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The Birds and other stories

Li este livro para o projecto Outubro Gótico, da Catarina.


Só isto já adianta o quão atrasada está esta opinião, certo? Este livro é um conjunto de contos, com o qual estava curiosa há vários anos - primeiro, porque vi o filme do Hitchcock há vários anos - tantos que não me lembro exactamente do filme; segundo, porque em 2013 li o Rebecca, há cerca de um ano li o My Cousin Rachel, e simplesmente adoro Daphne du Maurier.

Esta edição tem um prefácio, já agora, sobre a forma como alguns livros de Daphne du Maurier foram adaptados para o cinema, e alguns comentários e críticas sobre essas adaptações e as diferenças consequentes das mesmas - é um prefácio que vale a pena ler, e confesso que esta não é uma frase que eu diga muitas vezes. Não gosto de prefácios.

O nome original deste livro seria The Apple Tree, mas com a popularidade do filme foi reeditado com o destaque aos Pássaros.

Sendo um livro de contos, vou falar deles, um a um.


The Birds

Suponho que a maioria já tenha visto o filme, ou tenha uma vaga noção do filme - como disse acima, não me lembro muito, mas lembro-me da ideia central: os pássaros começarem a atacar os humanos. Lembro-me também de um senhor que bebia muito café, mas posso estar a confundir. Muito possivelmente estou.

Portanto, temos uma aldeia costeira na Cornualha, cenário frequente de Daphne du Maurier. Temos Nat, veterano de guerra que já passou por bombardeamentos aéreos. Uma noite, ele ouve barulhos na janela, e é atacado por um pássaro; pouco depois, o quarto dos seus dois filhos pequenos é também atacado por aves. Nat tenta avisar, mas ninguém lhe liga. A acção da história é em torno das tentativas da família em manter os pássaros agressivos longe da sua casa, impedi-los de partir as janelas, de entrar pela chaminé, fechando-se numa fortaleza na cozinha.

É uma história curta e, por isso, o ritmo é rápido. É assustadora, tem um ambiente de suspense, de desassossego e de ameaça iminente. Dá para sentir o terror que rapidamente assola não só Nat, mas toda uma nação. E a história termina repentinamente - nunca sabemos o que levou os pássaros à agressão. Nunca sabemos como correu para a família de Nat, para todo o Reino Unido. Simplesmente não sabemos. Nat fuma o seu último cigarro, olha para a lareira. Lá fora, o passarapocalipse.

O que poderíamos fazer, se isto acontecesse verdadeiramente?

foto daqui


Monte Verita

Estava a ler este conto numa viagem de comboio um pouco longa (destino: Château de Vaux-le-Vicomte) e ia perdendo a saída, porque, de início, me embrenhou muito. É a história mais longa do livro. Começa de forma estranha - temos um narrador que fala de algo que foi perdido para a ira dos aldeões, e cujo fim não se compreende. Rapidamente temos toda uma história sobre um homem que adorava montanhismo e o seu amigo que adorava montanhismo; sobre como a guerra se meteu no meio das montanhas, e da vida, e como o narrador se sentiu desencantado e perdido e, num movimento oposto ao de Hemingway, etc, mudou-se para a América; e depois o amigo casou-se com uma mulher encantadora e misteriosa, Anna.

Anna também tem interesse pelas montanhas. É uma mulher de uma calma intrigante, que parece procurar algo que não tem. Um dia, ela e o marido (melhor amigo do narrador) vão explorar Monte Verita, e algo acontece que muda a vida dos três para sempre.

Um monte misterioso, com um grupo, ou culto - não se sabe - de pessoas que são "chamadas" para viver em Monte Verita e abençoadas com a imortalidade. O narrador acaba por descobrir a verdade, e é um misto de felicidade e tristeza.

O fim desta história perdeu-me; o tamanho desta história perdeu-me.


The Apple Tree

Uma pequena pérola de comédia macabra. Temos um narrador com quem é difícil empatizar - recentemente viúvo e feliz com o facto, por ser finalmente livre de fazer o que lhe apetece sem levar com o martírio de aturar a negatividade e as infindáveis tarefas da sua mulher (também ela uma personagem exasperante). Se tínhamos a presença eterna da falecida Rebecca no livro do mesmo nome, aqui temos a memória de uma outra esposa, também ela não tão amada quanto isso.

Um dia, o narrador olha para uma árvore no seu quintal - e, sem qualquer explicação, vê nela a sua mulher, a agarrar-se à vida, a tapar as outras árvores mais jovens e bonita, a dar fruto (quando se julgava que estaria morta) que o narrador acha intragável... e o narrador começa a odiar a árvore. A árvore começa a tomar conta dele, dos dias dele.

Homem egoísta que não apreciava a sua mulher, ou uma mulher que deitava abaixo o espírito e a felicidade de quem a rodeava? Atenção - ele não matou a esposa. Não fisicamente; há maneiras e maneiras de matar.


The Little Photographer

Uma bonita e solitária marquesa está de férias com as suas duas filhas pequenas numa pequena cidade costeira enquanto o marido trabalha. Ela casou com um homem mais velho pelo glamour que o seu título e estilo de vida prometiam, mas nada foi o esperado e ela está constantemente aborrecida, numa existência vazia de aparências e aparições públicas. Corresponde-se com as suas amigas de Lyon, sem compromissos, com amantes e, nas suas cartas, dá a entender ter uma vida completamente diferente.

Enfastiada, conhece um fotógrafo local, coxo, que está claramente fascinado com ela e com a sua beleza - parece-lhe a oportunidade ideal para ter o tão desejado caso extra-conjugal, e divertem-se nas encostas durante a hora da siesta.

Ela está aliás encantada com o poder que exerce sobre ele, com a deferência com que ele a trata (em comparação com a indiferença com que ela responde). Mas quando ele começa a ficar demasiado dependente dela, ela não sabe bem o que fazer - e o caso que ela esperava que curasse o seu aborrecimento leva-a para caminhos obscuros... e ela nunca conseguirá escapar.


Kiss Me Again, Stranger

Esta história foi estranha, inesperada, e talvez a minha favorita. Um jovem mecânico apaixona-se por uma empregada de um cinema. Parece um primeiro encontro inocente - excepto que não é bem um primeiro encontro, pois ele segue-a, e ela no fundo aceita; e ela gosta de cemitérios, e pretty girls make graves.

A rapariga é, de várias formas, pouco comum; o encanto dele por ela é banal. Ele vê-a como sua posse, e nem sabe o seu nome. No dia seguinte, após a abandonar num cemitério (quando tinha intenção de a levar para casa), ele compra-lhe uma jóia. Há demasiados sinais de muita coisa errada nesta história. Ela é enigmática - mas o pior ainda está para vir.

Acaba abruptamente, mas talvez seja o meu conto preferido do livro.


The Old Man

Esta foi a história mais confusa do livro, porque a frase final me apanhou completamente desprevenida e mudou completamente o sentido da história.

Temos um narrador que observa/espia a família vizinha que vive perto de uma praia. A família é-nos descrita: o patriarca cruel, apaixonado pela sua esposa; os filhos, a mais nova, dedicada, o rapaz, grande e trapalhão. Pescam durante o dia, levam uma vida simples. Esta história é muito, muito curta. O narrador, a certa altura, presencia o horror; ficamos sem perceber por que é que o narrador não intervém, por que é que nos relata a situação tão apaticamente, por que é que queremos sequer saber do que ele nos conta.

A última frase muda tudo.

5/5 Daphne du Maurier nunca desilude

Podem comprar uma outra edição em inglês aqui.

Comentários

  1. De Daphne du Maurier só li Rebeca, já este ano e gostei, das adaptações de Hitchcock vi e adorei os dois filmes

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    1. Carlos, recomendo imenso o "A minha prima Rachel", que foi reeditado recentemente pela Presença. Ainda não vi o filme do Rebecca, mas quero muito - e rever este também!

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  2. A primeira foto é dentro do avião? :p

    Clássico Futurama (soa estranho dizer isso, porque Futurama é futuro enquanto clássico costuma ser associado a passado)

    Quero bué ver o The Birds contigo e depois se me emprestares o livro também quero ler :p

    Não percebi se gostaste do conto Monte Verita ou não, podes elucidar sff? :$

    Quanto à The Apple Tree estou bastante curioso, não percebi se com a última frase querias dizer indirectamente que o achavas culpado ou mais culpado, ou se calhar não tem de haver culpa de nenhum lado mas fiquei curioso quanto à tua opinião

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    Respostas
    1. The Little Photographer: damn girl, gostei dessa review, uma pessoa fica com ainda mais vontade de ler :p

      Can't wait por ler Kiss Me Again, Stranger, a ver se também é o conto que gosto mais :p

      Não tenho palavras mas foi dos posts que mais gostei teus Ba, quando gostas de uma coisa dá logo para ver essa paixão :p

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    2. Ah e clássica foto do Hitchcock!

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    3. A foto é no Transilien P a caminho de Verneuil-l'Étang onde saí para ir ao Château de Vaux le Vicomte :p

      Haha clássico Futurama :p temos de ver o filme sim! Quanto ao livro, tens em tua posse e tudo :$

      Comecei por gostar do Monte Verita, depois nheee :$

      Não acho que houvesse culpa na morte da esposa no conto da árvore, apenas acho que ambos estariam já de certa forma "mortos por dentro" à custa de um casamento que claramente não funcionava para nenhum dos dois :(

      Hás de ler, hás de ler :p

      Obrigada :$ acho que os posts são mais fáceis ou quando gosto muito do livro, ou quando o detesto :$

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    4. Pois tenho, que toto, obrigado :p Irei ler em breve!

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    5. Ora bem, cá estou eu, depois de ter lido o livro!
      Curioso olhar para os comentários que fiz ao teu post e a opinião que tenho agora depois de lido o livro :p

      Dei 4/5 ao livro porque gostei de todas histórias menos de uma, ou melhor, não gostei tanto de uma. Isto porque pese embora tenha gostado bastante de algumas, a história que não gostei tanto frustou-me um pouco e por isso seria incapaz de dar a nota máxima. Confuso?

      - Gostei muito do The Birds e quero continuar a ver o filme contigo :p

      - O Monte Verita parece ser um mal amado mas eu gostei bastante, não sei como explicar nem exactamente o porquê mas tem um ar de ficção científica que gostei

      - 'Quanto à The Apple Tree estou bastante curioso' - palavras minhas é certo, e estava bastante curioso mas damn, irritou-me, todas as personagens me irritaram, não direi mais nada sobre esse conto

      - 'The Little Photographer: damn girl, gostei dessa review', e gostei bastante do conto :p foi um conto talvez previsível no sentido da relação e que ia acabar mal, como ia acabar não sei mas havia esse feeling, muito mais visível no The Apple Tree mas disse que não falaria mais nele, mas neste conto The Little Photographer isso não teve problema nenhum porque é sem dúvida o conto mais real de todos, que mais se aproxima da realidade, da vida como ela é e gostei muito

      E tanto gostei muito que era o meu conto preferido dos três que já tinha lido, até chegar ao Kiss Me Again, Stranger

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    6. - O Kiss Me Again, Stranger é muito bom, principalmente a parte inicial que no fundo é quase o conto todo, até irem para o cemitério
      Houve partes que me fizeram rir, não só sentido de achar graça mas no sentido de, uau tão bem escrito e estou a torcer por ele, pela felicidade
      Depois, e já falei contigo sobre isto, disseste que não estavas à espera do que aconteceu no fim mas eu kinda antecipei, o que não fez com que não gostasse do conto, porque gostei muito, mas fez com que o conto seguinte (e último) fosse o meu preferido do livro! Porquê? Porque para além de ser muito bom, o final apanhou-me completamente desprevenido (ao contrário de todos os outros contos que gostei mais, o The Little Photographer e o Kiss Me Again, Stranger)

      - The Old Man, cá está ele, o meu conto preferido do livro! É o mais pequeno também o que talvez tenha dado uma intensidade que eu gosto particularmente nas coisas, na vida em geral
      É o meu preferido porque alberga tudo de bom que os outros contos têm e tem a estrelinha que é subjectiva sempre claro e nos faz gostar mais do amarelo do que do verde :p
      Para além de estar muito bem escrito, de ser cativante, ao ponto de querer saber o que vai acontecer, o final apanha-me completamente desprevenido, não estava à espera daquilo mas em retrospectiva é possível e fez-me rir e fascinou-me e quase que me apetecia ler o conto novamente e talvez o faça

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    7. Posto isto, gostei mais do The Old Man porque estava muito bem escrito (tal como estavam todos), foi cativante, tal como todos (mesmo o The Apple Tree, porque queria mesmo acabar o conto para saber então como é que a mulher o ia tramar!) e imprevisível (ao contrário dos outros, e não digo isto no mau sentido, porque não foram previsiveis ao ponto de saber o fim fim, foram previsiveis ao ponto de saber que ia acontecer qualquer coisa de mau, agora como! De mau entre a mulher e o coxo, entre a miuda e o militar e claramente entre o homem e a ex-mulher árvore - isso não aconteceu no The Birds porque ficou em aberto e o Monte Verita é um caso à parte)
      É claro que pelo repertório da Daphne du Maurier neste livro já sabia que há sempre o terror/horror mas independentemente de como iam acabar os contos dava a sensação que sabias que iam acabar mal para alguém, e graças a alguém, conseguias perceber isso e quem, só não percebias qual a arma do crime vá (excepto, lá está, nos casos The Birds e Monte Verita porque ficaram em aberto, no primeiro caso, e porque foi mindblowing in some way, o segundo) e o The Old Man é simplesmente uau, uma história de uma vida familiar que a poucos interessam mas que torna o nosso planeta tão belo, todos os pormenores

      Os contos por ordem do que gostei mais:
      The Old Man
      Kiss Me Again, Stranger
      The Little Photographer
      The Birds
      Monte Verita
      The Apple Tree

      Peço desculpa por dividir o meu comentário em tantos mas como eram muitos caracteres o blogue não aceitava todos no mesmo comentário :p
      Gostei muito do livro, do teu post e gosto muito do teu blogue, obrigado Ba

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    8. Bué engraçado ver agora o teu comentário realmente :p

      Iremos ver o filme dos pássaros, é claro :p por que dizes que o Monte Verita parece ser mal amado? :$ leste mais opiniões? :o Esse conto frustrou-me, muito longo, perdi-me a meio como sabes, quando terminei tive de voltar a ler o início...

      Mas acho interessante como o Apple Tree the frustrou tanto! As personagens eram péssimas, sem dúvida, mas acho que muito do ponto era esse :p mesmo a previsibilidade do conto, mas não falemos então dele :p

      O Little Photographer era previsível, sem dúvida, sabia-se que ia acabar mal, mas é interessante porque coitada da rapariga frustrada... que finalmente tenta fazer algo por si, mas envolve demasiadas pessoas, ficam demasiado envolvidos, enfim :p bastante real sim, os sentimentos dela!

      Fun fact, o Kiss me Again, Stranger, frustrava-me um pouco porque o narrador chamava "my girl" constantemente a uma rapariga que não conhecia, que mal lhe respondia, que parecia mais apática do que interessada, não consegui torcer por ele nesse sentido, também se entregou demais em pouco tempo, é bizarro logo aí!

      O final do último conto é realmente um "SAY WHAT?" tremendo, a última frase muda completamente o sentido, percebemos o porquê de o narrador ver tanta coisa mas não se envolver. Deu-me vontade de reler para ver se em algum ponto o twist perdia o sentido, se algum momento traía a verdade! Uma história familiar tão despercebida, é verdade!

      "Ex-mulher árvore" é muito bom :p e é verdade, a sensação de algo de errado prestes a acontecer está presente em todos os contos, mesmo os que não "acabam" mal (porque não acabam exactamente) têm uma atmosfera errada.

      Obrigada pelos comentários :$

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    9. Disse que é mal amado porque li mais opiniões sim :p
      Eu sei, eu não senti nada disso mas é assim é assim
      "Apple Tree the frustrou tanto" ahah 'the frustou' muito bom
      Quanto ao facto do narrador chamar "my girl" no conto Kiss me Again, Stranger percebo e também senti isso no inicio mas apenas aí porque mesmo ele faz uma ressalva do género 'bem ela não é a minha miuda mas para mim é como se fosse', o que enfim, independentemente de tudo é diferente
      Não tens de agradecer, eu é que agradeço pelo blogue, muito bom

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    10. Noted :p
      Taaass bem :(((( :$$$$$
      Percebo :p mas tornou-se repetitivo e meio irritante acho :o
      Oh :$ não agradeças :$

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