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Contos de Eça de Queirós

Este livro era do meu avô, e depois do meu pai, o que explica o seu estado de conservação. Como a grande maioria das pessoas que frequentou o ensino obrigatório (creio), já tinha lido alguns destes contos por volta do 9º ano.


Vou ser sincera: o meu conhecimento e a minha experiência de literatura portuguesa e lusófona são limitados, algo que ando nos últimos tempos a tentar contrariar.

É surpreendente o quão pouco me lembrava dos contos que já tinha lido. Embora A Aia me estivesse totalmente na memória (é, de facto, um texto marcante), de Singularidades de uma Rapariga Loira só me recordava do desfecho, e de O Tesouro, da ideia principal do texto. No entanto, e a bem ver, o meu 9º ano já foi há algum tempo.

Alguns dos contos deste livro são muito bons. Alguns são reminiscentes da restante obra que conheço de Eça.

Outros são enfastiantes, uma autêntica seca, nem sei como os consegui ler. Desses, destaco pela extrema negativa Adão e Eva no Paraíso, ao qual acho que só sobrevivi graças aos desenhos da selecção de futebol alemã de sabe-se lá quando da autoria do meu pai nas margens das páginas. Muitas das histórias têm como tema a religião e são bastante maçudas e, por causa disso, grande parte deste livro foi de leitura difícil.

Singularidades de uma Rapariga Loira é realmente muito bom. Há um filme do Manoel de Oliveira que nunca vi e possivelmente nunca irei ver, mas é um conto com imenso potencial, é um conto que vale a pena ler e onde dá para reconhecer Eça crítico da sociedade:

De repente, soltando o braço de Luísa, disse-lhe baixo:
- Vai-te.
- Ouve!... - disse ela, com a cabeça toda inclinada.
- Vai-te. - E com a voz abafada e terrível: - Vai-te. Olha que chamo. Mando-te para o Aljube. Vai-te.
- Mas ouve, Jesus - disse ela.
- Vai-te! - E fez um gesto, com o punho cerrado.
- Pelo amor de Deus, não me batas aqui - disse ela, sufocada.
- Vai-te, podem reparar. Não chores. Olha que vêem. Vai-te!

Além das histórias que já tinha lido antes, destaco José Matias, sobre um amor que nunca se concretiza:

Requinte furioso de espiritualismo e devoção, meu amigo! A alma de Elisa era sua e recebia perenemente a adoração perene: e agora queria que o corpo de Elisa não fosse menos adorado, nem menos lealmente, pôr aquele a quem ela entregara o corpo! Mas o apontador era facilmente fiel a uma mulher tão formosa, tão formosa, tão rica, de meias de seda, de brilhantes nas orelhas, que o deslumbrava. E quem sabe, meu amigo? talvez esta fidelidade, preito carnal à divindade de Elisa, fosse para o José Matias a derradeira felicidade que lhe concedeu a vida.

E ainda O Moinho, no qual Maria da Piedade, a dona de casa perfeita, a esposa e mãe perfeita, dedicada aos seus filhos e marido enfermos, descobre o outro lado da vida:

O que a encantava nele não era o seu talento, nem a sua celebridade em Lisboa, nem as mulheres que o tinham amado: isso para ela aparecia-lhe vago e pouco compreensível: o que a fascinava era aquela seriedade, aquele ar honesto e são, aquela robustez de vida, aquela voz tão grave e tão rica: e antevia, para além da sua existência ligada a um inválido, outras existências possíveis, em que se não vê sempre diante dos olhos uma face fraca e moribunda, em que as noites se não passam a esperar as horas dos remédios... Era como uma rajada de ar impregnado de todas as forças vivas da Natureza, que atravessava, subitamente, a sua alcova abafada: e respirava-a deliciosamente... 

Curiosamente, também Maria da Piedade é loira.

Recomendo ainda "O Defunto" e "Civilização".

3/5

Podem comprar esta edição aqui.

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