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The Hunchback of Notre-Dame

Estava com saudades de ler um clássico, e peguei neste na esperança de ser o último francófono que não leio na língua original.


Começando por aquilo que me parece mais relevante: o título original deste livro é, simplesmente, Notre Dame de Paris. Sem qualquer alusão a corcundas, simplesmente o nome da catedral, símbolo e monumento emblemático de Paris. A catedral é, na verdade, o elemento principal da história, cenário central, com vários capítulos dedicados à sua arquitectura, e à arquitectura em geral:

But underlying this thought, the first and most simple one, no doubt, there was in our opinion another, newer one, a corollary of the first, less easy to perceive and more easy to contest, a view as philosophical and belonging no longer to the priest alone but to the savant and the artist. It was a presentiment that human thought, in changing its form, was about to change its mode of expression; that the dominant idea of each generation would no longer be written with the same matter, and in the same manner; that the book of stone, so solid and so durable, was about to make way for the book of paper, more solid and still more durable. In this connection the archdeacon's vague formula had a second sense. It meant, "Printing will kill architecture."
In fact, from the origin of things down to the fifteenth century of the Christian era, inclusive, architecture is the great book of humanity, the principal expression of man in his different stages of development, either as a force or as an intelligence.

É uma pena que o livro seja, em várias línguas (inglês e português, vá, que são as que sei), referido não pelo seu título original mas pela personagem do corcunda - esta história é sobre muito mais que a história do corcunda que, embora seja uma história emocionante, não é tão definidora da obra - ou da cidade de Paris - como a catedral, que oferece santuário, como uma figura maternal, uma Nossa Senhora, a personagens orfãs, literalmente ou não, independentemente das suas circunstâncias, do seu estatuto social.

Há também um capítulo dedicado à arquitectura de Paris, e da vista da cidade do topo da Catedral. Eu adoro Paris - fui lá na minha primeira viagem, e vou lá voltar este verão com a pessoa mais importante da minha vida. Este capítulo foi, porém, uma seca. Trinta páginas sobre Paris parecem, em teoria, algo bonito. Não no caso de "A Bird's Eye View of Paris".

Muitas personagens históricas são mencionadas ou aparecem mesmo no livro - embora não seja totalmente necessário saber quem estas pessoas foram, as notas da Wordsworth nesse sentido ajudam a dar outro interesse à narrativa. Isto é, aliás, ficção histórica, mesmo na altura em que foi escrito - Victor Hugo escreve sobre Paris de 1482, sobre o reino de Louis XI, um Paris com muitos locais que ainda hoje se podem ver e reconhecer, como a Place de Grève, agora de l'Hôtel-de-Ville. Há também vários capítulos intercalados nos quais o autor fala ao leitor sobre o progresso humano, sobre filosofia.

Mas adiante, e esquecendo definitivamente o filme da Disney.

Este livro tem uma atmosfera escura, medieval, e mostra as relações humanas de forma brutal (não no sentido que agora dão à palavra, mas de brutalidade mesmo). Quasimodo é o... tocador de sinos? Há uma palavra para isto? da Catedral de Notre Dame, ocupação que o tornou surdo. Fora abandonado em bebé, já meio cego, deformado, e foi adoptado por Claude Frollo, o arcediago da Catedral. Raras são as vezes em que Quasimodo sai de Notre-Dame, dedicando a sua vida aos sinos e a Frollo, e a sua devoção por ambos é demonstrada. Afinal, toda a gente, excepto Frollo, o rejeitava e odiava, somente pela sua aparência.

He therefore turned to mankind only with regret. His cathedral was enough for him. It was peopled with marble figures of kings, saints and bishops who at least did not laugh in his face and looked at him with only tranquillity and benevolence. The other statues, those of monsters and demons, had no hatred for him – he resembled them too closely for that. It was rather the rest of mankind that they jeered at. The saints were his friends and blessed him; the monsters were his friends and kept watch over him. He would sometimes spend whole hours crouched before one of the statues in solitary conversation with it. If anyone came upon him then he would run away like a lover surprised during a serenade.

Embora Quasimodo seja sem dúvida uma personagem central na história, talvez o título pudesse ser "O Arcediago de Notre-Dame", visto que grande parte da história se centra nele, e são as suas acções, o seu debate interno, que levam a todas as ocorrências do livro; ou até mesmo "A Esmeralda de Notre-Dame", dado que o facto de Esmeralda conquistar vários homens, de maneiras diferentes, ser igualmente central à narrativa.

La Esmeralda, a rapariga de dezasseis anos, orfã, cigana, que dança na rua e tem uma cabra chamada Djali que faz truques, tem o azar de atrair vários homens: Frollo, Quasimodo, o Capitão Phoebus e o escritor Pierre Gringoire. Ela é apresentada enquanto boa pessoa, generosa, pronta a ajudar os outros mas, como muitas mulheres, encontra-se como foco receptor de atenção masculina indesejada.

E embora ela tenha demonstrado compaixão para com Quasimodo, quando lhe dá água e lhe salva a vida (após ele a ter tentado atacar uma noite, a mando de Frollo), e para com Pierre Gringoire, quando entra com ele num matrimónio fictício e platónico com o objectivo único de lhe salvar a vida para ele não ser enforcado, é inocente e vápida: apaixona-se pateticamente por Phoebus com base apenas no seu bom aspecto, e ele tenta usá-la e não quer saber dela para nada (tentando, porém, seduzi-la, num primeiro momento). Ela passa metade do livro a suspirar por ele, a dizer o seu nome. Phoebus é bem parecido e tem um uniforme - é tudo o que ela sabe acerca dele.

Claude Frollo é uma personagem detestável e assustadora, no melhor sentido da palavra "creepy" - ele tenta cometer (e comete) vários crimes pela sua obsessão por La Esmeralda. Além disso, não tenta proteger o seu filho adoptivo, Quasimodo, quando este estava a ser atacado pelo povo. A descrição dos sentimentos de desejo de Frollo por Esmeralda demonstra a decadência mental do arcediago, a sua obsessão.

Esmeralda confundira o seu desejo, a sua atracção, com amor, tal como Frollo fizera.

Love is like a tree: it grows by itself, roots itself deeply in our being and continues to flourish over a heart in ruin. The inexplicable fact is that the blinder it is, the more tenacious it is. It is never stronger than when it is completely unreasonable.

E o melhor deste livro é a forma - ou aliás, as várias formas - como retrata o amor. Os extremos, as perversões, mas a ternura, o amor mesmo, cada forma personificada em cada uma das personagens principais - o que, de certa forma, faz das personagens caricaturas, e talvez Frollo seja a personagem mais completa nesse sentido, por podermos ver um desenvolvimento dos seus sentimentos, por acompanharmos a sua angústia.

Há ainda o amor de Frollo pelo seu irmão mais novo inútil, o amor de Frollo por Quasimodo e vice versa, o amor de uma mãe que perdeu a sua filha, o amor dos vários homens por Esmeralda, de Esmeralda por Phoebus...

E o amor de Gringoire pela cabra Djali.

"Who are you?" she asked.
"Pierre Gringoire."
This name reassured her. She raised her eyes once more, and recognized the poet in very fact. But there stood beside him a black figure veiled from head to foot, which struck her by its silence.
"Oh!" continued Gringoire in a tone of reproach, "Djali recognized me before you!"
The little goat had not, in fact, waited for Gringoire to announce his name. No sooner had he entered than it rubbed itself gently against his knees, covering the poet with caresses and with white hairs, for it was shedding its hair. Gringoire returned the caresses.

It is certain that Gringoire was enduring cruel perplexity. He was thinking that the goat also, "according to existing law," would be hung if recaptured; which would be a great pity, poor Djali! that he had thus two condemned creatures attached to him; that his companion asked no better than to take charge of the gypsy. A violent combat began between his thoughts, in which, like the Jupiter of the Iliad, he weighed in turn the gypsy and the goat; and he looked at them alternately with eyes moist with tears, saying between his teeth:
"But I cannot save you both!"
A shock informed them that the boat had reached the land at last. The uproar still filled the city. The unknown rose, approached the gypsy, and endeavored to take her arm to assist her to alight. She repulsed him and clung to the sleeve of Gringoire, who, in his turn, absorbed in the goat, almost repulsed her. Then she sprang alone from the boat. She was so troubled that she did not know what she did or whither she was going. Thus she remained for a moment, stunned, watching the water flow past; when she gradually returned to her senses, she found herself alone on the wharf with the unknown. It appears that Gringoire had taken advantage of the moment of debarcation to slip away with the goat into the block of houses of the Rue Grenier-sur-l'Eau.

Salvar a rapariga que lhe salvou a vida, não o deixando ser enforcado, ou salvar a cabra? Para Gringoire, a resposta era óbvia.

When they tried to detach the skeleton which he held in his embrace, he fell to dust.

4/5

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