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Uma Pequena Sorte

Mary Lohan, Marilé Lauría, ou María Elena Pujol?


A D. Quixote diz que este é um thriller, e eu não leio thrillers; fiquei no entanto curiosa com a sinopse sobre uma mulher que tinha de reenfrentar o seu passado, uma mulher que já tinha sido três mulheres diferentes - e quis saber o porquê.

O início do livro é lento - muito lento. Tem algumas partes repetitivas, a reconstrução de um evento, mas ainda assim não sabemos o sucedido, aquilo a que vamos. No entanto, o desconhecido, neste livro, não me fez sentir desconfortável - fez-me sentir ansiosa por saber mais. Há livros (como Crónica de uma morte anunciada) que nos revelam tudo na primeira página; mas nem todos têm de ser assim, claro. Não tendo a perder interesse quando sei pouco sobre a narrativa, e isso é capaz de ser importante - sei que O Informador teve algumas dificuldades em se prender na leitura por este motivo.

Mas, como já disse, esta lentidão no desenrolar da história cativou-me. Sabemos que esta mulher, agora radicada em Boston, agora chamada Mary Lohan, mudou: de aspecto, de voz (com o stress da fuga do país), de cor de cabelo, de roupa, de tudo. É difícil tentar perceber o que leva uma pessoa a precisar de mudar tanto; as pistas iniciais são poucas.

Eu mesma não me reconheço quando me procuro nas fotografias daquela época. Só conservo três fotografias, as três com ele, de três momentos diferentes. Nenhuma com Mariano. Já quase nem as vejo, deixei de o fazer para conseguir curar-me, Robert pediu-me para não olhar mais para elas, e ele tinha razão. 

Temos, portanto, dois mistérios: o que esta mulher fez, que a obrigou a fugir do país, a mudar de nome, de identidade, a querer ser anónima quando se vê, por motivos profissionais, obrigada a regressar; e quem é o ele cujo possível reencontro tanto a angustia, sabendo, desde logo, que não se trata do seu então marido, Mariano.

Em vários momentos, Mary, Marilé, María Elena, conta-nos momentos da sua vida antes do ocorrido - sem o contar exactamente. Sabemos que cresceu numa família relativamente pobre, com uma mãe que nunca ultrapassou uma grande perda, numa casa em que aparecem morcegos; sabemos que teve uma adolescência sem grande destaque, que nunca foi uma pessoa de grande destaque, até que um dia conheceu Mariano que, desgostoso por ter sido abandonado por Marta, a namorada de longa data, decide começar uma relação com ela, sem grande paixão. Porque María Elena, Marilé, nunca foi importante.

Ninguém me vê? Alguma vez alguém me terá visto? Se naquele dia não tivesse estado diante da cancela, alguém me teria visto? Por fim, na farmácia, a mulher da caixa duvida, entrega-me o troco das aspirinas que comprei, mas fica com as notas no ar sem chegar a dar-mas. Olha-me nos olhos: "Sabe que você me faz lembrar alguém?", diz-me ela. As pernas tremem-me. Não consigo responder, espero. Assusta-me, mas também me alivia que alguém me tenha visto, apesar dos quilos perdidos, do meu cabelo vermelho. "Mas não", diz ela, "não quero ofendê-la, se você soubesse quem me faz recordar..." "Quem?", pergunto-lhe, balbucio, mal me faço ouvir, repito sem subir o tom: "Quem?" Não me diz quem, só: "É melhor nem nos lembrarmos dela. Uma porcaria de mulher, esqueça, desculpe..."

E tudo isto enquanto não sabemos o motivo que afastou esta mulher do seu país durante cerca de vinte anos, que a obrigou a desfazer-se da pessoa que fora, desde o aspecto até ao nome, a deixar de pertencer aonde sempre vivera. Quase dá vontade de dizer que deixou amigos e família para trás - mas as suas amizades, tal como o seu casamento, vamos sabendo que eram de pouca importância. Resta saber quem é o ele que ficou para trás, e é isso que, já quase a meio do livro, descobrimos. E, logo após, descobrimos o que a obrigou a fugir.

A identidade é uma busca eterna - e esta mulher leva mais longe a tentativa e erro. E o erro é, obviamente, humano - mas também acaba por ser humano condenar o erro do próximo, e é por isto que a protagonista deste livro passa. Na sua partida da Argentina, depara-se com aquela que é possivelmente não uma pequena sorte, mas a sua grande sorte: a bondade de um desconhecido, que se propõe a ajudá-la sem saber sequer do que ela precisa ou o que lhe aconteceu, e que muda a sua vida após ter perdido tudo o que tinha.

3,5/5

Podem comprar esta edição aqui.

Comentários

  1. 'numa casa em que aparecem morcegos' :o

    Parece estranho o livro, gostava de o ler :p

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  2. Quero mesmo muito ler esta autora, dar-lhe uma oportunidade! Pela nota, não te cativou inteiramente, mas não importa, vou com as expectativas mais baixitas e depois digo-te!

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    Respostas
    1. Ana, a nota deve-se ao facto de eu ter gostado muito do desenrolar da história, do imprevisto, mas não ter adorado o final! Fico à espera que descubras a autora :)

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    2. Vale, a ver si la descubro pronto ;)

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