Milarepa

A vida em Montmartre e o sonho que remonta ao Tibete.

Tudo começou por um sonho.

Começa assim esta curta obra, na qual o protagonista, Simon, se transforma de noite, no alto de montanhas e rochedos e da cor vermelha, num outro homem, com sede de vingança. Nos seus sonhos, Simon é outra pessoa. E Simon não sabe o motivo pelo qual o mesmo sonho lhe surge todas as noites, há anos, até o encontro misterioso com uma mulher, num café, que lhe diz:

 - Tu és o Svastika - disse. - Tu és o tio. Tu és o homem por que tudo acontece, a pedra na qual se tropeça no início do caminho.

Milarepa é um livro que fala no budismo tibetano - como Simon vem a descobrir, após o seu misterioso encontro, Svastika é o tio de Milarepa, o tio que tudo tirou daquele que viria a ser uma grande figura, "o grande iogue do Tibete", como diz a contracapa. E Simon fora, um dia, Svastika, e sonha todas as noites o mesmo sonho porque não consegue libertar o ódio da sua alma.

Na narrativa, Simon confunde-se com Svastika, o protagonista dos seus sonhos recorrentes, e com Milarepa, relatando a história destas duas figuras. Milarepa fora um iogue, poeta, feiticeiro do Tibete que, tendo aprendido magia negra na sua juventude, a utilizou para se vingar das privações a que o seu tio o tinha submetido. Pelo meio, temos alguns vislumbres da vida de Simon.

O treino que Milarepa recebe de Marpa, quando, mais tarde, se quer redimir dos males que cometera antes, é a parte mais impressionante do livro. Marpa manda-o construir torres, para as demolir logo de seguida. Milarepa reflecte sobre o bem e o mal, sobre a humanidade. Sobre o ponto de viragem após a sua vingança destrutiva.

(...) somente o esforço produz benefícios. Tinha percebido que o bem necessita de mais força de vontade do que o mal. Também tinha entendido que o meu corpo era um frágil navio (...) a humanidade aparecia-me no fim da estrada. Ela estava longe, um objectivo. Conseguiria eu, alguma vez, tornar-me um homem?

E Milarepa acaba por se tornar eremita, dedicando-se à meditação.

É um livro curto, mas que dá uma boa introdução a quem quiser saber mais sobre o budismo tibetano. Tendo a gostar de livros espirituais - creio que este será uma boa opção para quem tiver gostado de Siddharta, por exemplo. É um bom ponto de partida para pesquisar mais. Aqui fica, por exemplo, a torre de nove andares mandada erigir por Marpa, que não foi demolida no fim:

da Wikipedia

Confesso que muito do que me despertou curiosidade por este livro foi, a par do budismo (às vezes gosto de ler livros com um lado mais espiritual - na verdade, muitos dos meus livros preferidos tocam no tema da religião), a descrição de Milarepa como iogue, yogi, em inglês, que é uma palavra associada à prática de yoga - neste caso, não a prática física, mas o lado da meditação. Mencionei há pouco o livro de Herman Hesse, e, para referência (e para quem tenha lido alguma das obras e tenha ficado com curiosidade quanto à outra), também Siddhārtha Gautama era yogi (trata-se, já agora, de um livro que devia reler).

Fiquei, sem dúvida, com curiosidade para ler mais livros de Éric-Emmanuel Schmitt.

4/5

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