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Miss Peregrine's Home for Peculiar Children

Enquanto fã assumida do Tim Burton, e com o filme que saiu recentemente, tinha de ler este livro. Foi esse, aliás, o motivo pelo qual comprei a trilogia.


Não consigo dizer grande coisa do livro sem dizer que é bastante ok. Simplesmente isso. A capa faz-nos pensar que vai ser um livro assustador, adequado ao Halloween, adequado à filmografia do Tim Burton. Sou uma pessoa bastante sensível a coisas assustadoras e isto não teve nada que se comparasse à cena do Dracula em que a Lucy ouve um leve bater de qualquer coisa (asas de morcego) à sua janela. Era o verão de 2010 e eu não soube o que era dormir.

Mas a ideia inicial está bem concebida. Jacob é um miúdo de 16 anos muito apegado ao avô, a quem o avô passou a infância toda a contar histórias da sua própria infância e das crianças bizarras com quem ele vivia num orfanato, fotos incluídas. A certa altura, Jacob começa a crescer e a ficar céptico. Os pais de Jacob explicam-lhe que o avô, Abraham, judeu, sempre gostou muito de contar histórias e que realmente cresceu num orfanato, para escapar à II Guerra Mundial.

A certa altura, Abraham fica paranóico, acha que o vão matar; Jacob ignora-o e, mais tarde, vai a casa do avô e encontra-o morto, atacado presumivelmente por um animal selvagem. Mas Jacob vê uma criatura com tentáculos na boca, fica paranóico e obcecado, vai a um psiquiatra, procura pistas para encontrar o passado misterioso do avô.

Jacob vai a uma ilha minúscula em Gales, a fictícia Cairnholm, em busca do tal orfanato, que descobre estar abandonado após ter sido bombardeado na II Guerra Mundial, tendo todas as crianças morrido; Jacob sente que toda a viagem fora inútil. Mas rapidamente descobre um buraco no tempo (um loop) que o leva ao fatídico dia de Setembro de 1940, quando as crianças estavam vivas e sob os cuidados de Miss Peregrine, num orfanato em que o critério é ser peculiar: ter um poder ou característica sobrenatural. Descobre que foi tudo verdade - e descobre, umas 200 páginas após o início do livro, que a sua aventura vai começar.

Portanto eu não estava assustada nem particularmente afectada pelas crianças peculiares, embora algumas delas fizessem coisas um bocado macabras - mas às vezes dava pena. Há setenta anos que eles viviam presos no dia 3 de Setembro de 1940, e estavam condenados por Miss Peregrine a passar lá as suas vidas inteiras. Os seus corpos eram de crianças, embora as suas mentes não o fossem, e vivem pacificamente numa espécie de Groundhog Day. Até o dia em que Jacob aparece com imagens maravilhosas do Século XXI.

E se houver algo de peculiar em Jacob?

Tudo isto soa misterioso, mas o mistério não dura muito tempo e grande parte do livro é o Jacob a ir de um lado para o outro de forma bastante repetitiva e sem narrativa estruturada. Não se pode pegar neste livro à espera de algo bem escrito, de profundidade psicológica - mas desisti de esperar isso quando percebi a realidade dos livros de John Green, inquestionavelmente o autor mais popular do género dos últimos tempos. Vejo isto a funcionar para camadas jovens, mas enquanto adulta - demasiado adulta, quiçá -, foi uma leitura que desiludiu bastante.

A narrativa desenrola-se em torno de fotografias vintage (todas elas coleccionadas por entusiastas ao longo dos anos, algumas delas manipuladas), e por esse motivo parece um bocado desconjuntada, incoerente. A história não está bem integrada em torno das fotos, parece que foi escrita de modo ao autor conseguir encaixar todas as fotos estranhas que encontrou. Do género, "gosto desta foto, vou metê-la no livro!". Por este motivo, uma das personagens, Emma, aparece três vezes e em todas elas se vê que é uma pessoa diferente. Eu gosto de consistência e isto é muito chato, especialmente se tivermos em consideração que toda a descrição física de Emma é "hot" (reitero, este é um livro juvenil, mas ainda assim...).

Isto também fez com que houvesse fotos de personagens que não aparecem no livro de todo; notoriamente, a inclusão de duas fotos de dois gémeos em fatos de palhaço. Também há o rapaz/cão, a rapariga dentro de uma garrafa, etc. Porquê incluir fotos se não vão estar envolvidas na história? Especialmente quando a narrativa geralmente é "X mostrou a Jacob a foto de uma rapariga"

*virar página*

*encontrar foto*

Acabando por tornar a história muitíssimo fraca, pois não é meia dúzia de fotos bizarras e pessoas igualmente fora do comum que vão tornar uma história numa história de terror, ou sequer numa história interessante. Especialmente quando as personagens são mais apresentadas como circus freaks do que tendo qualquer tipo de desenvolvimento: são definidas pelas excentricidades, pelo que as torna únicas e peculiares.

Nesse sentido, o livro até começa de forma promissora: Jacob está a lidar com o facto de ter presenciado a morte horrível do avô, com sintomas de stress pós-traumático e ansiedade. Mas isto é rapidamente esquecido durante a narrativa, quando Jacob não reage (ou reage corajosamente e sem qualquer tipo de problema) a situações traumáticas idênticas às que lhe causaram tais problemas páginas atrás. Vamos esquecer que o Jacob tinha problemas mentais.

A pior parte é que o narrador, Jacob, é uma personagem que duvido que alguém goste de ler. Rico, privilegiado, egoísta e sem personalidade discernível, não passa de um puto parvo que quer perder o emprego por... motivo nenhum? Mas, destino cruel, não consegue por mais porcaria que faça, porque os tios dele são donos do sítio.

If I never went home, what exactly would I be missing? I pictured my cold cavernous house, my friendless town full of bad memories, the utterly unremarkable life that had been mapped out for me.

Jacob não tem amigos, algo que pode estar relacionado com o facto de se estar sempre a queixar de ter dinheiro e não quer saber da dor que os pais possam estar a sentir com a morte de Abraham. Podia ser uma personagem forte, mas parece que tem cinco anos.

E vamos deixar o nosso miúdo mimado ir para o País de Gales em busca de coisas indefinidas? Vamos! Somos ricos e privilegiados! Mas como ele é menor, o pai vai atrás. O pai, filho de Abraham, que claramente está a ter um desgaste emocional fortíssimo e remotamente alcoólico, mas fica em pano de fundo. Porque enquanto Jacob tem memórias positivas do avô, o pai dele só se lembra de um homem emocionalmente distante e frequentemente ausente.

A única outra personagem que se destaca é Emma Bloom, uma rapariga de 80 e tal anos presa no corpo de uma adolescente, o amor adolescente de Abraham que, de forma apressada, previsível e ao mesmo tempo nauseante, se torna no interesse romântico de Jacob. Por que é que todos estes livros têm de ter romance?

Há demasiados bloqueios para eu gostar deste livro a sério. O mais problemático é o dos time loops, que, se foram bem explicados, ou eu não percebi ou passou-me ao lado. Não percebi como eram criados, como o resto da vila vivia o mesmo dia dentro do loop mas para as crianças o tempo passava, como funcionavam em geral. Viagens no tempo não são a narrativa mais fácil de construir e acho que o autor ficou bastante aquém.

Portanto, em suma, este é mais um livro cujo hype não compreendo, e tenho pena porque a analogia de um órfão judeu a esconder-se não dos nazis mas de monstros que o caçavam por ser peculiar era interessante - mas, ao mesmo tempo, isto levanta duas questões. Primeiro, qual a nossa obsessão com o Holocausto? Por que é que sempre que é para discutir morais, ou envolver maus, recorremos aos nazis? Será porque é o conflito com menos nuances éticas e morais no nosso passado recente? Porque o Vietname, o Kosovo, são mais questionáveis? E segundo, tal como muitos objectos de famílias judias foram confiscados e apropriados por nazis, também estas fotos foram apropriadas não só por coleccionadores mas para um livro, tornando públicas fotos que não foram tiradas com esse fim. Como nos sentiríamos se fosse a nossa foto, a de um dos nossos familiares? Se fosse a identidade de um de nós que estivesse a ser perdida em prol de um livro?

Não é impressionante, mas não é péssimo. Não irei ver o filme, creio.

2,5/5

Podem comprar esta edição aqui, ou em português aqui.

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