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The Road

The Road, de Cormac McCarthy, foi o terceiro livro do FOMO Challenge 2025: eu não só nunca tinha lido o livro, como nunca vi o filme.



Num mundo pós-apocalíptico, acompanhamos um pai e filho (de idade incógnita, mas aponto para 5-7 anos) a atravessar aquilo que podemos presumir serem os despojos dos Estados Unidos da América após um qualquer cataclisma indefinido, que arrasou com grande parte da humanidade, sociedade enquanto a conhecemos, e também a natureza em geral. As paisagens estão pejadas de cinzas; não há plantas, há poucas pessoas e ainda menos animais.

Este pai e este filho sobrevivem sabe-se lá como, alimentando-se dos poucos enlatados que ainda encontram em casas devolutas, com todos os seus pertences em carrinhos de compras e semelhantes, caminhando em direcção à costa, não sei muito bem porquê. O pai tentara impedir a esposa, a mãe, de desistir, mas não conseguiu. Sabe estar doente.

O livro é seco e minimalista - seguimos duas personagens que quase não falam uma com a outra num mundo destruído. Pelo caminho encontram várias pessoas que podemos categorizar como "más", bem como outros companheiros de infortúnio. O pai sobrevive para cuidar do filho; o filho questiona tudo em seu redor, enquanto o pai luta contra tudo o que os rodeia, com a incapacidade em confiar em qualquer outro humano que apareça. A acção quase não existe (e felizmente, diria), apenas muito desespero e aridez. E canibalismo, ao qual este pai e filho não cedem.

The boy lay with his head in the man's lap. After a while he said: They're going to kill those people, arent they?
Yes.
Why do they have to do that?
I dont know.
Are they going to eat them?
I dont know.
They're going to eat them, arent they?
Yes.
And we couldnt help them because then they'd eat us too.
Yes.
And that's why we couldnt help them.
Yes.
Okay.

Não sabemos muito sobre este pai e filho - nada de nomes, nada de idades. Não sabemos se o filho nasceu antes ou depois do cataclisma misterioso (perguntaria porquê ter filhos num mundo destes, mas o livro também coloca e responde essa questão). Há apenas muito cansaço, que torna o livro muito repetitivo em partes, o que suponho que seja normal e expectável numa obra tão desesperada e deprimente e solitária.

Mas o livro toca muito no que é ser humano num mundo sem humanidade, sem dignidade, sem respeito, sem meio ambiente. O pai menciona frequentemente ao filho que são eles quem "carrega o fogo", numa analogia de manterem viva a esperança, a humanidade, a dignidade, até que o mundo se possa regenerar e tornar melhor. Mas questiono - e isto é obviamente a minha sensação pessoal perante um mundo pós-apocalíptico tão árido - qual o propósito de viver numa situação destas. A chama que ambos carregam parece um ténue fósforo no meio de um mundo árido e inóspito, num cenário de autêntico pesadelo. A luta pela sobrevivência - por comer enlatados e não outras pessoas, por não serem comidos por outras pessoas, por se manterem aquecidos e resguardados da intempérie - parece algo em vão quando o mundo em que vivem é aquele. O filho parece, aliás, querer desistir em vários momentos, e não compreender o propósito desta luta; fá-lo apenas pelo pai, mas questiona.

É difícil encontrar esperança neste livro, mas tendo em conta a força de vontade deste homem/pai neste cenário impossível, diria que está lá.

A escrita é maioritariamente quase tão seca quanto o livro, mas tem alguns momentos bonitos. Ficou-me, em particular, o final:

Once there were brook trout in the streams in the mountains. You could see them standing in the amber current where the white edges of their fins wimpled softly in the flow. They smelled of moss in your hand. Polished and muscular and torsional. On their backs were vermiculate patterns that were maps of the world in its becoming. Maps and mazes. Of a thing which could not be put back. Not be made right again. In the deep glens where they lived all things were older than man and they hummed of mystery.



Podem ouvir a minha conversa, com spoilers, com o John no Spotify (os primeiros 20 segundos da conversa não ficaram gravados):


4/5

Podem comprar uma outra edição em inglês na wook, ou em português, na wook.


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