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The Remains of the Day

What does it mean to be a great butler?



É esta a questão que Mr. Stevens nosso narrador, se coloca frequentemente ao longo do livro. The Remains of the Day não é um livro longo, mas engloba várias questões sobre o propósito das nossas vidas. Mr. Stevens é um homem que se define pelo seu trabalho - é mordomo e orgulha-se muito de ter servido Lord Darlington, numa casa bem frequentada por gente distinta, e é visível que o facto de ter trabalhado numa posição de destaque para alguém "de importância", bem como a dignidade, têm muito valor para responder a essa pergunta.


Mas, novamente, Lord Darlington já não se encontra entre nós, e a sua casa (staff incluído) é adquirida por um americano, que lhe dá alguns dias de férias. Mesmo esta viagem é encarada com um fim profissional: visitar uma antiga colega, governanta na casa de Lord Darlington, e convidá-la a regressar ao serviço. E é assim que Mr. Stevens, o mordomo, se vê numa viagem de carro de cinco dias, durante os quais pensa no seu passado.


É fácil ler nas entrelinhas das memórias de Mr. Stevens; apesar da dignidade e lealdade demonstradas, acaba por não ser um personagem a admirar, por ser quase robótico, frio e distante, por ser tão devoto à sua profissão que acaba por deixar escapar momentos fulcrais da sua vida.


Agora (a narrativa divide-se no pré-Segunda Guerra Mundial e cerca de 15, 20 anos mais tarde, na década de 1950), Mr. Stevens parece ter-se virado para a introspecção e recordar com alguma emoção desses mesmos momentos. É aqui particularmente importante a figura de Miss Kenton, aquela a cujo encontro vai nesta viagem inédita: Miss Kenton é calorosa, afectuosa, apaixonada pela vida e pelo trabalho, procura constantemente relacionar-se de algum modo com Stevens e nele encontra uma barreira intransponível, a máscara do profissionalismo que não deixa passar nenhuma emoção.


E, assim, Stevens confronta as consequências das suas decisões. Longe da casa que sempre serviu, despe um pouco a pele de mordomo (na qual continha a sua identidade) e começa a perceber onde falhou e aquilo que poderá, talvez, ainda recuperar, naquilo que resta da sua vida. Por não acreditar na separação da vida privada e da profissional, a sua vida emocional foi estéril - não só em termos amorosos, mas também na relação com o seu pai (que considerava ter sido, também, um great butler).


"The fact is, of course," I said after a while, "I gave my best to Lord Darlington. I gave him the very best I had to give, and now - well - I find I do not have a great deal more left to give."


A ideia de "grande mordomo", inicialmente tão clara, começa a tornar-se confusa; percebemos que este conceito acaba por disfarçar os sentimentos de mediocridade de Stevens, que menciona vários momentos em que é confrontado com ideias que desconhece ou situações que o transcendem, fazendo-o sentir-se inferior. Assim, acaba por concluir que aqueles que não podem, por si só, ser "grandes", têm como propósito servir os grandes - ou seja, o seu valor medir-se-á pelo valor daqueles que serviu - e o ponto doloroso é quando Stevens eventualmente aceita o facto de ter dedicado trinta anos da sua vida a servir um simpatizante Nazi.


Este livro acaba por ser mais sobre o que não foi dito, o que não foi feito, o que não se concretizou; sobre as ilusões e consequentes desilusões de um homem que se esqueceu de si próprio na devoção a um trabalho, mas sem poder compreender totalmente o seu arrependimento, sem poder admitir que não viveu a sua própria vida - aí não haveria mais nada à sua espera, a sua vida teria sido inútil, desperdiçada. É um livro imensamente doloroso. Stevens não conheceu a amizade, o amor, mas apenas a solidão e o isolamento, disfarçados naquilo que ele considera ter sido uma carreira de imenso sucesso (e da qual começa ainda assim, agora, a duvidar).


Vi o filme meses antes de ler o livro e, sendo uma boa adaptação, perde um pouco nalgumas das cenas centrais e no final.


5/5


Podem comprar uma outra edição em inglês na wook, ou na Bertrand; ou em português, na wook ou na Bertrand.




Comentários

  1. Só li este livro de Ishiguro, mas gostei mesmo muito e concordo, o mais interessante do livro é o que não foi dito mas que se consegue perfeitamente entender pelo que sendo narrado exemplarmente.

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    1. Também só li este, e é belíssimo. Há mesmo muito para ler nas entrelinhas. Creio que o próximo será o The Buried Giant, por me ter sido muito recomendado.

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  2. Um livro que quero muito ler e esta review deixou-me ainda mais curiosa. Não sabia que havia uma adaptação.

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    1. O livro é melhor que o filme, do qual gostei, mas que julgo ser polarizante! Recomendo mesmo esta leitura :)

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