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The Notebooks of Malte Laurids Brigge

A review desmotivada de quem escreveu tudo para depois o browser fechar sozinho sem gravar.


De Praga para as minhas estantes, a única obra em prosa de Rilke. Rilke viveu, nos seus vinte e muitos anos, em Paris, e muita dessa experiência é reflectida nesta obra, com toques autobiográficos. Os cadernos de Malte Laurids Brigge são uma experiência única de leitura: não têm uma narrativa coerente ou linear, não são um diário, mas introspecções sobre os mais variados temas: uma sequência de observações, não de eventos, seja daquilo que se está a passar ou de memórias de infância. É isto, e não uma narrativa, que liga os vários textos.

O amor, a vulnerabilidade, a pobreza, o tempo que passou, as experiências passadas, a arte, a poesia, uma beleza estética inegável, o desejo de ser poeta e de fazer parte do mundo quando é impossível sair da nossa própria cabeça; a solidão e a obsessão com a incontornável e inevitável morte, que está presente em tudo. A dúvida que permeia a dedicação à arte.

My last hope was always the window. I imagined that outside there, there still might be something that belonged to me, even now, even in this sudden poverty of dying. But scarcely had I looked thither when I wished the window had been barricaded, blocked up, like the wall. For now I knew that things were going on out there in the same indifferent way, that out there, too, there was nothing but my loneliness.

Brigge senta-se no canto com o seu caderno, observando o que o rodeia, mergulhando nas suas memórias de casa, os seus pensamentos e impressões, sem entrar na vida real, da qual não quer fugir mas à qual, inelutavelmente, escapa, permanente isolado e só. Fala da felicidade de estar numa biblioteca, rodeado de pessoas que não dão umas pelas outras: a solidão no meio dos outros.

Passeamos pelas ruas de Paris, não a cidade deslumbrante mas aquela que tem pobres, pedintes, prostitutas; Paris das bibliotecas, dos hospícios, da Dame à la Licorne, dos quartos onde nos queremos sentar sozinhos com os nossos cadernos. Malte não é o expatriado do The Sun Also Rises ou do Tropic of Cancer. As mansões dinamarquesas, as famílias em que é difícil discernir quem é um fantasma, um espírito, e quem está realmente vivo, dos corredores de quadros e retratos de familiares já há muito falecidos. A multiplicidade de caras que adoptamos, a morte que trazemos dentro de nós, a realeza europeia de tempos já idos, anacoretas e freiras apaixonadas (incluindo a soror Mariana Alcoforado).

I am learning to see. I don't know why it is, but everything enters me more deeply and doesn't stop where it once used to. I have an interior that I never knew of... What's the use of telling someone that I am changing? If I'm changing, I am no longer who I was; and if I am something else, it's obvious that I have no acquaintances. And I can't possibly write to strangers.

É poesia em forma de prosa. Sem dúvida o livro mais pesado que li o ano passado; de uma beleza enorme e inegável, um estudo sobre a natureza humana e como tudo o que nos rodeia nos modela: uma leitura lenta para poder consumir o texto, riquíssimo - e para poder confiar nas notas de fim para perceber certas referências.

4/5

Podem comprar esta edição aqui, ou em português aqui.

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