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Voyage au Centre de la Terre

A primeira leitura conjunta com a pessoa mais importante de sempre.


O terceiro livro de Jules Verne, publicado em 1864 é dos seus livros mais populares, e percebe-se porquê. Acho que a premissa básica da história é conhecida por todos, nem que seja porque o título diz logo o que se passa na narrativa - mas, tal como tantos outros livros que já fazem parte do imaginário e do subconsciente públicos (Dracula, Frankenstein e assim), acho que vale a pena ler o original.

Axel vive com o seu tio, o excêntrico professor Lindenbrock, na Alemanha. Um dia, Lindenbrock, geólogo, intelectual, cientista, descobre um pergaminho islandês do explorador do Séc. XVI Arne Saknussem e, alguns capítulos depois, em jejum e sem dormir, decifram a sua mensagem: Arne diz ter ido ao centro da terra, tendo entrando pelo vulcão Snæfellsjökull, que no livro se chama apenas "Sneffels".

Snæfellsjökull: foto googlada e retirada do TripAdvisor

Axel não fica particularmente feliz com a ideia, possivelmente antevendo os seus azares e sofrimento ao longo da aventura, na qual não crê, tendo esta troca de palavras com a empregada, Marthe:

Pendant cette journée les fournisseurs d'instruments de physique, d'armes, d'appareils électriques s'étaient multipliés. La bonne Marthe en perdait la tête.
«Est-ce que Monsieur est fou?» me dit-elle.
Je fis un signe affirmatif.
«Et il vous emmène avec lui?»
Même affirmation.
«Où cela? dit-elle.»
J'indiquai du doigt le centre de la terre.
«À la cave? s'écria la vieille servante.
- Non, dis-je enfin, plus bas!»

Não obstante, partem para a Islândia, onde conhecem o seu guia, Hans Bjelke. 

Tout s'expliqua quand M. Fridriksson m'apprit que ce tranquille personnage n'était qu'un «chasseur d'eider», oiseau dont le duvet constitue la plus grande richesse de l'île. En effet, ce duvet s'appelle l'édredon, et il ne faut pas une grande dépense de mouvement pour le recueillir.
(...)
Or, comme l'eider ne choisit pas les rocs escarpés pour y bâtir son nid, mais plutôt des roches faciles et horizontales qui vont se perdre en mer, le chasseur islandais pouvait exercer son métier sans grande agitation. C'était un fermier qui n'avait ni à semer ni à couper sa moisson, mais à la récolter seulement.
Ce personnage grave, flegmatique et silencieux, se nommait Hans Bjelke; il venait à la recommandation de M. Fridriksson. C'était notre futur guide.

O Hans é das personagens mais incríveis e imprescindíveis numa viagem destas, e não se fica por levar Axel e o Professor ao vulcão:

Son engagement avec mon oncle n'expirait pas à notre arrivée à Stapi; il demeurait à son service pendant tout le temps nécessaire à nos excursions scientifiques au prix de trois rixdales par semain. Seulement, il fut expressément convenu que cette somme serait comptée au guide chaque samedi soir, condition sine qua non de son engagement.

Vou aproveitar este momento para falar das personagens. O Professor Lidenbrock é brilhante, excêntrico e determinado, acreditando até ao fim na sua missão e pensando mesmo que valia a pena morrer por ela; Axel, o seu sobrinho, é inteligente mas tem medo de tudo e acha que a missão vai falhar e está sempre a perder-se e a meter-se em azares vários, chegando porém a ficar mais entusiasmado que o seu tio; e o Hans é a pessoa ideal para se ter em situações tensas, porque ele não só garante a sobrevivência dos outros dois com a maior das calmas, forte, capaz e com destreza, como, bem, mantém a maior das calmas em todas as situações. É também incrivelmente monossilábico:

«God dag,» dit-il.

- Vatten, répondit le chasseur.

- Geyser, fait Hans.

- Nej, fait Hans en remuant doucement la tête.

Hans fermait les yeux avec indifférence

Je regarde le chasseur.
«Tänder!» fait-il.

Hans fala dinamarquês. Algo que retirei das minhas aulas de sueco é que "tand" significa dentes. Portanto, Hans vê marcas de dentes gigantes e dinossáuricas e diz apenas "Dentes!". Como é que isto é possível?

Porque é o Hans.

Adiante. A história desenvolve-se mais rapidamente a partir do momento em que a descida pelas grutas do vulcão começam, com drama, perigo, descobertas, Axel narrador a desmaiar e a ter medo de tudo apesar da sua curiosidade científica. O facto de o Axel narrar o livro faz com que este seja um misto de aventura com diário de viagem científico, misturando factos científicos (factos de paleontologia, geologia, muitos deles agora obsoletos ou provados falsos) com fenómenos incríveis.

O Axel é uma personagem fraquíssima, no sentido literal de fraco, mas vai tentando contrabalançar a loucura do seu tio, que acha boa ideia não levarem muita água e coisas inteligentes assim, ao mesmo tempo que o tenta convencer a voltar para trás, convencidíssimo que vão todos morrer mais cedo ou mais tarde (possivelmente mais cedo). O Hans vai salvando as suas vidas e pedindo o seu pagamento a pronto cada Domingo.

E o que será que encontram debaixo da terra? Um oceano enorme com marés, nuvens, geysers, e ainda...

DINOSSAUROS.

A LUTAR NA ÁGUA.

Soudain l'Ichthyosaurus et le Plesiosaurus disparaissent en creusant un véritable maëlstrom. Le combat va-t-il se terminer dans les profondeurs de la mer?
Mais tout à coup une tête énorme s'élance au dehors, la tête du Plesiosaurus. Le monstre est blessé à mort. Je n'aperçois plus son immense carapace. Seulement, son long cou se dresse, s'abat, se relève, se recourbe, cingle les flots comme un fouet gigantesque et se tord comme un ver coupé. L'eau rejaillit à une distance considérable. Elle nous aveugle. Mais bientôt l'agonie du reptile touche à sa fin, ses mouvements diminuent, ses contorsions s'apaisent, et ce long tronçon de serpent s'étend comme une masse inerte sur les flots calmés.
Quant à l'Ichthyosaurus, a-t-il donc regagné sa caverne sous-marine, ou va-t-il reparaître à la surface de la mer?

Uma coisa engraçada é que, apesar de constantemente a querer ir para casa, Axel começa a opinar e a criar teorias sobre tudo o que vê, parecendo a certa altura mais entusiasmado que o seu próprio tio.

O que é que há para não gostar num livro em que três tipos entram num vulcão e vão até ao centro da terra e vêem dinossauros a lutar e cogumelos gigantes e mastodontes e homens primitivos gigantes? O facto de haver demasiadas cenas em que os tais três tipos andam às voltas no escuro com fome e sede.

Possivelmente quem me conhece acha que eu diria "o facto de não ir nenhuma mulher na aventura". Vou portanto comentar isso: o Axel é uma personagem masculina que desmaia e tem medo e basicamente não existe em ficção contemporânea. Graüben, a sua noiva da Estónia, também aluna do Professor Lindenbrock, é racional e corajosa e estava entusiasmada com a viagem.

«Oui, Axel, et digne du neveu d'un savant. Il est bien qu'un homme se soit distingué par quelque grande entreprise! 
- Quoi! Graüben, tu ne me détournes pas de tenter une pareille expédition?
- Non, cher Axel, et ton oncle et toi, je vous accompagnerais volontiers, si une pauvre fille ne devait être un embarras pour vous.
- Dis-tu vrai?
- Je dis vrai.»

Porém, não seria aceitável ela ir com eles.

Vou retomar a review falando da despedida do Hans que, passada tamanha aventura com Axel e Lindenbrock, tem saudades da Islândia (e pudera, pois o livro deu-me ainda mais vontade de lá ir um dia):

Au moment où ces questions étaient palpitantes, mon oncle éprouva un vrai chagrin. Hans, malgré ses instances, avait quitté Hambourg; l'homme auquel nous devions tout ne voulut pas nous laisser lui payer notre dette. Il fut pris de la nostalgie de l'Islande.
«Färval,» dit-il un jour, et sur ce simple mot d'adieu, il partit pour Reykjawik, où il arriva heureusement.

Diz "FÄRVAL" e vai-se embora. Hans!

Além de dar imensa vontade de ir à Islândia (mais do que já tinha, porque puffins), dá vontade de entrar num vulcão e explorar as cavernas e ver o que se encontra. No entanto, e infelizmente, hoje em dia sabe-se que isso não é possível.

Qualquer motivo é um bom motivo para meter uma foto de um puffin.

4/5

Podem comprar esta edição aqui, em inglês aqui, ou em português aqui.

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