Ivo Andrić é um autor acerca do qual tinha muita curiosidade.
Nomeadamente, confesso, acerca da Ponte sobre o Drina; mas, tendo encontrado este, mais curto, na biblioteca, decidi arriscar. Antes de mais, também a vida pessoal do autor tem o seu quê de interessante: era amigo próximo de Gavrilo Princip, tendo por isso chegado a estar preso. Sendo Princip uma personagem histórica que me desperta muito interesse, este facto também me trouxe mais curiosidade quanto à obra deste autor.
O Pátio Maldito segue as memórias do falecido Frei Petar, cujos bens os frades inventariam, sobre uma malograda ida a Constantinopla, onde fora enviado por causa de uns negócios difíceis e complicados. Em Constantinopla, Frei Petar viu-se numa situação onde estava no local errado, à hora errada, vítima de uma confusão na sua identidade - e é encarcerado durante dois meses, "sob investigação" e sem interrogatório, no Pátio Maldito.
O Pátio Maldito é onde ficavam presos os culpados, ou os culpados de serem suspeitos:
Ora, nesta terra, a culpa é muita e de todas as espécies, e a suspeita chega longe, em profundidade e em amplitude. Isto porque a polícia de Constantinopla professa o sagrado princípio de que é mais fácil libertar um inocente do Pátio Maldito do que andar à procura de culpados pelos meandros da cidade.
O Pátio Maldito é onde ficavam presos os culpados, ou os culpados de serem suspeitos:
Ora, nesta terra, a culpa é muita e de todas as espécies, e a suspeita chega longe, em profundidade e em amplitude. Isto porque a polícia de Constantinopla professa o sagrado princípio de que é mais fácil libertar um inocente do Pátio Maldito do que andar à procura de culpados pelos meandros da cidade.
O pior neste caso de identidade trocada é que Petar é de certa forma "obrigado" a esconder a sua identidade como clérigo católico, com receio que os guardas islâmicos o tratem de forma preconceituosa; mais tarde, conhece um judeu que lhe diz que toda a gente na prisão se trai entre si.
E conhecendo quase todos os presos, o seu passado e o seu crime actual, dizia com razão que sabia "como o pátio respirava". Mesmo aos que não conhecia verdadeiramente, conhecia-lhes sempre a alma vagabunda ou criminosa que neles morava e, a cada instante, podia parar diante de qualquer um e continuar a conversar sobre a culpa, sua ou de algum outro. E do mesmo modo, ou ainda melhor, conhecia cada um dos guardas, a sua índole, o seu lado bom e mau, as suas vontades invisíveis e ocultas.
Pelo menos era o que ele próprio afirmava, gabava-se disso a cada passo. E assim passava a vida com uma ligação muito estreita com o mundo da desordem e do crime, que abandonara para sempre na juventude, mantendo-se ao mesmo tempo em cima e longe desse mundo, separado dele pela sua posição, por jardins de vegetação densa, cercas e portões de ferro que só ele podia ultrapassar.
Karagöz tem uma particularidade ainda mais distintiva: odeia ver livros, especialmente quando são em línguas estrangeiras, ficando particularmente enraivecido. E é aqui que entra Kâmil-Efendi. Kâmil é um jovem turco-grego com problemas de identidade dada a sua herança cultural e familiar (notem-se as disputas de longa data entre os dois países), e que se identifica com o Sultão Djem (Cem), que viveu no séc. XV e fora protegido pelo Papa Alexandre VI (um dos Bórgias) após um conflito com o seu irmão, Bayezid. O exército Otomano julga que ele faz parte de uma conspiração revolucionária.
(...) frei Petar olhou para a direita, onde na véspera o turco se acomodara para pernoitar. A primeira coisa que viu foi um pequeno livro, encadernado com couro amarelo. Uma forte e quente sensação de alegria percorreu-lhe o corpo todo; algo do mundo humano e real que ficara longe, perdido para lá dos muros, belo mas incerto como uma visão de sonho. Pestanejou, mas o livro continuava no seu lugar, e era mesmo - um livro.
É intrigante a história do jovem turco alienado pela sociedade e preso devido à sua alucinação; é interessante também a história do sultão e do seu irmão ostracizado, porque ambas as histórias reflectem que estes homens eram ambos prisioneiros, não dos sistemas políticos e contextos sociais em que se encontravam, mas reféns de quem eram, devido a problemas de identidade e pertença mal resolvidos. Também envolventes são as situações que não são resolvidas, nomeadamente, o que aconteceu a Kâmil? O livro é triste e adopta um tom trágico, quando assumimos que o turco é assassinado e o judeu tem uma doença psiquiátrica. Será este um efeito do Pátio, mais do que da humanidade?
Se quiseres saber o que vale um Estado e o seu governo, e qual o seu futuro, é só ver quantos homens honestos e inocentes há nas prisões desse país e quantos criminosos e delinquentes em liberdade.
Diria, porém, que este não deve ser o melhor livro do autor para começar a ler a sua obra... quero muito ler A Ponte sobre o Drina.
3,5/5
Eu sinto fascínio pela zona dos Balcãs e os seus conflitos, por isso, pensei que ia ficar a saber mais sobre as raízes do problema com a Ponte sobre o Drina. A verdade, porém, é que achei a escrita extremamente árida, numa sucessão de historietas sobre personagens locais. Espero que sejas mais paciente e perseverante que eu!
ResponderEliminarPaula
É uma zona que me interessa mesmo muito, pensar que a I Guerra Mundial (uma guerra de origem acidental e parva) começou pelos Balcãs, que tanto conflito e tanta coisa aconteceu devido a questões nessa região...
EliminarPercebo isso do árido, senti isso um pouco neste livro - não sei se culpa do autor, se do tradutor. No entanto, e por este ser muito curto (também dado a historietas, porém!), quero mesmo ler mais :)
Gostei muito deste post, muito mesmo, o livro parece ser super interessante e deu-me uma vontade imensa de o ler
ResponderEliminarAcho piada como não é o primeiro post em que fico assim entusiasmado e a pensar que gostaste imenso do livro, pela forma como escreves e retratas tudo e depois vou ver a nota por curiosidade e não é 5, nem 4 for that matter
Still, é um dos livros que quero ler eventualmente na minha humilde vida de leitor, obrigado Ba
É um livro muito curto e muito interessante :p no entanto senti aquilo que a Paula disse ali acima, o conjunto de historietas, foi um pouco "demasiado" num livro tão pequeno, e não deu para compreender bem a parte que mais me intrigou: o pátio em si. Dá para sentir uma questão um pouco Kafkiana no sentido em que ninguém sabe por que motivo o sistema judicial se está a virar contra eles, mas o livro depois foca nas histórias dos "presidiários" e é um pouco estranho :(
EliminarCompreendo :p
EliminarPenso que em Portugal circulam apenas três romances de Andric, este é o único que não li, gostei muito dos outros dois, mais extensos, embora sejam ambos de desenvolvimento lento e serem mais relatos de situações da história nos balcãs do que enredo entre as personagens.
ResponderEliminarTenho uma enorme curiosidade acerca da Ponte sobre o Drina - a história dos Balcãs interessa-me muito, sinto-me preparada para uma obra do autor mais extensa, lenta.
EliminarBom dia
ResponderEliminarTeria interesse em vender este livro?
Se sim, por quanto?
Atentamente
Carlos Lopes
Bom dia, Carlos,
EliminarO livro foi requisitado da biblioteca, como poderá ver pela etiqueta pela lombada, pelo que não é meu para vender.
Obrigada.
Bom dia
EliminarAgradeço o seu feedback.
Atentamente
Carlos Lopes