A leitura de Junho do FOMO Challenge 2025.
Este livro foi escolhido por ser o livro favorito da mãe do John; a minha mãe, não tendo (ainda) lido o livro (esta edição é dela), disse sempre que tinha adorado a série dos 80s, e que se tratava de uma história lindíssima.
Por tudo isto, e pelas inúmeras opiniões positivas que encontrei sobre Pássaros Feridos, de Colleen McCullough, gostaria que este livro me tivesse impressionado mais. Mais que isso, gostaria de ter gostado mais dele. É descrito como sendo uma história de amor tabu, por envolver um padre católico. Porém, não creio que o maior tabu no livro seja esse; mas lá chegarei.
Pássaros Feridos conta-nos a vida de três gerações da família Cleary, uma família começada por Paddy, pai irlandês imigrante na Nova Zelândia, e Fee, mãe meio-maori-ex-aristocrata-local, narrada através principalmente de Meggie Cleary, a única filha do casal. Meggie tem, no início da obra, cinco irmãos, todos rapazes, o mais velho dos quais Frank, que a protege dos outros e que não se enquadra na família. Os conflitos familiares iniciais são credíveis qb, especialmente com uma família tão numerosa. São pobres, Paddy Cleary é católico (o que será a única explicação plausível para tantos filhos com zero relevância para a narrativa), há papéis de género rígidos, mais rígidos ainda que a classe social em que se encontram.
Apesar da sua pobreza, Paddy tem uma irmã muito mais velha, viúva, sem filhos e riquíssima (casou bem) que vive na Austrália e os convida a ir tomar conta das suas ovelhas. As descrições da Austrália, das suas paisagens e dos seus modos de vida foram interessantes - as cheias, as secas, os fogos, as paisagens desertas, áridas e infindáveis, as ovelhas, o calor opressivo nuns lados, a humidade tenebrosa noutros, os vários cheiros. Não é comum ler livros passados na Austrália, julgo; adorei Picnic at Hanging Rock, mas não é uma literatura que me seja muito familiar.
Chegando a Drogheda, a propriedade da irmã de Paddy, conhecem o pároco local, o padre Ralph de Bricassart, padre católico extremamente ambicioso, de 28 anos, caracterizado como o homem mais bonito, poliglota e irresistivelmente atraente de toda a humanidade, um desperdício total enquanto padre. Ralph, porém, ama a Igreja - isto é, até ver Meggie, que tem, na altura, dez anos. A partir daí, Ralph é-lhe totalmente devoto, excepto quando a Igreja se sobrepõe, ou o seu potencial avanço na carreira eclesiástica. Repito que ela tinha dez anos.
Gostava de dizer que isto apenas envelheceu mal, mas gostaria de acreditar que nem nos anos 70 deveria ser aceitável.
Portanto, para mim, o verdadeiro tabu (para não dizer crime) é o grooming. Embora o padre Ralph não tenha nada com Meggie até aos seus talvez 16-17 anos (o que não deixa de ser precoce dado que ele tem 34-35), a premissa é muito mais desconfortável com a noção de que ela era uma criança pré-pubescente quando se conheceram, e que desde então ele alimentava ideias bizarras, ainda que não sexuais, sobre ela. Especialmente dado que o facto de ela ter 10 anos não releva nada para a história que se segue; tivessem-se conhecido quando ela tinha, realmente, 16, e a história seria muito mais aceitável.
Entretanto Mary Carson, a irmã de Paddy, apercebe-se que Ralph está interessado em Meggie; e em vez de o expulsar de sua casa, por ter tendências pedófilas, fica com ciúmes, pois queria ser ela o centro das atenções do Padre, e tenta vingar-se da família de maneira financeira, ao lhe deixar como legado todas as suas posses. Esta é uma vingança da qual a família não se apercebe realmente, porque Ralph lhes continua a pagar a vida toda, e eles podem viver na propriedade e usufruir dela a 100% - e que beneficia imenso Ralph, que vê abertas inúmeras oportunidades na Igreja (demonstrando, presumo, a grande hipocrisia da Igreja Católica, que se interessa muito por um dos seus padres quando este se torna, do dia para a noite, por herança indevida, multimilionário).
Ralph não desiste da Igreja por Meggie - nem sequer o equaciona -, mas faz parte da sua vida durante uns 50 anos e (literalmente, ele próprio o diz a certo ponto) modela-a para ser o seu ideal de inocência e beleza ao longo desse tempo.
Ao longo dos mais de 60 anos em que a narrativa se desenrola, acompanhamos um mundo em mudança, um certo background histórico que não serve muito mais senão como contexto e como castração física de um dos personagens. Estes, rapidamente, deixam de ser credíveis e tomam decisões insanas. A relação de Fee com os filhos roça frequentemente o incestuoso, e nenhum deles se casa nem tem interesse em mulheres (ou homens, ou homossexuais habilidosíssimos, para que conste); a relação de Meggie tanto com a mãe como com a filha é absurda (ela diz que a filha Justine a odeia desde que nasceu); os irmãos de Meggie podiam ser apenas um, como se Colleen McCullough se tivesse inicialmente esquecido que tinha escrito tantos...
Não quero com isto dizer que o livro tenha sido horrível. Sempre apreciei dramalhão e, de certa forma, este livro entrega-o. Tragédias infindáveis e frequentemente ridículas (linchamento por piolhos), mortes absurdas (a minha favorita foi a morte por javali), storylines que nunca mais voltam a ser mencionadas para nos voltarmos a focar em Meggie, coincidências demasiado perfeitas (como as várias clarividências do padre Ralph que aparece sempre magicamente no meio de uma desgraça) e, é claro, o romance entre um padre católico e uma mulher por quem se sente atraído desde que ela tem... dez anos. Diria que a sua maior falha é a falta de uma narrativa real, o facto de ser um aglomerado de eventos e não uma história. Por vezes, isso funciona; aqui, para mim, nem por isso.
Em resumo: sessenta anos, três gerações, Austrália, Meggie apaixona-se pelo padre, várias pessoas morrem mortes bizarras, as mulheres fazem-se de fortes por homens maioritariamente assexuados, groomers ou incestuosos.
2,5/5
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