida, entrando numa espiral de auto-destruição por ser a única resposta quem tem ao que se passa à sua volta. 


3/5 interessante, demasiado awkward em partes, protagonista problemática, não memorável


Podem comprar edição física na wook ou na Bertrand; não se encontra traduzido.



Comentários

  1. Gosto como lês cada vez mais obras recentes e mesmo em formato digital
    Gostei também bastante do post, parece-me que o livro toca em temas importantes e nem sempre muito explorados

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    Respostas
    1. ando a tentar variar :$ sim, o livro toca em vários temas importantes e interessantes, infelizmente não terá a melhor execução!

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