Anuncio desde já a minha total devoção a Maria Judite de Carvalho.
Por que é que demorei tanto para pegar neste livro? Tendo já lido Tanta Gente, Mariana, e Seta Despedida (e tendo convencido várias pessoas a ler a autora, especialmente o da Mariana, que é o mais fácil de encontrar), demorei demasiado a pegar neste.
Maria Judite de Carvalho tem lugar cativo no meu coração.
Fiquei surpreendida, desde início, na leitura desta obra, por se tratar de um romance - a autora tinha-me "habituado" a colectâneas de contos. Mas isso é bom, porque os contos deixam sempre aquele desejo de algo mais. A protagonista é, mais uma vez, uma mulher sozinha em Lisboa: Dora Rosário, viúva há dez anos. Tendo empobrecido rapidamente após a morte do marido, Dora arranjara um emprego num antiquário, e contava com o apoio dos sogros na educação da sua única filha, Lisa. Dora era uma mulher de rotinas: casa, trabalho, uma mulher algo triste, sem tempo para pensar em si. Tudo isto, até ao 17º aniversário da filha, quando, numa conversa com a sogra, Ana, o seu mundo desaba.
Dormiu, acordou, voltou a dormir e a acordar. Na sua frente, a cara da sogra, agora quase lívida, porque a pele acabara por lhe absorver as tintas, parecia a cara de um cadáver. E Dora Rosário desejou que ela tivesse morrido ontem, anteontem, há três ou quatro horas, mas antes de falar, antes de ter pronunciado aquelas palavras afinal de contas desnecessárias.
Dormiu, acordou, voltou a dormir e a acordar. Na sua frente, a cara da sogra, agora quase lívida, porque a pele acabara por lhe absorver as tintas, parecia a cara de um cadáver. E Dora Rosário desejou que ela tivesse morrido ontem, anteontem, há três ou quatro horas, mas antes de falar, antes de ter pronunciado aquelas palavras afinal de contas desnecessárias.
Introduza-se a narradora, Manuela, uma espécie de amiga de Dora (não se pode dizer que Dora tivesse, realmente, amigos), que se afirma como peça secundária na história que narra, como vítima de efeitos colaterais do dia em que Dora Rosário decide comprar uma saia mais curta e um batom. E, a partir daqui, aquilo que parecia vir a ser previsível, não o é. Não exactamente.
E Manuela não é a narradora mais fiável, pois, como ela própria assume, nunca esteve lá, no local dos acontecimentos:
Tudo podia, no entanto, ter sido assim. É mesmo natural que o tenha sido.
E este livro é lindíssimo porque, mais uma vez, tudo é solidão. Há a ideia do amor, que pode ser volátil ou ter parecido sólido (até ao momento em que se percebe que, afinal, nunca o foi) - mas o marcante, neste livro como noutros da autora, é a solidão, que absorve as personagens, as suas palavras, os seus actos, os seus gestos, se torna, de certa forma, nelas.
É uma narrativa simples, aliás - cheia de emoções humanas, mas simples. Dora Rosário está isolada, mas não sente a angústia ou a tristeza da sua solidão. Faz a sua rotina, tem a sua vida simples e banal. E quando se dá o plot twist final - quando Dora Rosário passa de personagem principal a mais outra que se junta a Manuela no pano de fundo, sentimos que, por mais que Dora tentasse, nunca iria escapar do abismo em que tinha caído.
Era um dia igual a tantos, agora que eu vivia só. Mais um número a subtrair à minha conta-corrente.
É um livro de desencontros, como todos os que li até agora da autora: Dora desencontra-se da memória que tinha do marido, logo, da pessoa que era; desencontra-se de Eduardo, tal como Manuela, Lisa desencontra-se da vida que planeava para si.
Review complicadíssima de escrever porque não queria, de maneira alguma, meter possíveis spoilers. Leiam, por favor. Estou absolutamente entusiasmada por a Editora Minotauro ter pegado na obra desta autora que merece mais atenção.
5/5, claro.
E Manuela não é a narradora mais fiável, pois, como ela própria assume, nunca esteve lá, no local dos acontecimentos:
Tudo podia, no entanto, ter sido assim. É mesmo natural que o tenha sido.
E este livro é lindíssimo porque, mais uma vez, tudo é solidão. Há a ideia do amor, que pode ser volátil ou ter parecido sólido (até ao momento em que se percebe que, afinal, nunca o foi) - mas o marcante, neste livro como noutros da autora, é a solidão, que absorve as personagens, as suas palavras, os seus actos, os seus gestos, se torna, de certa forma, nelas.
É uma narrativa simples, aliás - cheia de emoções humanas, mas simples. Dora Rosário está isolada, mas não sente a angústia ou a tristeza da sua solidão. Faz a sua rotina, tem a sua vida simples e banal. E quando se dá o plot twist final - quando Dora Rosário passa de personagem principal a mais outra que se junta a Manuela no pano de fundo, sentimos que, por mais que Dora tentasse, nunca iria escapar do abismo em que tinha caído.
Era um dia igual a tantos, agora que eu vivia só. Mais um número a subtrair à minha conta-corrente.
É um livro de desencontros, como todos os que li até agora da autora: Dora desencontra-se da memória que tinha do marido, logo, da pessoa que era; desencontra-se de Eduardo, tal como Manuela, Lisa desencontra-se da vida que planeava para si.
Review complicadíssima de escrever porque não queria, de maneira alguma, meter possíveis spoilers. Leiam, por favor. Estou absolutamente entusiasmada por a Editora Minotauro ter pegado na obra desta autora que merece mais atenção.
5/5, claro.
Podem comprar esta edição aqui.
Se alguma vez desistires das coisas do capitalismo, podes dedicar-te só a isto. A ler e a escrever sobre o que lês. Que é bom o que lês e o que escreves. E mais, é extraordinário como és das poucas pessoas com as quais contacto que realmente saber fazer uma pergunta e a faz como deve ser, com um "por que" e não com um "porque". Ah. Tão bom. Nisso tudo só alterava uma palavra que não combina com o resto do texto. =P E só hei-de comprar um livro no próximo mês, há-de ser a Maria Judite Carvalho e há-se ser, essencialmente, por tua culpa.
ResponderEliminarQue elogio ridiculamente enorme, Olga! Já sabes quem será o próximo talento literário a sair da Aldeia da Ponte :p qual a palavra que alteravas? Haha (e sim, o eterno "por que" também me apoquenta)
EliminarVou querer saber tudo dessa aquisição, gosto de saber aquilo de que me acusam!
'Maria Judite de Carvalho tem lugar cativo no meu coração.' ohh, that's nice
ResponderEliminar'E este livro é lindíssimo porque, mais uma vez, tudo é solidão.' nem sei o que dizer, essas palavras são tão tu Ba, gosto muito de ler o que escreves
E sinto a paixão que tens aos livros, à Maria Judite de Carvalho p.ex., e dá vontade de ler o livro, isso é tão especial e raro
Dos posts que mais gostei
Não tão grande como o teu :p
EliminarOh :$ também to posso emprestar, é claro :p eu gostei mesmo muito! Mil obrigados :$
Diz lá "solidão" e seus derivados e sinónimos mais uma vez para eu ir já requisitar este livro! É uma das minhas palavras-chave quando procuro um livro. E aquele parágrafo que transcreveste "Dormiu, acordou (...)" é avassalador.
ResponderEliminarTambém sou uma das que converteste a esta deusa das palavras!
Paula
Solidão :D fico à espera da tua opinião, Paula! Eu adoro Maria Judite de Carvalho e estou mega feliz por o grupo Almedina estar agora a pegar na sua obra e a editá-la na íntegra!
EliminarDesconhecia esta autora mas já está na lista! Obrigada pela sugestão.
ResponderEliminarFico feliz por influenciar pela positiva, Maria :)
EliminarNem preciso de dizer que já o tenho anotado! A minha biblioteca tem-no :D :D
ResponderEliminarObrigada por mais uma opinião brilhante!
Que bom! Adorei este, mal posso esperar para saber o que achas!
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