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His Dark Materials

O vergonhoso post de "li o primeiro livro desta série em Abril de 2012, o segundo em Abril de 2013 e só agora me deu para acabar a série (e nem sequer estamos em Abril)".


Na verdade, já tinha começado este livro há algum tempo (imediatamente antes de começar este blog); porém, houve entretanto empréstimos de livros e outros interesses que se sobrepuseram, mas pronto, aqui estamos. Aproveito para fazer review a toda a série, ou do que me lembro dela, visto ter começado a ler há mais de dois anos, mas que sentido faria falar apenas do final? E não, ao contrário de vocês todos eu nunca tinha lido isto, e não, não me sinto demasiado velha para. Aliás, em vários momentos me indaguei por que é que isto é dirigido a crianças.

Não sou boa a ler fantasia, e este é um género que não me atrai. Gosto de coisas directas e plausíveis, gosto que me surpreendam com palavras e não com mundos diferentes do meu. Não me dêem coisas não reais, por favor (ofereceram-me a boxset num Natal há uns anos). Isto é para enquadrar o facto de o primeiro livro me ter custado um bocado, tendo começado logo com espionagem num armário por parte de uma miúda pré-pubescente chamada Lyra, tentativas de envenenamento, universos paralelos, almas em forma de animal de estimação shapeshifter e objectos fantásticos dos quais a maioria das personagens do livro não consegue fazer sentido, mas que tornam a Lyra omnisciente desde o início:

She fished inelegantly in the oilskin pouch and handed him the velvet package. He unfolded it and held it up with great care, gazing at the face like a Scholar gazing at a rare manuscript.
"How exquisite!" he said. "I have seen one other example, but it was not so fine as this. And do you possess the books of readings?"
"No," Lyra began, but before she could say any more, Farder Coram was speaking.
"No, the great pity is that although Lyra possesses the alethiometer itself, there's no means of reading it whatsoever,» he said. «It's just as much of a mystery as the pools of ink the Hindus use for reading the future. And the nearest book of readings I know of is in the Abbey of St. Johann at Heidelberg."
Lyra could see why he was saying this: he didn't want Dr. Lanselius to know of Lyra's power. But she could also see something Farder Coram couldn't, which was the agitation of Dr. Lanselius's daemon, and she knew at once that it was no good to pretend.
So she said, "Actually, I can read it," speaking half to Dr. Lanselius and half to Farder Coram, and it was the consul who responded.
(...)
He handed the instrument back to Lyra, and added:
"May I ask a question? Without the books of symbols, how do you read it?"
"I just make my mind go clear and then it's sort of like looking down into water. You got to let your eyes find the right level, because that's the only one that's in focus. Something like that," she said.

Sigh. Isto... custa-me. Toda a coisa de criança maravilha predestinada a coisas custa-me também, e é porque o Breath of Fire II é o meu jogo preferido de sempre. Custa-me mais do que os ursos com armaduras, até porque a Disney nos habituou a todos a animais antropomórficos e falantes. Aliás, gostei dos ursos. Quero viver num mundo em que ursos são ferreiros de excelência. E em que gatos bebem vodka.

Posso ter um mundo em que gatos bebem vodka e andam de eléctrico?

Depois a miúda não sabia quem eram os pais dela e descobre quem são e não é de todo lifechanging e são ambos personagens extremamente ambíguas em termos morais e ela continua na sua vida orfã de sempre após o seu pai que afinal não é seu tio matar o seu melhor amigo que era um empregado de cozinha de 12 anos e a sua mãe se chamar Marisa Coulter (tipo a Ann) e ter intenções igualmente dúbias apesar do seu extremo bom aspecto. Fiquemos gratos por o seu animal de estimação ser visivelmente sneaky.

Do segundo livro, que conforme referido acima li cerca de um ano após o primeiro, shame on me etc, já gostei mais. Aliás, do segundo livro gostei! Não só já estava remotamente conformada com aquilo que estava a ler, mas não introduziram conceitos que me custaram tanto, e gostei do Will. Tanto quanto se pode gostar de homicidas de doze anos que passam meio livro a esvair-se em sangue, isto é. Acho que o factor "passar-se no mundo real" teve relevância, apesar de toda a coisa de cortar janelas para outros mundos. O livro é também consideravelmente mais curto e, quer queiram quer não, isso ajuda. Achei o primeiro demasiado longo (e o terceiro, mas na altura não o tinha lido ainda, né), e foi agradável ter um segundo livro mais fast-paced. Li muita gente a achar que o Philip Pullman tinha aproveitado e feito do segundo livro mais fraco e mais plotless e mimimi, mas fora trepanação não tenho queixas. Metia gatos, embora não o tipo de gato que pedi acima.

Críticas: o universo/cidade/whatever italiano foi pateticamente pouco desenvolvido. A faca, além do... aletiómetro? Não sei como isto foi traduzido em português, bear with me e tal, dá demasiado poder às personagens principais e, ainda assim, eles os dois parecem não os utilizar quando lhes facilitaria muitíssimo a vida. E eu sei que vocês todos sabem sobre o que são estes livros, mas vou deixar aqui esta quote do segundo que resume bem a coisa:

"Sisters," she began, "let me tell you what is happening, and who it is that we must fight. For there is a war coming. I don't know who will join with us, but I know whom we must fight. It is the Magisterium, the Church. For all its history—and that's not long by our lives, but it's many, many of theirs—it's tried to suppress and control every natural impulse. And when it can't control them, it cuts them out. Some of you have seen what they did at Bolvangar. And that was horrible, but it is not the only such place, not the only such practice. Sisters, you know only the north; I have traveled in the south lands. There are churches there, believe me, that cut their children too, as the people of Bolvangar did—not in the same way, but just as horribly. They cut their sexual organs, yes, both boys and girls; they cut them with knives so that they shan't feel. That is what the Church does, and every church is the same: control, destroy, obliterate every good feeling. So if a war comes, and the Church is on one side of it, we must be on the other, no matter what strange allies we find ourselves bound to."

Eu sou a pessoa que com cinco ou seis anos rejeitou por opção própria as aulas de educação moral e que, por mais que avós insistissem, nunca aceitou ir para a catequese e fazer a Primeira Comunhão. Eu acho isto preachy. Acrescento também que isto não estava tão presente (ou tão visível) no primeiro livro.

Mas reparem, aceito as coincidências, aceito os universos paralelos e a faca que os abre, aceito tudo isso porque depois do primeiro livro me foi mais fácil engolir um que introduz poucos novos conceitos. Depois o livro acabou num cliffhanger do qual JÁ NÃO ME LEMBRO AO CERTO e fiquei com legítima vontade de ler o terceiro.

O terceiro livro é uma salganhada desgraçada no sentido em que introduz conceitos a mais. É interminável e aborrecido, arrasta imenso. Neste livro a Marisa rapta a Lyra e mantém-na adormecida num qualquer feitiço ou sei lá numa GRUTA. Daqui resulta um... recurso narrativo, I guess, entre os primeiros capítulos há um monólogo interior ou assim da Lyra muito disperso e pelo qual tive de regressar frequentemente atrás porque havia sequências directas.

Neste livro há mais ursos que no segundo, o que é um factor positivo, mas há pessoas arraçadas de liliputianos que se deslocam em libelinhas e há também animais com RODAS COM SEMENTES. Mas POR FAVOR, quem é que achou que isso seria uma boa ideia??? Não achei que se enquadrassem, não achei que fizesse sentido introduzi-los neste ponto da história, as partes sobre eles e a sua civilização eram uma seca desgraçada, mas isso quiçá esteja relacionado com o facto de a Mary Malone ser também ela de um grau de enfado superior.

Descobrimos aqui que o boss final se chama METATRON, que me parece um nome adequado para um Transformer ou assim, mas já vi que é legitimamente o nome de um arcanjo. Era mais feliz no meu erro. O build para isto é muito, muito nulo.

O romance Will-Lyra era previsível, eles beijam-se e se calhar acontece mais qualquer coisa, mas nada na história me dá a entender que estavam a fazer algo de errado ou tão anormal que tivesse implicações imensas. Anti-climático. A separação deles parece ter escrita só para ser aleatoriamente trágica, pareceu-me um bocado desnecessária.

Depois há toda a coisa de os pais da Lyra encontrarem redenção no ~AMOR POR ELA~ quando a mãe parecia querê-la matar ou assim há uns livros/capítulos atrás (era óptima vilã e fazem-lhe isto), afterlife e anjos num livro preachy anti-religioso, aquecimento global (whyyyy) e, lá para o final do livro, esta brilhante pérola de sabedoria: People are too complicated to have simple labels. Ena. Mas resumindo, há aqui muito que faz zero sentido e parece ir contra a lógica da narrativa, as grandes profecias de traição e tentação são lackluster no final e o grande plano de guerra tem zero a ver com o resto. Ou se calhar sou eu.

Final manhosíssimo, para o livro e para a trilogia, ainda por cima.

4/5 (a série em geral, porque apesar de tudo acho que vale, embora este último seja péssimo)

Podem comprar esta trilogia aqui, e os livros em português aqui.

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