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Gabriela, Cravo e Canela

Jorge Amado foi dos primeiros autores dos quais gostei a sério, quando, com 13 anos, li o Capitães da Areia. Aventuro-me, dez anos depois, nesta conhecida fonte de telenovelas que nunca vi.


A narrativa passa-se nos 1920s em Ilhéus, numa altura desde logo definida como sendo de mudança: Modificava-se a fisionomia da cidade, abriam-se ruas, importavam-se automóveis, construíam-se palacetes, rasgavam-se estradas, publicavam-se jornais, fundavam-se clubes, transformava-se Ilhéus. Mais lentamente porém evoluíam os costumes, os hábitos dos homens. Assim acontece sempre, em todas as sociedades.

Este conflito reflecte-se no desenrolar de um drama político, uma eleição próxima. De um lado, Coronel Ramiro, velho coronel de Ilhéus, autoridade política consagrada na região, que prefere matar (literalmente) pelos bons costumes a fazer algo pela cidade, mesmo que isto custe a prosperidade desta. Do outro, Mundinho Falcão, o candidato que fugiu de casa e da família, que promete progressos aliados à produção de cacau (que exporta), na ambição de chegar aos mesmos patamares políticos que os seus irmãos mais velhos.

Entretanto, Nacib, sírio dono de um café e descrito como sendo gordo e peludo, acorda no meio de uma desgraça pessoal: Filomena, a sua cozinheira, decidira finalmente ir viver com o filho para outra cidade. No mesmo dia, um fazendeiro mata a sua mulher (vinte anos mais nova que ele) e o dentista, seu amante, por os apanhar juntos - homicídio esse aceite e até bem visto pela restante sociedade, estava afinal em causa a honra do homem -, ofuscando assim a sua própria tragédia:

A viagem de Filomena não lhe causava apenas prejuízo material e canseira. Tirava-lhe também a paz do espírito, impedia-o de voltar-se por inteiro para as múltiplas novidades, para tanta coisa a comentar quando os amigos chegassem. Novidades a granel, e, na opinião de Nacib, nada mais gostoso – só mesmo comida ou mulher – do que comentar novidades, especular sobre elas. Falar da vida alheia era a arte suprema, o supremo deleite da cidade.

Gabriela só aparece cerca da página 110, parecendo "uma demente perdida no caminho", pseudo-amante de um tipo que com ela foge do Sertão para Ilhéus numa tentativa de fugir à pobreza, tipo esse que a quer matar por ela não se parecer preocupar muito com ele. Vão para o mercado de escravos, ele é escolhido para plantar cacau, Gabriela seduz Nacib para que este a contrate (chamando-lhe "moço bonito" quando ele lhe vira as costas, achando que ela mentia acerca dos seus dotes culinários: Parou. Não se lembrava de ninguém achá-lo bonito, à exceção da velha Zoraia, sua mãe, nos dias de infância. Foi quase um choque.).

Passadas pouco mais de 48h, quando Nacib descobre que por baixo da sujidade ela até é jeitosa e que cozinha melhor que a Filomena, a relação deles passa para todo um outro nível. Todos os homens de Ilhéus fazem propostas a Gabriela - Nacib, ao início, não se preocupa. Afinal que lhe importava, era apenas sua cozinheira com quem dormia sem nenhum compromisso. Mas continuam a chover ofertas e Nacib a ver a sua vida a andar para trás. A vizinha e pessoal que frequenta o seu bar sugerem-lhe que a peça em casamento, mas surge aqui o problema que é comum a muitos dos dramas neste livro:

Mas como casar com Gabriela, cozinheira, mulata, sem família, sem cabaço, encontrada no mercado dos escravos? Casamento era com senhorita prendada, de família conhecida, de enxoval preparado, de boa educação, de recatada virgindade. Que diria seu tio, sua tia tão metida a sebo, sua irmã, seu cunhado engenheiro-agrônomo de boa família? Que diriam os Ashcar, seus parentes ricos, senhores de terra, mandando em Itabuna? Seus amigos do bar, Mundinho Falcão, Amâncio Leal, Melk Tavares, o Doutor, o Capitão, dr. Maurício, dr. Ezequiel? Que diria a cidade?

WHAT WOULD PEOPLE SAY????

E como poderá correr um casamento com alguém sobre quem se diz: Num sei... Pra mim é assim. Tu pode dormir com ela, fazer as coisas. Mas ter ela mesmo, ser dono dela como é de outras, isso ninguém vai nunca ser?

De destacar são ainda outras personagens, como D. Arminda, obcecada com médiuns, Tonico, playboy local, Malvina, inconformada com a vida que o pai quer para ela, e duas velhas solteironas com um presépio de celebridades:

Nos últimos anos crescera grandemente o número de artistas de cinema, principal contribuição das alunas do colégio das freiras, e os William Farnum, Eddie Polo, Lya de Putti, Rodolfo Valentino, Carlitos, Lillian Gish, Ramon Novarro, William. S. Hart, ameaçavam seriamente dominar os caminhos das colinas. E, lá estava até mesmo Vladimir Ilitch Lenin, o temido chefe da revolução bolchevique. Fora João Fulgêncio quem cortara o retrato numa revista, entregara a Florzinha:
– Homem importante... Não pode deixar de estar no presépio.

Eu sei que isto é mais uma amálgama de citações que uma review. Lidem.

5/5

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Comentários

  1. Felisberto barros16 setembro, 2013 12:55

    Vejo que gostaste mesmo, mesmo, do livro. Fiquei novamente com vontade de ler, mas estou mesmo sem tempo. gosto muito da tua foto.

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    1. sinto-me uma pessoa influente! :D para jorge amado arranja-se sempre tempo, nem que se demore a arranjar. e obrigado!

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  2. Gostei de ler a tua review (ou amálgama de citações), pois fez-me recordar a história e do quanto gostei de a descobrir! :) De facto, os livros de Jorge Amado são especiais e deveriam ser lidos por toda a gente.

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    1. Que antigo este post :D é verdade, os livros dele são absolutamente maravilhosos! :)

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