Avançar para o conteúdo principal

The Crimson Petal and the White

Em Janeiro de 2023 decidi que ia ler mais calhamaços, com jeitinho um por mês, para "atrasar leituras" e colocar as opiniões por aqui em dia.



Nenhum dos dois aconteceu, mas foi isso que me motivou, em Janeiro de 2023 (sim), a começar a ler o muy longo The Crimson Petal and the White, de Michel Faber. A leitura arrastou-se por alguns meses, não tanto pela dimensão do livro (fui lendo outros, entretanto, como saberão se tiverem acompanhado a temporada de 2023 do podcast fora da estante), mas porque é um livro algo difícil de ler, e também algo difícil de avaliar.

Londres, época vitoriana. Começamos por acompanhar William Rackham, herdeiro de uma empresa de perfumes/sabonetes/produtos cheirosos de higiene (que lhe dá rendimento mas também o aborrece), que vive um casamento vitorianamente insatisfatório com Agnes, com quem tem uma filha, Sophie, que ambos ignoram, e que procura sempre, longe do lar, os melhores prazeres. Em Harlots (série que recomendo imenso), já tinha descoberto que existiam, à data, periódicos de avaliação e localização de prostitutas; os homens de classe alta não lhes eram alheios. William Rackham descobre, por essa via, Sugar, uma prostituta de 19 anos para quem "nenhum acto é demasiado tabu", por quem rapidamente fica obcecado.

Sugar é prostituta desde os 13 anos e vê a sua profissão como um modo de vida e de rendimento que ressente - não pelo lado físico, mas por ter de depender de homens em geral. Em segredo, nos seus tempos livres, escreve um livro sobre uma prostituta vingativa serial killer, que mata explicitamente os seus clientes ou os das suas colegas. Acredita conseguir melhor do que o que a vida lhe deu até então. Portanto, Sugar não é uma "coitadinha" que se encontra nesta vida; é uma mulher que não encontrou alternativa, mas que agora a procura, cujas circunstâncias de vida a terão impedido de conseguir atingir o seu verdadeiro potencial. Aliás, Sugar não só ambiciona escrever, mas lê avidamente e parece ter bom olho para o negócio (não só o seu, mas gestão de empresas em geral). Quando William a compra à sua Madame, Mrs. Castaway, Sugar vê uma prisão, mas também uma oportunidade de escapar à sua vida. E Sugar começa a querer aprender tudo sobre William - a sua vida, a sua profissão, como melhor poderá tomar proveito.

Sugar leans her chin against the knuckles of the hand that holds the pen. Glistening on the page between her silk-shrouded elbows lies an unfinished sentence. The heroine of her novel has just slashed the throat of a man. The problem is how, precisely, the blood will flow. Flow is too gentle a word; spill implies carelessness; spurt is out of the question because she has used the word already, in another context, a few lines earlier. Pour out implies that the man has some control over the matter, which he most emphatically doesn’t; leak is too feeble for the savagery of the injury she has inflicted upon him. Sugar closes her eyes and watches, in the lurid theatre of her mind, the blood issue from the slit neck. When Mrs Castaway’s warning bell sounds, she jerks in surprise.
Hastily, she scrutinises her bedroom. Everything is neat and tidy. All her papers are hidden away, except for this single sheet on her writing-desk.
Spew, she writes, having finally been given, by tardy Providence, the needful word.

Seria supostamente a história de William e Sugar o tema central da obra, mas há ainda subplots com personagens secundárias, como a de Henry, o irmão pio de William, que vive atormentado pelos seus desejos carnais por Emmeline Fox, que faz trabalho voluntário com prostitutas (! adoro-a), os amigos alcoólicos de William, Ashwell e Bodley, e várias outras prostitutas (como Caroline).

O problema é que, na verdade, Faber faz pouco para que gostemos destes personagens - para que sintamos compaixão por Agnes, a esposa mental e fisicamente frágil, por exemplo. Tive muita dificuldade em querer saber dos personagens ou dos seus problemas, na verdade. Odeio o William e odeio os amigos dele, já agora, motivo que me levou a demorar muito a "arrancar" nesta leitura; posteriormente (diria que os últimos 2/3 do livro) acompanhamos os outros pontos de vista, e nomeadamente os de Sugar e Agnes prenderam-me mais. Porém, os pensamentos das personagens femininas andavam muito em torno da presença, ausência ou comportamentos de William Rackham.

Sugar understood the permanence of being Sugar or Lotty or Lucy or whoever you might be, trapped on a square of card to be shown at will to strangers. Whatever violations she routinely submits to in the privacy of bedroom, they vanish the moment they're over, half-forgotten with the drying of sweat. But to be chemically fixed in time and passed hand to hand forever: that is a nakedness which can never be clothed again.

Também não compreendo por que motivo Sugar tinha de ser tão inteligente, tão letrada, tão moderna nos seus pensamentos e conhecimentos. Não me parece muito realista (mesmo tendo visto Harlots). Agnes fascinou-me muito mais, uma mulher tão reprimida e com tanta falta de entendimento que se recusa a reconhecer Sophie como sua filha, porque isso a obrigará a admitir o que aconteceu na sua noite de núpcias. E, além da repressão, a doença física que se transforma em mental, e que ninguém nunca irá descobrir, porque a olhos masculinos é uma mulher vitoriana "histérica".

Michel Faber fez claramente muita pesquisa para este livro (vi que demorou mais de uma década a escrevê-lo) e não poupa o leitor a descrições dos lados mais feios da Londres vitoriana, mostrando a podridão dos "ideais" da época (circa 1870), os contrastes entre riqueza e pobreza, emprego e miséria, homens e mulheres.

O livro é escrito de forma bastante descritiva, com demasiados personagens inconsequentes, o que a mim aborrece um pouco, mas torna a experiência bastante visual, gráfica, e diria que será uma boa reflexão sobre as estruturas de classe vitorianas e a subjugação das mulheres que era, então, prevalente, visível não só em Sugar (e ao compreender que a "vida honesta" de trabalhar numa fábrica seria possivelmente mais dura fisicamente, e pior remunerada) como em Agnes (a quem nunca nenhum dos "factos da vida" foi explicado, que é alvo de vários tipos de negligência médica simplesmente por ser mulher - saúde tanto física como mental). Lemos sobre todas as questões com que as prostitutas lidavam, incluindo o que faziam para evitar uma gravidez, a forma de funcionamento dos bordéis, etc.

A leitura prendeu-me em vários momentos, apesar de o livro roçar o melodramático e exagerado.

Há uma mini-série da BBC disponível no FilmIn que ainda não vi e preciso de porque acho que vai sair da plataforma em breve.

4/5 porque tem momentos brilhantes e se nota o trabalho em torno do livro

Podem comprar uma outra edição na wook, não existe em português.


Comentários