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O amante do vulcão

Não sabia ao certo o que me esperava quando comecei este livro. Tinha curiosidade intelectual relativamente à autora, e pouco mais.


Começamos por ler a melancólica história de um diplomata a viver em Nápoles com a sua esposa doente, Catherine, com quem nunca teve filhos. A corte napolitana é demasiado para Catherine; o casamento fora por conveniência, dinheiro, mas dão-se bem. O diplomata é sempre referido como "Cavaliere", não lhe sendo atribuído um nome próprio. O Cavaliere é um coleccionador, com uma vasta colecção de vasos romanos e pinturas, e ao longo da narrativa Sontag explora o significado e as implicações da arte de coleccionar. A certa altura, o Cavaliere fica fascinado pelo Vesúvio, sobre o qual a sua residência tem vista privilegiada, escalando frequentemente o monte e recolhendo objectos vulcânicos, tornando-se especialista em vulcanologia.

É este portanto quem dá o título ao livro. É um homem muito pouco interessante, cuja vida é entreter o rei napolitano, bem como outros convidados ilustres, dentro dos quais o seu sobrinho, William Beckford, auto-exilado depois de um escândalo, e Goethe, falando de Werther, que tenho ali para ler e que será sem dúvida das minhas próximas aventuras literárias.

A introdução destas personagens, reais, leva a descrição de "ficção histórica" um pouco mais longe que o simples retrato de uma época - verificando rapidamente a vida de ambos, dá para ver que estas visitas, ou viagens a Nápoles, foram reais. Uma breve pesquisa também me levou a descobrir que o Cavaliere do livro era Sir William Hamilton, sobre quem não li mais até terminar a leitura.

Grande parte do livro, a primeira metade, não tem qualquer desenvolvimento, sendo apenas uma descrição do dia-a-dia aborrecido do aborrecido Cavaliere. Até que a sua esposa, Catherine, morre - e aqui surge uma nova mulher, amante de Charles, o sobrinho predilecto do Cavaliere, que o via como uma espécie de mini-me. Quando Charles quer casar por dinheiro, tem de se desfazer da amante, uma jovem mulher com um passado complicado e uma beleza reconhecida por pintores vários - e não vê ideia melhor que empurrá-la para o tio, recentemente enviuvado.

O Cavaliere torna a sua nova companheira numa mulher de classe: ela aprende línguas, aprende a cantar, aprende a entreter convidados com pequenas performances teatrais e, eventualmente, contra os desejos de toda a família do Cavaliere e contra todas as expectativas da jovem, casam-se. Esta segunda esposa é incrivelmente popular, admirada por toda a sociedade, inclusive pela rainha de Nápoles, irmã de Marie Antoinette, de quem se torna amiga íntima.

E é aqui que a narrativa toma um rumo diferente do calmo e decadente até aqui decorrido: a Revolução Francesa e os impactos das Guerras Napoleónicas no Reino das Duas Sicílias, tornando-se este livro numa boa oportunidade de aprender (mas mais que isso, ficar curiosa e querer aprender mais) sobre um período do qual vergonhosamente não sabia nada. Apesar de algumas menções, de alguns eventos, ficamos a saber muito pouco sobre a revolução contra a República Francesa.

É aqui que surge uma terceira personagem, chamada apenas de "Herói", um almirante que combate várias guerras por Inglaterra, que perde um olho e um braço, é admirado e consequentemente acolhido pelo Cavaliere, e que a jovem esposa começa a idolatrar - e é reciprocada. Cada vez mais gorda e menos bonita, a segunda esposa do Cavaliere torna-se cada vez mais odiada na sociedade, o seu passado exposto ou aludido em público. Surge um triângulo amoroso, a princípio não consumado, mas sempre aceite pelo Cavaliere: os três envolvidos como uma família e envolvidos na retaliação contra a Revolução Francesa. Mas o objectivo deste livro não é divulgar os elementos históricos, mas os elementos universais: com personagens sem nomes, somos levados a pensar na guerra e na arte enquanto abstractos, não no contexto real.

O Cavaliere é forçado a abandonar a sua residência, bem como grande parte da sua valiosa colecção; a outra parte ele tentou enviar de barco para Inglaterra, tendo o barco afundado (as suas posses perdidas para sempre). Também os Reis são forçados a fugir, e juntam-se todos num navio à costa da cidade enquanto esta é ocupada pelos franceses. E, no fim, o Cavaliere é obrigado a renunciar ao seu posto e regressar a Inglaterra, levando consigo a sua esposa e o amante desta, um herói deformado que põe a sua carreira e vida familiar continuadamente em risco por uma antiga prostituta obesa com quem tem uma filha ilegítima.

Em Inglaterra, acabam os três na pobreza, e mal vistos. Quando o Cavaliere morre, a narrativa transcende-o, com capítulos na primeira pessoa por várias mulheres da sua vida: Catherine, a primeira esposa; Mary Cadogan, mãe da segunda esposa; a segunda esposa, no seu final trágico, pela qual é difícil sentir alguma coisa; e Leonor de Fonseca Pimentel, personagem sem destaque no livro, uma poetisa e revolucionária cuja execução esteve relacionada com as posições políticas do trio central desta narrativa, a cuja voz cabe o fecho da mesma.

E só aqui nos são reveladas as identidades do trio central da obra: Sir William Hamilton, Lady Emma Hamilton e Lord Nelson, que procuraram a sua glória e bem estar sem considerarem o que faziam da sua riqueza. A título de exemplo, Hamilton retirou um lucro enorme das escavações em Pompeia, impôs e criou gostos com as suas colecções de arte (para depois as vender) e fez da sua própria segunda esposa um objecto de arte, uma peça de estética, tudo por ter dinheiro e poder. É principalmente isto que é interessante no livro, não as dinâmicas emocionais mas esta crítica pouco explícita da forma como a cultura é controlada; o papel da natureza humana no que respeita ao amor, seja por objectos ou por pessoas, e o papel das mulheres influentes na história e a forma como estas eram vistas. Que civilização ocidental é esta?

Também interessante é que, entre a apagada personalidade de Hamilton e o fogo e o escândalo da paixão entre Emma e Nelson, ficamos sem saber quem ao certo é a personagem principal do livro. Sir William Hamilton, que dá título ao livro não é tanto o foco deste, cuja narrativa, como disse acima, transcende a sua vida, sendo relegado a um segundo (ou mesmo terceiro) plano quando Nelson entra em cena. Os dilemas das vidas das três personagens principais eram previsíveis ou comuns, além de as suas vidas serem muito superficiais.

No monólogo de Leonor de Fonseca Pimentel, que fecha o livro:

Quem foi o estimado Sir William Hamilton senão um aristocrata diletante que aproveitava as muitas oportunidades que lhe proporcionava um país pobre e corrupto para lhe pilhar a arte que depois vendia com proveito e para conquistar a reputação de conhecedor. Será que alguma vez teve uma ideia original, ou se sujeitou à disciplina de escrever um poema, ou descobrir ou inventar alguma coisa útil à humanidade, ou se deixou inflamar pelo entusiasmo por alguma coisa que não fossem os próprios prazeres e privilégios associados à sua posição? (...)
Quem era a esposa dele, senão uma dessas mulheres de talento e de excessos que se considerava alguém de valor por ser amada por homens que considerava de valor?

3,5/5

Podem comprar uma outra edição aqui, ou em inglês aqui.

Comentários

  1. Olá Bárbara,
    Não conhecia este livro! Fiquei curiosa com o livro! A história parece ser interessante.
    Beijinhos e boas leituras

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    Respostas
    1. Isaura, é sem dúvida interessante e leva-nos a explorar a vida real ainda mais fascinante de algumas personagens históricas!
      Beijinhos, boas leituras :)

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