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Agnes Grey

Mais uma Brontë, mais uma narrativa de governanta.


Anne Brontë, a mais nova e possivelmente menos conhecida das três irmãs, passou grande parte da sua curta vida adulta a trabalhar enquanto governanta. A sua primeira de duas obras, Agnes Grey, é um relato ficcionado dos seus anos de trabalho.

Uma mulher rica decide casar com um pároco pobre, perdendo toda a sua riqueza e dote; o clérigo não pára de se atormentar e envolve-se em dívidas várias através de investimentos pouco pensados. O casamento é, no entanto, feliz, e têm duas filhas: Mary e Agnes. Para ajudar a família, Mary começa a vender pequenos quadros, e Agnes decide ser governanta, posição essa já vista em Jane Eyre e que em Emma, de Jane Austen, é descrita como um último recurso, algo que, graças ao tom realista deste livro, se percebe bem porquê. 

Agnes, como Anne Brontë, é filha de um clérigo, e vê-se na posição de governanta (algo relutante) para ajudar financeiramente a família, e há vários aspectos da vida da autora que se vêem reflectidos na obra - sendo as suas experiências enquanto governanta muito mais mundanas e realistas que as de Jane Eyre - e é sem dúvida, dos livros das três irmãs que já li, aquele que se percebe melhor enquanto tendo sido escrito pela filha de um homem do clero.

Ao longo da narrativa, Agnes serve duas famílias, que são representadas como sendo péssimas e cheias de vícios aristocráticos. Isto poderia ser aceitável, mas há um contraponto bastante pesado: o facto de a personagem principal, a narradora, Agnes Grey, ser extremamente moralista e pedante. Sendo isto uma autobiografia disfarçada, podemos retirar conclusões similares da autora - mas aquilo que se destaca, para mim, é que a narradora não tinha noção de que, fora o facto de ter alguma educação, não tinha qualquer treino ou preparação para ser governanta - e não se apercebe disso. Agnes não tem qualquer perspectiva e o livro torna-se numa espécie de queixa dos comportamentos que teve de aturar para ganhar dinheiro.

E em resposta a isso: quem nunca?

Agnes Grey parte para o seu primeiro emprego, para uma família com crianças muito novas que parecem pequenos psicopatas - e quando os pais a impedem de tentar civilizar as crianças, e acham que os miúdos são superiores à governanta e têm sempre razão, sim, é muito difícil e frustrante. Eles são protegidos pelos pais e ela não tem autorização de os disciplinar, e o miúdo tem prazer em coisas como torturar pequenos animais. A única demonstração de personalidade por parte de Agnes é quando ela decide matar os pássaros para que o rapaz não os torture - mas ainda aí, o tio do rapaz promete arranjar-lhe um ninho novo para torturar. Como é suposto corrigir comportamentos assim encorajados?

Este emprego termina rapidamente, e Agnes, determinada a vencer, tem uma nova oportunidade com uma segunda família, cujas raparigas são pouco mais novas que ela, pelo que a idealista Agnes acha que vai ser desta que vai correr bem. Rosalie, a mais velha, só se quer meter com homens e arranjar namoricos, e Matilda quer andar de cavalo e caçar e ser pouco senhora. O único interesse dos pais é casar as filhas (sem qualquer interesse nas opiniões delas) e culpar Agnes de qualquer coisa que corra mal na educação das mesmas.

É aqui que Agnes conhece Mr. Weston, um pároco (é claro!), que se torna no seu interesse romântico; e Rosalie, bonita, vápida, compete com ela pelo interesse de Mr. Weston. E Agnes não se acha no direito de estar interessada nele.

What business had I to think of one that never thought of me?

Agnes tenta moralizar Rosalie a todo o custo, numa narrativa que é, aliás, muitíssimo moralista. Agnes fica furiosa com a sua pupila, e tudo parece servir de uma lição. As discussões sobre moral entre ambas são interessantes, mas o ar de superioridade moral que conferem a Agnes tornam a personagem muito irritante. Agnes tem orgulho na sua moral, o que é perfeitamente aceitável, mas tenta empurrá-la à força toda em Rosalie, de uma forma tão puritana e púdica que se torna pouco atraente - não num sentido sexual, mas mesmo de leitura. É uma governanta completamente cinzenta e sem cor e que se mistura no fundo, casta, pura, perfeita, muito séria e sempre pronta a discursar sobre morais superiores.

Porque Agnes é uma personagem extremamente frustrante - e é nos momentos em que é suposto admirá-la que isto sobressai mais. Ela dá lições de moral a velhas doentes, não tem sentido de humor, martiriza-se por motivo nenhum. A sua moral faz com que ela pareça sentir-se superior aos seus pupilos, de uma forma orgulhosa - e, embora nunca faça um erro (aos seus olhos), é uma personagem cheia de problemas e que não passa por qualquer crescimento pessoal. É uma péssima governanta embora tente dar melhores valores aos seus educandos, mas não aprende com os seus erros (possivelmente por não os reconhecer - o que pode ser estranho em alguém tão religioso e pronto a dar lições de moral aos outros).

E é esta falta de desenvolvimento e crescimento que faz com que o livro seja um pouco fraco. Agnes é apenas maltratada por toda a gente, queixa-se de toda a gente - e sim, a primeira família é particularmente péssima, mas qual é a experiência que Agnes tem enquanto governanta, qual é a sua autoridade? Passa por experiências difíceis ao longo do livro, mas a Agnes do fim é a Agnes com que começamos. Nunca questiona os seus motivos ou sentimentos ou o facto de estar correcta.

Por outro lado, Rosalie Murray é fascinante e uma personagem sobre a qual eu gostaria de ler muito mais. Uma rapariga que cresce sabendo que é bonita, que pode ter os homens a seus pés, que usa disso para seu proveito e gozo próprio, e a quem, no fim, tudo corre mal. Quero mais Rosalie sem ser como recurso narrativo para dar lições de moral.

I was sorry for her; I was amazed, disgusted at her heartless vanity; I wondered why so much beauty should be given to those who made so bad a use of it, and denied to some who would make it a benefit to both themselves and others.
But, God knows best, I concluded. There are, I suppose, some men as vain, as selfish, and as heartless as she is, and, perhaps, such women may be useful to punish them.

As classes ricas são, em ambas as famílias para que Agnes trabalha, caracterizadas como más e cheias de maus valores: torturam animais sem motivo, acham piada a brincar com os sentimentos dos outros, não têm qualquer factor redentor. Sim, as governantas seriam mal tratadas, e aceito que Anne Brontë tenha tido péssimas experiências, mas este preto e branco no que respeita às classes sociais é absurdo e faz das personagens meras caricaturas.

E finalmente, o romance: 

Hark, a vagrant

As paixões complexas e dramáticas de Wuthering Heights e Jane Eyre estão completamente ausentes aqui. Mr. Weston é um bocado aborrecido (sabemos muito pouco sobre ele - aliás, as suas conversas com Agnes são sobre o que ela gosta de fazer, e pouco mais, o que sim, ao menos demonstra interesse nela). A própria relação parece não ter grandes perspectivas de futuro, e não há nada de extraordinário nem nada de particularmente romântico. Os sentimentos e as personagens são convencionais, e é uma espécie de acréscimo à restante narrativa. Quando o pai de Agnes morre e ela vai viver com a mãe e criar com ela uma escola, Mr. Weston arranja trabalho numa paróquia próxima e, após algum convívio com a mãe, pede Agnes em casamento. Final tépido e feliz.

É uma leitura interessante pela descrição da posição infeliz da governanta, um dos poucos papéis destinados a mulheres que quisessem trabalhar na época Vitoriana, uma sociedade de oportunidades limitadas: muitas expectativas, muita falta de compreensão por parte das famílias, muito pouco apoio emocional (encontrando-se as jovens muitas vezes muito longe de casa). A linguagem utilizada no livro é bonita e a narrativa flui muito facilmente, muito mais que nos livros das irmãs Charlotte e Emily. Gostei do realismo, da crítica social.

Estou curiosa para com o outro livro de Anne, que tenho ali na estante.

3,5/5

Podem comprar esta edição aqui, ou em português aqui.

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