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Sinais de Fumo

Conheço o Alex Couto vai para 15 anos, e é com gosto que acompanho a sua obra desde Nova Lisboa, livro que lançou mais ou menos pela mesma altura em que eu fui expulsa da cidade onde nasci e na qual sempre tinha vivido. 



Se Nova Lisboa era uma revolta contra a gentrificação de Lisboa (situação que só tem vindo a piorar), e admitindo que não acompanhei os contos de Ponta de um Corno, enquanto romance que procura retratar um lugar e uma época, Sinais de Fumo parece-me muito mais ambicioso.

Conheço mal Setúbal (e guardo más memórias, em retrospectiva), e não conheço de todo o Bairro do Viso, que mais que um local onde se desenrola a narrativa, assume aqui um papel de personagem central. Porém, estou extremamente familiarizada com as dificuldades do período da troika, e conheço bem o suficiente a vida de bairro (apenas não suburbano) - apesar de algumas palavras serem, possivelmente, específicas do Viso, não tive de consultar quase vez nenhuma o glossário do fim do livro, e foi-me possível cruzar alguns dos personagens de Sinais de Fumo com pessoas da minha escola secundária.

Quando, nos idos anos de 2012-13, estávamos todos nos nossos 20s, desempregados, acusados de viver acima das nossas possibilidades, convidados a emigrar (mas com que dinheiro?) ou a criar um negócio próprio (novamente, com que dinheiro?), dá-se uma desgraça (uma explosão, uma morte) no Bairro do Viso. Ao perceber que esta desgraça traz consigo dificuldades em conseguir canábis no bairro, Charlie Brown e os seus amigos, Alex, Igor e Bunny, decidem criar a sua própria start-up: a Green, um projecto empreendedor que roça a ilegalidade e que levará erva da melhor qualidade ao Bairro do Viso.

 - Fazer uma cena com estilo. Deixem-me começar com a identidade - disse Alex, mas ao ver a cara contraída dos amigos, sem saberem de que identidade falava, acrescentou: - Gráfica. A imagem da cena. Podem crer que isso vai ajudar. Quando tens a internet a assistir, nada bate o autêntico.
 - S'bem. É fazer bem feito. Já 'tive a aprender que o mais importante é a ideia - disse Charlie, que também tinha começado as suas pesquisas no Google, apesar de ir sempre parar a vídeos espanhóis ou brasileiros devido à sua ortografia falhada. - Eu quero é que a gente seja de sucesso.

Além das referências musicais, de restauração (quem mais se lembra do boom da Hamburgueria do Bairro e outras que tais?), sociais e políticas que remetem inequivocamente a esta época, temos cenas de acção com tiroteios (e eu sei que o Alex é fã de noir), concertos de rap e temáticas como a traição, a erva enquanto vício (e não uma substância inofensiva que em nada prejudica ninguém), o local de nascimento enquanto condicionante do futuro. 

Apreciei muito o sentido de humor ao longo do livro, e partes houve em que ri alto. A narrativa numa espécie de terceira pessoa omnisciente, de uma terceira pessoa que não tem nome mas está presente nos eventos ou soube deles com muita proximidade, envolve o leitor, fazendo-o sentir-se parte do grupo de amigos, ou pelo menos das muitas pessoas do bairro. Apesar do tipo de negócio, fica difícil não torcer pelo sucesso daqueles que, à partida, estavam remetidos a uma vida de pobreza, de droga, de desemprego, de possível maternidade adolescente (como no meu bairro).

Será que tudo isto fez bem ao mundo? Ainda ninguém suspeitava que podiam existir empresas a mais? 

Os personagens são muito diversos, mas ricos e realistas. Especialmente através da personagem Alex, sente-se a dificuldade em se distanciar de uma realidade assim, quando é tudo o que se conhece ou no que se cresceu, apesar da vontade de partir; e, através de Igor, a quase impossibilidade de progredir neste meio. Senti, porém, que algumas partes foram demasiado surreais, roçando o confuso, bem como algumas transições (e o final) foram, para mim, um pouco abruptos (devo no entanto ressalvar que, como os personagens, nas suas mocas, esqueciam o passar do tempo, ou dormiam largas horas, acredito que possa ter sido deliberado).

Deixo este artigo do República dos Pijamas, que faz uma brilhante ligação entre o livro do Alex e os dias de empreendedorismo da troika, e que tive muito gosto em ler.

4/5

Podem comprar esta edição na wook.


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