Avançar para o conteúdo principal

Plays by Chekhov

O (clássico) Chekhov é um dos russos que me escapou no ano em que li russos para fingir que trabalhava na tese (altura na qual infelizmente não tinha ainda este blog); em 2008 comprei um pequeno volume de short stories dele, que tenho para aí algures e do qual não tenho honestamente grande recordação.


Na minha lista de coisas preferidas na vida encontram-se edições omnibus de peças. Nesta, podemos encontrar Ivanov, The Seagull, Uncle Vanya, The Three Sisters, The Cherry Orchard, The Bear, The Proposal e A Jubilee.

Como é óbvio, porém, não vou falar de todas, que são muitas. Comecei a ler este livro em Fevereiro e lembro-me de ter lido Ivanov numa sala de espera do hospital, e recomendo imenso, especialmente pelo final e pelos "first world problems" do protagonista, mas na altura não me lembrei de escrever sobre a peça imediatamente e não me sinto à vontade para o fazer agora.


The Seagull:

Esta peça tem como temas centrais amores não-correspondidos, fracasso, abandono e o quão medíocre a vida consegue ser. As personagens estão reunidas num terreno no campo, perto de um lago, e falam frequentemente de como se sentem, do que sentem relativamente uns aos outros, e quanto à sua arte - há escritores e actores vários, todos eles assombrados por inseguranças, inseguranças estas que lhes permitem crescer e melhorar, medos sem os quais não haveria arte - mas nada disto lhes traz felicidade.

De certa forma reminiscente de uma certa canção dos Onda Choc, esta peça envolve triângulos amorosos complicados: a Masha gosta o Treplyov, que gosta da Nina, que gosta muito do Trigorin (que é o amante da mãe do Treplyov, que é péssima mãe e péssima pessoa), que quer a Nina durante um tempo e depois não quer mais saber dela.

MASHA. His heart is troubled. [To NINA, timidly] Please, will you read us something from his play?
NINA. [Shrugging her shoulders] Would you like me to? It's so uninteresting!
MASHA. [Restraining her enthusiasm] When he reads himself, his eyes blaze and his face turns pale. He has a beautiful, sad voice and the bearing of a poet.

O símbolo central nesta peça é, obviamente, uma gaivota morta:

TREPLYOV. I was despicable enough to kill this seagull to-day. I'm laying it at your feet.
NINA. What is the matter with you? [Picks up the seagull and looks at it]
TREPLYOV [After a pause]. Soon I shall kill myself the same way.

Relembro que esta peça se passa num contexto rural, onde há não o mar, mas um lago. As personagens desta peça queriam ser livres e voar como uma gaivota mas, tal como esta, acabam atingidas nos seus propósitos. A gaivota é empalhada e serve de símbolo e recordação ridícula dos seus fracassos.

TRIGORIN. (...) A subject for a short story: a young girl, like you, has lived beside a lake from childhood. She loves the lake as a seagull does, and she's happy and free as a seagull. But a man chances to come along, sees her, and having nothing better to do, destroys her, just like this seagull here.

Nenhuma das personagens consegue ser aquilo que quer - e quando finalmente conseguem, estão insatisfeitas, tanto entre si como com as suas vidas. A Nina, por exemplo, é uma personagem interessante: no início quer ser actriz pela fama e pelo dinheiro, e é vápida e fútil, mas mais tarde o seu propósito torna-se a arte, e refere-se a si mesma como uma gaivota.


Uncle Vanya:

Obviamente que quando comecei a ler esta fiz logo a piada de haver um homem chamado Vânia. E claro que, na boa tradição dos russos, ele chama-se não Vanya, mas Voynitsky. Há também uma personagem de alcunha Waffles (que, apesar do óptimo nome, era irrelevante, acho).

Aqui temos mais uma peça numa localização rural, com o já aposentado professor Serebryakov e a sua jovem esposa, Yelena; a sua filha de outro casamento, Sonya; o seu ex-cunhado, que é o Vanya; um médico chamado Astrov, e outras personagens secundárias. Mais uma vez há amores não correspondidos, sendo que o Vanya e o Astrov querem a Yelena, e a Sonya quer o Astrov. O Vanya diz à Yelena que ela é uma sereia e faz discursos a julgá-la por ter casado com um homem tão mais velho.

SONYA. It's so unlike you! You have such poise, your voice is so soft... More than that, you are beautiful as no-one else I know is beautiful. So why do you want to be like ordinary men, the kind who drink and play cards? Don't do it, I implore you! You always say that people don't create anything, but merely destroy what has been given them from above. Then why, why are you destroying yourself? You mustn't, you mustn't, I beseech you, I implore you!

Apesar de ter personagens chamadas Waffles, é uma história realista e na qual facilmente se cria empatia com as personagens. Isto não significa que haja muita história nesta peça - não há. O Dr. Astrov apercebe-se de que o seu amor pela Yelena é imoral e suspeito, visto que esta não faz nada sem ser bonita e fazer com que toda a gente goste dela por ser bonita; como ele próprio diz, uma vida indolente não tem nada de puro; entretanto, Yelena sente-se mal não só com o seu marido e com os seus dois pretendentes extra-conjugais, mas consigo própria, tendo noção de que é ela o motivo para a infelicidade de toda a gente, visto estarem todos interessados nela (e por causa dela o Dr. Astrov não quer saber da Sonya). E o pior é que ela queixa-se mas nem tenta arranjar um propósito para a sua vida.

No entanto, a única pessoa que tem noção da sua vida desperdiçada é o tio Vanya, que trabalhou toda a sua vida para manter o terreno para ganhar dinheiro que ia para o professor, devotando a sua vida a alguém com uma carreira que no fim não tem significado, a alguém que nunca quis saber dele. Sonya dedicou-se também a ajudar o seu pai e, tal como o seu tio, sonhava apenas com o amor - sonho esse que foi negado a ambos.

VOYNITSKI. Give me something! Oh, my God! I am forty-seven. If I live to be sixty, I've got another thirteen years. What a time! How am I to get through those thirteen years? What shall I do, how shall I fill in the time? Ah, don't you see... [Squeezes ASTROV'S hand convulsively], don't you see, if only you could live the rest of your life in some new way! To wake up on a clear, calm morning and feel that you're starting your life over again, that all your past is forgotten, blown away like smoke. [Weeps] To begin a new life... Tell me how to begin... What with...

Somos todos o tio Vanya.

Vanya e Sonya aguentam e sacrificam-se e desperdiçam as suas vidas em prol dos outros, enquanto estes fogem da confusão e não querem saber. Mas o final, o final.

SONIA. Well, what can we do? We must go on living! [A pause] We shall go on living, Uncle Vanya. We shall live through a long, long succession of days and tedious evenings. We shall patiently suffer the trials which Fate imposes on us; we shall work for others, now and in our old age, and we shall have no rest. When our time comes we shall die submissively, and over there, beyond the grave, we shall say that we've suffered, that we've wept, that we've had a bitter life, and God will take pity on us. And then, uncle dear, we shall both begin to know a life that is bright and beautiful, and lovely. We shall rejoice and look back at these trouble of ours with tender feelings, with a smile - and we shall have rest. I believe it, uncle, I believe it fervently, passionately... [Kneels before him and lays her head on his hands, in a tired voice] We shall have rest! 
[TELEGIN plays softly on the guitar] 
We shall rest! We shall hear the angels, we shall see all the heavens covered with stars like diamonds, we shall see all earthly evil, all our sufferings swept away by the grace which will find the whole world, and our life will become peaceful, gentle, and sweet as a caress. I believe it, I believe it... [Wipes his eyes with her handkerchief] Poor, poor Uncle Vanya, you're crying... [Tearfully] You've had no joy in your life, but wait Uncle Vanya, wait... We shall rest... [Embraces him] We shall rest! [The WATCHMAN' taps; MARIA VASILYEVNA makes notes on the margin of her pamphlet; MARINA knits her stocking] 
We shall rest!

Portanto talvez esta peça seja sobre esperança. Mas qual esperança?


The Cherry Orchard:

Esta é uma peça sobre as consequências de mudanças na sociedade nas pessoas, num contexto do declínio e empobrecimento da aristocracia russa ao mesmo tempo que os servos se emancipavam e ganhavam poder.

O que, sei - soa aborrecido. Nesta peça, uma família da aristocracia russa encontra-se numa má situação financeira. Lyubov Andreyevna Ranevskaya, a matriarca da família, acaba de voltar da França após quase ter ido à falência total, e acaba por se ver forçada a vender o cerejal pertencente aos terrenos da família, o mais bonito da região (a perda do cerejal implica a perda da casa e do resto do terreno, mas ninguém se parece preocupar particularmente com isso), por não conseguir pagar a hipoteca. Lyubov tem dificuldades em compreender a gravidade da situação, visto que sempre viveu uma vida folgada e dava dinheiro a toda a gente com facilidade, continuando passivamente na sua vida luxuosa.

Além do facto de haver aristocratas pobres, Varya, a filha adoptiva de Lyubov, é praticamente empregada doméstica, e Trofimov, um amigo da família, estudante expulso da universidade, fala muito das suas ideias revolucionárias mas não faz muito da vida e, mesmo estando apaixonado pela filha mais nova de Lyubov, Anya, é igualmente inerte na sua vida amorosa.

TROFIMOV. Varya's afraid - afraid we might suddenly fall in love with each other - so she follows us about all day long. She's so narrow-minded, she can't grasp that we are above falling in love. To rid ourselves of all that's petty and unreal, all that prevents us from being happy and free, that's the whole aim and meaning of our life. Forward! Let's march on irresistibly towards that bright star over there, shining in the distance! Forward! Don't fall behind, friends!

Entretanto, os empregados da casa gostam de se vestir com roupas caras, ou acham-se parte da elite parisiense (de forma alcoolizada e embaraçosa), e um deles, Yermolay (que querem que case com a Varya, apesar da diferença de posição na sociedade), filho de servos, é um milionário. Ninguém sabe o seu lugar.

Isto seria parvo e teria piada se as personagens em geral não fossem tão tristes, não estivessem em posições tão dolorosas, tão inadequadas, tão pouco preparadas para o que a mudança lhes trazia.

YEPIKHODOV. Personally, I'm a cultured sort of fellow. I read all sorts of extraordinary books, you know, but somehow I can't seem to make out where I'm going, what is it I really want, I mean to say - to live or to shoot myself, so to speak. All the same, I always carry a revolver on me. Here it is. [Shows the revolver]

O que acontece é que Yermolay, a personagem mais rica desta peça, compra o cerejal num acesso de deslealdade e vingança, e deita-o abaixo para construir lá casas, para fazer ainda mais dinheiro. Isto poderia ter sido evitado com maior responsabilidade financeira por parte de Lyubov e da sua família, mas já que estamos endividados e falidos, por que não gastar ainda mais dinheiro e contratar uma banda para tocar para nós?


O Nabokov disse que what mattered was that this typical Chekhovian hero was the unfortunate bearer of a vague but beautiful human truth, a burden which he could neither get rid of nor carry. E eu não consigo não gostar disso.

4.5/5 (as peças valem, e virem todas juntas numa edição baratíssima vale ainda mais)

Podem comprar esta edição aqui e encontrar várias obras em português aqui.

Comentários