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Essa Dama Bate Bué!

Este livro chamou imenso a minha atenção pela capa, pelo título e pela premissa.


A protagonista é Vitória que, tal como Yara Monteiro, nasceu no Huambo, em Angola, e veio com a família materna viver para Portugal muito, muito cedo. Filha da revolucionária Rosa Chitula, que fora afastada da família por se envolver na guerra civil, com ideias muito diferentes das do pai, assimilado, Vitória cresce sem mãe, sob a austeridade dos avós, que a criam para ser uma boa esposa.

Tinha, aliás, um noivo, mais por conveniência que por qualquer outra coisa. E, semanas antes do seu casamento, no ano de 2003, Vitória vai para Luanda quase sem pré-aviso.

«Tudo o que hoje preciso é de um casamento. Com certeza não tenho de ir. Nem conheço os noivos. O meu, daqui a três semanas. Um erro, o Dinis. (...)»

Isto porque Vitória decide procurar a sua mãe, e parte para Angola apenas com dois nomes como pistas: Zacarias Vindu e Juliana Tijamba. Em Luanda, é prontamente recebida por Romana, antiga amiga da sua tia Isaltina, viúva e mãe de duas filhas gémeas, Nádia e Katila, que gostam de sair à noite e de gastar dinheiro, e cujo primo está envolvido na política.

«Faz de conta que estás na tua casa» é uma formalidade da boa educação que intenta colocar a pessoa convidada à vontade. É bem-intencionada mas é falsa. Ou, pelo menos, assume que os hábitos na nossa casa são os mesmos do que dos de quem nos recebe. Por norma, não é o mesmo. Não fazer de conta que estamos na nossa casa é meio caminho andado para garantir uma boa convivência quando se é visita.

Em Luanda, Vitória sai à noite com as filhas de Romana, tenta integrar-se mas não consegue (por exemplo, não se veste como elas - não ia, aliás, preparada para sair à noite), sente antipatia e hostilidade, não está habituada aos costumes locais, à pobreza, à violência que retrata, especialmente nas classes mais pobres do país - vejam-se os relatos das empregadas (duas! Mãe e filha, num ciclo inquebrável) de Romana, demonstrando contrastes sociais que marcam muito a narrativa.

Quando Vitória menciona a Romana os dois nomes com que ia munida na sua missão, descobre que Zacarias Vindu é conhecido da sua anfitriã: "manda bué no país", e tem muito dinheiro, cuja proveniência se assume ser das armas. Vitória consegue um encontro com o general, que alega não conhecer Rosa Chitula mas promete ajudá-la - se ela o ajudar em recitais de poesia.

O tempo vai passando em Luanda, mas é no Huambo, onde nasceu, que Vitória acredita poder encontrar a sua mãe. E é no Huambo que descobre Juliana Tijamba, com quem vai ter em busca de novas pistas do seu passado. Juliana, "Mamã Ju", estivera ao lado de Rosa na guerra civil, denotando o papel das mulheres no conflito, e conta sobre este à jovem.

É a primeira vez que Vitória ouve alguém falar-lhe abertamente da guerra. O propósito de mamã Ju não é chocá-la. É partilhar com ela a sua verdade.
Na família de Vitória, nunca se falou da guerra em Angola. É tabu.
Mamã Ju continua:
 - Pessoas que tu conhecias, de repente, viraram demónios - lamenta-se.

Mamã Ju conta a Vitória sobre o seu nascimento, e sobre a sua mãe, de quem fora próxima, mas parece saber mais do que escolhe revelar. Entre momentos trágicos, Vitória aproxima-se da mulher, podendo contar com ela no momento final quando os fantasmas antigos finalmente regressam.

O livro faz um bom retrato de várias questões sociais e económicas em Angola, desde a guerra aos contrastes de posses nas grandes cidades, bem como as concentrações de poder nas mãos de uns poucos. Usa várias expressões tipicamente angolanas, com ajuda de notas de rodapé para quem, como eu, não as conhece particularmente. Um único senão que aponto - mas que poderá ter sido, por algum motivo, propositado - é o facto de a narrativa do livro passar, algo abruptamente (no capítulo 21), da primeira para a terceira pessoa, algo que me deixou confusa.

3,5/5

Podem comprar esta edição aqui.

Comentários

  1. Nunca ouvira falar, das dificuldades da vida em Angola tenho tomado conhecimento com Ondjaki por norma divertido mesmo a falar da miséria

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    1. É um lançamento recente, este, interessante por ser do ponto de vista de alguém que cresceu em Portugal. De Ondjaki, da prosa, li apenas "Os da minha rua", e concordo com o que o Carlos diz - é difícil esquecer a história das irmãs que tinham de partilhar uns óculos, por exemplo.

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  2. Fiquei bem curiosa com esse livro! Beijinhos*

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  3. É um livro que chama a atenção sem dúvida :p
    A ideia geral do livro parece-me interessante também, talvez um dia to peça emprestado!
    Gosto sempre de ler as tuas reviews

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    1. talvez um dia partilhemos estantes e seja mais fácil roubar livros um ao outro :$

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    2. imagino golpes de risquinho a entrar na utilização das estantes :o

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    3. Então aí já seria roubo e não furto :p Se existir violência é roubo é o que quero transmitir! E claro que seria tudo muito fofinho maaaas isso já não tem nada que ver com o livro de que falas no post por isso essa conversa fica para depois :p

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