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Memória de Elefante

Numa recente incursão por autores lusófonos, a pessoa mais importante para mim decidiu que era hora de, de entre os meus livros, eu ler pela primeira vez António Lobo Antunes.


Nesta obra autobiográfica, sem estrutura narrativa definida (com um claro stream of consciousness e passagem de um narrador da terceira para a primeira pessoa), temos como personagem central um psiquiatra a atravessar uma crise, tendo abandonado a mulher, em quem ainda pensa, tendo voltado para Lisboa após prestar serviço na guerra colonial, uma Lisboa que não é exactamente a que ele conhecera antes.

Amo-te tanto que te não sei amar, amo tanto o teu corpo e o que em ti não é o teu corpo que não compreendo porque nos perdemos se a cada passo te encontro, se sempre ao beijar-te beijei mais do que a carne de que és feita, se o nosso casamento definhou de mocidade como outros de velhice, se depois de ti a minha solidão incha do teu cheiro, do entusiasmo dos teus projectos e do redondo das tuas nádegas, se sufoco da ternura de que não consigo falar, aqui neste momento, amor, me despeço e te chamo sabendo que não virás e desejando que venhas do mesmo modo que, como diz Molero, um cego espera os olhos que encomendou pelo correio.

O livro tem coisas irritantes - a forma como é escrito, por exemplo - já disse várias vezes que gosto de escrita mais estruturada, que stream of consciousness raramente funciona para mim; depois há o facto de a personagem principal me parecer imensamente pedante, a demonstrar constantemente os seus conhecimentos literários e artísticos de forma que me parece arrogante e desnecessária.

(...) Não sei ou sei, é conforme, acho que me apavora um bocado o amor que os outros têm por mim e eu por eles e receio viver isso até ao fim, inteiramente, entregar-me às coisas e lutar por elas enquanto tiver força, e quando a força se acabar arranjar mais força para prosseguir o combate.

Este psiquiatra é talvez a personagem menos empática de sempre. Acompanhamo-lo ao longo de um dia, os seus pensamentos, as suas actividades (e o final do livro deu-me um sentimento de repulsa). As passagens sobre a mulher que abandonara pouco antes são muito bonitas, mas como é possível alguém desistir assim tão facilmente de lutar por alguém que parece amar tanto? Especialmente alguém cuja função é ajudar outros a lutar, embora por outros objectivos?

4/5

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