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The Vanishing Half

A leitura de Julho do FOMO Challenge 2025 foi escolhida por mim: The Vanishing Half, ou A Outra Metade, de Brit Bennett.




Esta é a história de Desiree e Stella Vignes, irmãs gémeas de cor, nascidas nos anos 40 em Mallard, uma cidade pequena no Louisiana, tão pequena que nem consta do mapa. Pouco acontece nesta cidade (ou vila?), mas o local é notório pela pele extremamente clara dos seus habitantes, todos eles negros. A pele clara é, aliás, algo importante e desejável em Mallard. Um evento crucial na infância das irmãs é o linchamento brutal do seu pai, por motivos que nenhuma das duas compreende.

Stella e Desiree crescem extremamente próximas, como todos os estereótipos de gémeos nos ensinam; Stella é aparentemente mais tímida, dotada em matemática, quer estudar e vir a ser professora. Desiree quer algo mais que a vida small town que Mallard tem para lhe oferecer. Assim, quando a mãe as tira da escola para as colocar a trabalhar a limpar a casa de um casal branco, quando elas têm 16, 17 anos, as irmãs fogem de Mallard para New Orleans, onde os seus caminhos divergem de vez. Stella desaparece sem deixar rasto; Desiree segue, eventualmente com a sua vida. Casa com um homem negro, muito escuro, de quem tem uma filha, e que é fisicamente abusivo; um dia, anos mais tarde (quando a filha, Jude, tem oito anos), regressa a Mallard, de modo a fugir deste marido, mantendo-se fiel às suas raízes, à sua identidade.

She hadn't realized how long it takes to become somebody else, or how lonely it can be living in a world not meant for you.

Jude é ostracizada pelo seu tom de pele escuro, e acaba por conseguir uma bolsa de estudos para a Califórnia, oportunidade para recomeçar longe de Mallard. Na Califórnia, conhece Reese, que também tem o seu próprio segredo relacionado com a sua identidade, e começam uma relação. E uma noite, num trabalho, Jude vê uma mulher muito parecida com a sua mãe...

Descobrimos que Stella tinha arranjado um emprego melhor ao omitir não ser branca - fazendo-se passar por branca, o chamado passing, já abordado no livro de Nella Larsen. Viu uma oportunidade de ter uma vida melhor, e pouco hesitou em largar Desiree. Porém, para poder esconder e esquecer o seu passado, tinha fugido sem deixar rasto, sem avisar Desiree, "matando" a sua família e o seu "eu" passado de modo a criar uma vida nova, com aparente sucesso, segurança e conforto, às custas de manter uma teia elaborada de mentiras. E estas mentiras refletem-se na tensão na relação com a sua filha, Kennedy.

The only difference between lying and acting was whether your audience was in on it, but it was all a performance just the same.

Porém, para mim, o auge do livro foi a relação de Stella com uma vizinha negra, numa zona de classe alta na Califórnia: a rejeição, a aceitação, o segredo, tudo o que permeava a amizade de ambas, possivelmente a única relação interpessoal positiva que Stella teve depois de fugir de New Orleans. 

O livro explora os preconceitos relacionados com a cor de pele e a etnia, na forma como ambas as irmãs, idênticas, tiveram tratamentos diferentes e vidas diferentes devido à forma como se escolheram apresentar ao mundo - e como o facto de ambas as mulheres terem tido uma filha permitiu à autora explorar como as decisões de cada uma afectaram a geração seguinte.

O enredo acaba por ser mais telenovelesco do que poderia ter sido, dada a relevância dos temas raciais tratados, com pouco contexto socio-histórico para o leitor não-americano (eu), com vários pontos narrativos pouco desenvolvidos e personagens feitas de palha (como o marido e a própria filha da Stella). A dedicação da autora a personagens secundários e estereótipos também me irritou um pouco - a dicotomia quase gémea boa - gémea má (sendo a boa a que abraçou a sua verdadeira identidade, e a má a que tentou encontrar a sua própria verdade); a Jude que é a filha mais escura que a Desiree conseguiu ter, do homem escuro malvado que terá arranjado só para provocar os habitantes de Mallard, que nunca o conheceram; todos os homossexuais que faziam drag que eram o círculo de amigos inteiro de Jude; a história de Reese, em geral (outro tipo de passing). Entendo que transsexuais e drag sejam uma outra forma de ter "uma outra metade", questões identitárias, etc, mas acabou por ser um pouco forçado. Claro que há vários motivos pelos quais pessoas se podem sentir socialmente isoladas, ou divididas em si mesmas. Porém, há várias oportunidades desperdiçadas (havia tantas formas de ter densificado a vida dupla da Stella!) e, para mim, o final foi especialmente fraco. 

É, ainda assim, um bom livro - lê-se bem, levanta imensas questões (como poderão apreciar pelo longo debate que eu e o John tivemos sobre o livro, se ouvirem o episódio de podcast que dedicámos ao mesmo) - porém, podia ser um bom livro e fica aquém do seu potencial.

3,5/5

Podem ouvir a minha conversa, com spoilers, com o John no Spotify:


2,5/5

Podem comprar esta edição na wook, ou em português na wook.


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