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A Biblioteca

Bárbara Ferreira vai à biblioteca / requisita um livro intitulado A Biblioteca.


Muita da minha curiosidade prendia-se também com a minha vontade de escapar ao cânone literário mais "comum", em termos de nacionalidades. Ex-Jugoslávia é sem dúvida uma lacuna enorme nas minhas leituras... Peguei, portanto, neste pequeno volume, sem saber ao que ia. Apenas sabia que seriam contos, por o ter tirado dessa prateleira (estou a adorar simplesmente olhar para as prateleiras da biblioteca e tentar perceber onde raio poderá estar o livro que procuro).

Vi este livro frequentemente descrito como "fantasia", mas diria que é um mundo mais de Kafka que  de JK Rowling (das 72 páginas que li em 2001). Zoran Živkovic presenteia-nos com seis contos absurdos sobre bibliotecas e livros, nos quais é constante o questionar sobre o que se está a passar - seja por parte das personagens, seja por parte do leitor. Abre-se o desafio ao leitor para tentar compreender as histórias, mas também apreciar o absurdo até se chegar à história final, que consegue ser mais improvável que as demais.

Eu, pelo contrário, não estranhei nada. Não permiti que nenhuma dessas questões embaraçosas me inquietasse. Já havia muito tempo que tinha percebido que o mundo está cheio de coisas estranhas que não podem ser explicadas. Não vale a pena empenhar-me nesse assunto. Aqueles que mesmo assim o tentam, acabam por ficar apenas infelizes. E porque é que uma pessoa seria infeliz se não precisa de o ser? As coisas estranhas têm simplesmente de ser aceites como tal, sem explicações. E dessa maneira é mais fácil habituarmo-nos a conviver com elas.

No primeiro conto, Biblioteca Virtual, um autor depara-se com a terrível tarefa de apagar e-mails de spam, até que um lhe aguça a curiosidade, por prometer tudo aquilo que já fora publicado numa simples base de dados da internet. Ao cair no "engodo", fica assustado não só pela violação de direitos de autor sobre a sua obra, mas também por alguém parecer saber tanto sobre o seu futuro... a situação fica tensa.

Na Biblioteca Particular, um homem recebe vários volumes amarelos das obras da Literatura Universal na sua caixa de correio, de forma absurda. Não sendo um leitor habitual - não tinha sequer livros no seu pequeno apartamento -, não sabe bem o que lhes fazer, e começa a armazená-los no quarto.

A Biblioteca Nocturna traz-nos um homem que chega à hora de fecho da biblioteca, se julga trancado lá o fim de semana inteiro, e se depara com uma biblioteca que existe apenas à noite, e onde, ao contrário do primeiro conto, se sabe tudo sobre o seu passado.

Comecei a virar as páginas com impaciência, afastando-me do fim da pasta em direcção ao passado. Estava à procura de umas datas especiais na minha vida passada. Dos dias em que acontecera uma coisa que ninguém mais podia saber. Nem precisava de saber. Nem tinha a autorização para saber. Mas mesmo assim sabia.

Somos transportados para o inferno na Biblioteca Infernal, um conto extremamente irónico, repleto de humor negro.

Na Biblioteca Minimal, um aspirante a escritor conhece um alfarrabista cego que lhe promete ter exactamente aquilo de que ele precisa.

Por último na Biblioteca Requintada, o livro fecha-se numa história ainda mais absurda que as outras, mas que as junta, num enorme dilema para um homem que de repente descobre um livro de bolso (está traduzido como tal, mas creio que poderá ser um simples paperback) no meio da sua biblioteca requintada, repleta de edições de capa dura.

Continuei a comer, esforçando-me por perceber de que se tratava. Estava convencido de que já o tinha experimentado. Estava a gostar, talvez até mais do que de tudo o que comera antes. Quando acabei de engolir o último pedaço, o prazer que senti foi um pouco estragado pelo facto de não ter adivinhado o que era.

Živkovic faz com que tudo isto funcione: e é um livro muito rápido e fácil de ler, fácil de devorar nalgumas horas (viagens de autocarro). Para mim, peca naquilo que muitos contos pecam: a vontade que o autor tivesse levado algumas ideias mais a fundo.

De certa forma, mais do que fantasia, os contos parecem metáforas para aqueles que gostam ou trabalham em livros; a forma como há sempre espaço para mais um livro num pequeno apartamento, como gostaríamos de ser condenados a ler para toda a eternidade, como um escritor gostaria de saber a sua futura obra a publicar... (confesso que, pessoalmente, adoro livros de bolso/paperbacks, portanto esse preconceito não se aplica a mim).

É um livro ideal para quem gosta de livros, e fico à espera de conhecer mais da obra deste autor.

4/5

Podem comprar uma nova edição aqui.

Comentários

  1. Li este e abandonei outro deste autor... Deste gostei particularmente do conto Biblioteca infernal. Nos outros encontrei sempre alguma coisa que me irritou... por isso não posso dizer que queira continuar a conhecer mais obras deste autor... Não me caiu no goto.

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    1. Não é claramente um autor para ti, Ana :) Não amei absolutamente este livro, mas achei engraçado e foi bom para passar o tempo!

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  2. Fiquei super curiosa para ler o livro. Confesso que não conhecia.

    Obrigada.
    Beijinhos,
    Cláu.

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    1. É um livro engraçado sobre bibliotecas que talvez existam numa realidade alternativa :) beijinhos!

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  3. Noto um padrão nas últimas leituras? Livros sobre livros? :-)
    Olha, já leste mais 72 páginas de Harry Potter que eu! Mas gosto muito da não-fantasia da JK.
    Isso de procurar os livros nas prateleiras tem dois resultados diferentes comigo: se estou com pressa, é um stress e já nem vejo as letras; se tenho tempo, acabo por trazer algo que não fazia parte dos planos.
    Paula

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    1. Livros sobre livros! E, na altura em que li este, li ainda um outro - review virá a seu tempo :)
      Hahaha, eu tentei ler o primeiro quando tinha 11 anos... não passei dali e nunca mais li nada da autora...
      Pois, compreendo bem :) eu como, nesta altura, fui com tempo, deu para me divertir a explorar e pude seleccionar autores completamente diferentes do que costumo ler!

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  4. Curioso fiquei, aliás gosto de livros que falam de livros, livrarias e bibliotecas. Sobre escritores da ex-Jugoslava há sempre Ivo Andric, um Nobel da literatura, sei que tem 3 traduzidos pelo menos li 2: A crónica de Travnik de que gostei muito e passa-se no período da expansão napoleónica quando o país pertencia ao império otomano e é a visão do cônsul francês naquela cidade onde a cadinho de religiões e culturas se mistura. A ponte sobre o rio Drina, ainda gostei mais, são gerações de história em torno daquele monumento mundial que unia povos de culturas e religiões diferentes, amigos em tempos de paz... capazes de ódios entre eles quando algo os inflama, frequentemente causas externa.
    Falta-me O pátio maldito.

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    1. Li, entretanto, e precisamente, O Pátio Maldito! Soube-me a muito pouco e fiquei com curiosidade acerca do trabalho de Ivo Andric, nomeadamente A Ponto sobre o Drina. Fico muito feliz por ver que o Carlos recomenda de facto essa obra. Tenho de ler ambos. Muito obrigada pela recomendação!

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  5. I see what you did there
    Partilho da tua curiosidade em relação a literatura vinda da Ex-Jugoslávia
    Fico muito feliz por estares a gostar tanto desta nova fase da tua vida literária :p

    'Eu, pelo contrário, não estranhei nada. Não permiti que nenhuma dessas questões embaraçosas me inquietasse. Já havia muito tempo que tinha percebido que o mundo está cheio de coisas estranhas que não podem ser explicadas. Não vale a pena empenhar-me nesse assunto. Aqueles que mesmo assim o tentam, acabam por ficar apenas infelizes. E porque é que uma pessoa seria infeliz se não precisa de o ser? As coisas estranhas têm simplesmente de ser aceites como tal, sem explicações. E dessa maneira é mais fácil habituarmo-nos a conviver com elas.' gostei muito

    E gostei muito do post, o livro parece incrível

    'como gostaríamos de ser condenados a ler para toda a eternidade' só tu dirias tal coisa :p

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    Respostas
    1. :$$$

      Realmente é uma zona de onde li muito pouco :p e quero ler mais! :o

      Está a ser uma vida diferente sem dúvida :$ muitos livros para os quais quiçá não olhasse duas vezes!

      Oh, não seria só eu a dizer isso não :$$$$$

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