Não o filme fofinho da Disney.
Porque, apesar de Bambi ser um dos filmes mais negros da Disney (com a morte da mãe, é claro), continua a ser muitíssimo mais leve que este livro. Não se deixem levar pelo título, ou pelas belas ilustrações da edição E-Primatur: esta obra não é para crianças.
Queria ler o original de Felix Salten há uma quantidade absurda de anos, até por ter noção de que fora banido durante o regime Nazi, não só pelo facto de o autor ser judeu, mas pela potencial alegoria política que a narrativa representava.
E, é claro, esta edição da E-Primatur estava debaixo de olho há anos. Foi desta que a comprei (em conjunto com Lassie, em mega promoção na Feira do Livro), e a leitura foi especialmente induzida pela temática de Outubro do desafio da Rita - animais.
Esta é a história de crescimento de um veado, com todas as ramificações da sua vida. A história passa-se numa floresta, nunca identificada, mas possivelmente inspirada pelos Alpes que Felix Salten conheceu. A floresta natal de Bambi parece idílica, uma fuga à humanidade, um paraíso para os animais - mas essa ideia não permanece por muito tempo. O livro é profundamente negro - e os animais nunca estão livres do seu receio "Dele". Ele, que invade a floresta e interrompe a sua paz, Ele que cheira a morte, um predador com um "terceiro braço" que destrói e mata, à distância, aparentemente sem motivo.
Muitos livros infantis sobre animais retratam o mundo como um lugar bom, mas esta floresta não o é. A morte, e a morte violenta, são aceites como parte do ciclo natural da vida.
Num aparte - Felix Salten escreveu este livro em 1923, pouco depois do final da Primeira Guerra Mundial. Talvez não seja assim tão surpreendente que a sua visão da relação do Homem com o mundo seja tão negativa... a falta de humanidade da guerra fazia parte da memória colectiva recente, e a natureza apelava, como fuga ao moderno da destruição e da guerra.
Mas a floresta, e o mundo de Bambi, distinguem-se por não fornecerem essa fuga. A morte está em todo o lado. Até mesmo nas árvores...
Felix Salten parece conseguir captar na perfeição como é ser um veado. Mostra-nos como Bambi aprende que os veados não matam outros animais, nem lutam por comida, e que têm inimigos naturais. Que, para eles, só é seguro ir para os prados muito cedo de manhã, ou durante a noite, não obstante o quão bom é correr lá, livremente. Bambi aprende os sinais de perigo, a temer tempestades, a encontrar outros animais e a compreendê-los e os seus lugares na floresta. Acompanha a sua mãe, e conhece os seus primos, os gémeos Gobo e Faline. Vê, à distância, outros veados, machos, e sabe que um deles será o seu pai.
O Verão torna-se Outono, que se torna Inverno - todos os veados se tornam mais próximos, nos meses duros com menos comida e calor. Conhecemos Marena e Netla, bem como alguns machos, como Ronno, que fora atingido por Ele, mas sobrevivera. E, pouco tempo depois, Ele surge - e, tal como no filme, nunca mais vemos a mãe de Bambi. E nem todos os animais se dão tão bem no Inverno, com a escassez de alimento, as inimizades naturais revelam-se.
Acompanhamos Bambi na sua adolescência e na idade adulta, com muita angústia para o final do livro. É desolador, mas também traz alguma esperança, quando Bambi aprende que Ele é tão parte do mundo, e da natureza, quanto os veados, quanto os outros animais da floresta - são (somos) todos parte de algo maior. Ninguém descreve a natureza tão bem quanto Felix Salten.
Bambi cresce, desenvolve relações diferentes com cada um dos seus pais e familiares, vê os seus amigos crescer, vê o amor, conhece o medo, o perigo, a morte. Mas é uma história mágica, de amizade, coragem e bondade, com muitas lições a retirar. Não importa o quão difíceis as coisas ficam, Bambi não desiste, e aprende a não seguir o caminho mais fácil. Bambi sai das adversidades mais forte.
A responsabilidade Dele, do Homem, enquanto espécie "dominante" (ou com um poder de aniquilar o outro com demasiada facilidade, por livre arbítrio, sem necessidade real ou rivalidade natural) acarreta enormes responsabilidades. Frio, distante, mortal, é o pior inimigo dos animais da floresta. Mas todos merecem o nosso respeito - não devem ser mortos pelos nossos desejos, mas sim cuidados. E talvez seja esta a mensagem que levou ao livro ser banido.
Desconhecia e fiquei presa!
ResponderEliminaré um excelente livro. recomendo muito :)
EliminarMuito interessante, desconhecia que o livro tinha sido proibido no regime nazi.
ResponderEliminarfoi, sim! suponho que seria sempre, por o autor ser judeu - mas o conteúdo também dá azo a certas interpretações...
EliminarConfesso que só vi bocadinhos do Bambi, e os meus filhos nem passaram os olhos por ele. Somos uma família de chorões, não vale a pena o sofrimento. :-)
ResponderEliminarPaula
Não obstante o sofrimento, que não nego, vale imenso a pena, porque é um filme maravilhoso!
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