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Carrie

É a segunda vez que leio este livro (o primeiro livro publicado de Stephen King), tendo-me sido emprestado há anos.


Lembro-me de ter visto o filme quando era ainda muito pequena, de a imagem de uma rapariga coberta de sangue no seu baile de finalistas me ter ficado na cabeça. Lembrava-me dos homicídios em massa que se seguiram.

Não sou, na verdade, adepta de reler livros (tantos livros para ler, tão pouco tempo, etc), mas decidi dar a este essa chance - a verdade é que adoro o filme, que já tive oportunidade de rever. É uma história que faz parte da cultura popular, e há motivos para isso; a verdade é que há muito mais neste livro que não apenas o sangue de porco, os homicídios, a mãe fanática religiosa. O livro vale a pena mesmo já se sabendo o que se passa, até porque Stephen King introduz, no meio da narrativa, excertos de livros e artigos fictícios que tratam sobre o assunto: desde papers sobre telecinese, a memórias e entrevistas de alguns alunos e cidadãos de Maine (onde se passa Carrie), a investigações policiais, etc. E portanto, à partida, temos alguma noção daquilo que irá acontecer - ao mesmo tempo que se dá uma sensação de "credibilidade", e se preenchem alguns buracos na história.

O livro abre com uma cena escandalosa: raparigas a tomar banho na escola secundária, após a aula de Educação Física. E Carrie, a protagonista, com quase 17 anos, de repente julga que se está a esvair em sangue, porque Carrie não tem amigos e porque a sua mãe fanática religiosa nunca lhe ensinou sobre aquilo que considera ser "a maldição do sangue", e é humilhada pelas sua colegas, que não percebem como aquilo é possível. Porque a Escola Secundária é um lugar aterrador e isto está hiperbolizado em Carrie, das inseguranças, à imaturidade, à simples maldade.

 - Alguma de vós se lembrou que a Carrie White tem sentimentos? Alguma de vós pensou sequer?

E em casa, o cenário de tortura repete-se. Margaret, a mãe de Carrie, fecha-a num armário sempre que julga que ela pecou. Margaret White é preconceituosa, louca, maníaca e brutal, e crê que as mulheres vivem em pecado por simplesmente viverem. A ligação com a religião, neste livro, faz-se no ponto em que a religião deixa de o ser, e se torna no fanaticismo que leva as pessoas à loucura. O livro está, aliás, repleto de frases como "tens borbulhas porque é o castigo do Senhor" (paráfrase) e coisas para esse fim. Ter o período é outro castigo que mostra que Carrie pecou. E há tanta coisa errada nesse tipo de frases, perturbadoras mas quase engraçadas de tão absurdas - é aterrador.

E obviamente que duvido que Stephen King soubesse o que é um balneário de raparigas - mas a cena funciona. É um livro que começa com sangue menstrual e acaba em raiva telecinética desenfreada. Porque, farta, Carrie apercebe-se que há perturbações estranhas em seu redor sempre que está transtornada. Coisas mexem-se; um rapaz cai da bicicleta após gozar com ela. Carrie descobre que tem o dom/maldição da telecinese. E Carrie decide usá-lo para magoar quem a magoou no passado. E é suposto que Carrie, com estes poderes, seja má - que tenhamos medo dela.

Entretanto, Sue Snell, uma das raparigas do balneário, arrepende-se, e sugere ao seu namorado popular, Tommy, que leve Carrie ao baile de finalistas. Chris, outra rapariga, não gosta que tentem integrar a ostracizada da escola, e decide pregar uma partida. O resto é história, que toda a gente conhecerá do filme. Há um momento de terror extremo, e depois cai a ficha e a história é trágica.

Porque Carrie é uma história de bullying levado demasiado longe, no fundo. Carrie é miserável na escola, onde os colegas a gozam e atormentam, e é miserável em casa, onde a mãe é louca e a oprime e agride. É uma história emocionalmente exaustiva, emocional e triste, porque qualquer chance de felicidade é arrancada a Carrie. Carrie está isolada e triste. Carrie só queria que gostassem dela, queria ser aceite, e nunca ninguém o fez - todos foram cruéis com ela e arruinaram-lhe a vida. E quando chega o momento em que parecia que talvez desse para ser feliz, este é-lhe rapidamente retirado de forma avassaladora. Especialmente quando, num excerto do livro de Sue Snell, ela explica o porquê de tratarem Carrie assim:

"Essa coisa é o facto mais importante: Nós éramos miúdos."

O que é uma desculpa constantemente utilizada na vida real, basicamente. São só miúdos, bla bla bla. Eram só miúdos até Carrie incendiar a cidade, certo? E a crueldade de que a humanidade é capaz entre os seus pares? E é por isto que, mais de 40 anos depois da sua publicação, este livro continua a ser actual, apelativo, porque o que nos é relatado vai muito além da simples falta de empatia. E porque toda uma comunidade deixou que isto acontecesse.

E, por isso, haveria uma alternativa para Carrie? Sinto que esta história não é assim tão simples.

4/5

Podem comprar esta edição aqui, ou no original inglês aqui.

Maratona Literária de Verão 2017: 2813 pág.

Comentários

  1. Strong stuff
    Gostei da review, parece um livro poderoso em vários sentidos (como sabes nunca li o livro nem nunca vi o filme, shame on me I know)

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    1. Temos de o ver, sem dúvida :p especialmente se ficaste com boa impressão pela minha fraca review :$

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    2. Não achei fraca mas opiniões são apenas isso :p temos de ver sim!

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  2. Tenho Stephen King na minha lista de autores por ler há imenso tempo, mas nunca arranjei a coragem para começar porque sou mesmo daquelas pessoas que não gosta de temáticas de terror. Mesmo assim, aprece um crime não ter lido um autor que me é tão recomendado! Talvez comece por Carrie (já que não me atrevo a ver o filme haha)

    Boas leituras!

    Beijinho,
    Sacha, Rebel Yell

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    1. Sacha, também não sou de todo dada ao terror e gosto muito deste livro e desta história :) também recomendo o Green Mile, que está ainda mais longe de assustar! :) beijinhos!

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  3. Este mês tenho de ler um livro de terror para o clube de leitura e estou indecisa. Há algum que aconselhes? O livro que referes na review ainda está presente na memória :) Beijinhos

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    1. Que honra perguntares a mim, Edite :D não sei se leio horror muito convencional (não leio muito, em geral), mas assim de repente: Rosemary's Baby, de Ira Levin (A Semente do Diabo, em português - adoro o filme, também!); We Have Always Lived in the Castle, de Shirley Jackson (existe em português da Cavalo de Ferro); ou um clássico, como o Dracula, de Bram Stoker, ou o Frankenstein, de Mary Shelley!

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  4. Olaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
    O King é um dos meus escritores favoritos! Amei o livro mil vezes mais do que o filme original (ainda não tive coragem de ver o remake - prefiro os originais).
    Esse livro é muito bom! Ameeeeeeeeei!
    Beijokitaz



    www.devaneiosdemissl.com

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    1. Olá! :) eu dele só li este e o "The Green Mile", mas tenho vários outros na lista do que quererei um dia ler! Nunca vi o remake deste - gosto muito do filme original, mas sim, o livro é realmente muito bom, vai muito mais a fundo! :) Beijinhos!

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  5. Nunca li, mas após ler o que escreveste, é um livro muito forte e cativante também! Fiquei muito curiosa :)

    https://thesmilingv.blogspot.pt/2017/10/halloween-2017.html

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    1. É verdade, o livro vale bastante a pena! O filme também, se te apelar mais :)

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  6. So interesting post dear, lovely and interesting review.
    I'm first time on your blog and It's amazign! Like it so much!
    Maybe follow for follow? Let me to know on my blog.
    Hope you will visit me.
    Maleficent

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  7. Vê pelo menos o filme, Virgínia, é um clássico dos bons :)

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  8. Olá Bárbara
    Só vi o filme mais recente e, apesar de ter achado interessante, não adorei. Tenho de ver se leio o livro e depois vejo a versão mais antiga, acho que vou apreciar muito mais.

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    1. Sara, eu só vi o filme original e gostei muito. Consta que o mais recente não é nada de jeito :( mas lê o livro! Quiçá te dê uma perspectiva diferente :)

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  9. Hum... Agora fiquei com vontade de ler... Bastante!!!

    Beijinhos
    https://atitica.wordpress.com/

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