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Os Livros Que Devoraram O Meu Pai

Comecei a ler Afonso Cruz por um dos seus livros juvenis.


Há anos que ouço falar/me recomendam que leia este autor, e, sem ser o conto do Expresso, nunca tinha lido mais nada. O conto do Expresso deixou-me reticente, e confesso que este livro ainda deixou mais. Vi, no entanto, pela opinião da Rita, que este está muito aquém de outros, mais recentes... a ver se lhe darei uma nova oportunidade.

Este livro tem como protagonista Elias Bonfim, um rapaz que nunca conheceu o seu pai, Vivaldo, porque este se perdeu num livro.

Quando faz 12 anos, a sua avó apresenta-o ao sótão onde o seu pai guardava todos os seus livros. A partir daí, Elias começa a ler avidamente, na esperança de encontrar o seu pai, começando pel'A Ilha do Doutor Moreau, onde o seu pai se perdera, mas lendo também a obra de RL Stevenson (menos O Clube dos Suicidas, que é mencionado com algum pretensiosismo), Inferno, Crime e Castigo e Fahrenheit 451. Esta parte, em que ficção e "realidade" (a de Elias Bonfim, vá) se misturam, é até engraçada. Eu já li quase todos os livros (menos o do HG Wells) e, tendo em conta que é um livro para um público mais jovem, talvez desperte a curiosidade por clássicos a leitores mais novos, não obstante estar carregado de spoilers.

O meu pai só pensava em livros (livros e mais livros!), mas a vida não era da mesma opinião, a vida dele pensava noutras coisas, andava distraída, e ele teve de se empregar. A vida, muitas vezes, não tem consideração nenhuma por aquilo de que gostamos. Contudo, o meu pai levava livros (livros e mais livros!) para a repartição de finanças e lia às escondidas sempre que podia. Não é uma atitude que se aconselhe, mas era mais forte do que ele. O meu pai amava a literatura acima de tudo. Punha sempre um livro debaixo de modelos B, impressos de alteração de actividade e outros papéis de nomes ilustres, e lia discretamente, fingindo trabalhar. Não era uma atitude muito bonita, mas o meu pai só pensava nos livros. Foi isto que a minha avó me contou com os seus pensamentos cheios de rugas na testa. 
Nunca conheci o meu pai. Quando nasci já ele não andava aqui neste mundo.

Na sua vertente de "livro sobre livros", gostei d'Os Livros que Devoraram o meu Pai.

O meu grande problema com este livro prende-se com a outra face da narrativa: o amigo gordo e diabético, Bombo, e a Beatriz lá da escola por quem ambos são apaixonados. Toda essa parte do livro me perdeu, e o facto de o final ser centrado nestas personagens (de modo bastante repentino, na minha opinião) , bem como num sentimento de arrependimento que parece querer ser expiado pelo livro, só acrescentou a isso.

Os livros encostados uns aos outros, numa prateleira, são universos paralelos!

(...o quê, Elias?)

...A parte da procura pelo pai era simplesmente muito mais interessante. Ainda que copiando um bocado a premissa de Jonathan Safran Foer em Extremely High and Incredibly Close, que li há quase dez anos e de que, segundo me recordo, gostei muito mais. Passa de um livro sobre livros para um livro sobre livros cujos dois ou três últimos capítulos se resumem em "fiz bullying ao meu melhor amigo porque a rapariga de quem eu gostava gostava dele, não correu bem e vivi os 60 anos seguintes da minha vida amargurado, tendo desistido do meu pai algures no meio".

2,5/5 lamento (e isto porque se lê bem, senão era menos)

Podem comprar esta edição aqui.

Comentários

  1. Não conhecia o autor nem o livro, parece super interessante! Beijinhos*

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    1. Se consegui despertar interesse mesmo com esta minha descrição do fim, devo ter feito algo ou muito certo ou muito errado :) beijinhos!

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  2. Li-o há uns anos, gostei, sobretudo porque pode ser um aperitivo aos mais novos para despertar interesse pelos clássicos. Dele gosto sobretudo de A boneca de Kokoshka, os outros que li tem sempre um tom um pouco untuoso para a lamechisse e este dos devoradores isso também se sente, foi por isso que não me atrevi a ler as suas obras de maior dimensão.

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    1. Carlos, concordo perfeitamente com a parte de poder despertar interesse nos clássicos. É um dos pontos redentores do livro, para além da premissa ser interessante. No que se refere à lamechice, sim, sem dúvida: o final absurdo, abrupto e sentimental enquadra aí perfeitamente. Talvez procure esse que refere; não fiquei particularmente entusiasmada para outros livros do autor...

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  3. Fiquei super curiosa com o livro apesar de algo reticente com o final... Mas nunca tinha ouvido falar dele e o conceito de "pai perdido nos livros" é demasiado atractivo. Talvez lhe dê uma oportunidade! :)

    Http://randomutopias.blogspot.com

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    1. O livro até estava a ser engraçado, fora um toque mais ou menos pretensioso, até ao final. Achei o final péssimo! Mas talvez para ti o livro funcione melhor :)

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  4. Não acho que este livro sirva de referência para a obra do Afonso Cruz, aliás, nem parece escrito por ele. É como ler David Machado e depois ler os livros infantis dele: são o Dr. Jekyll e Mr. Hyde, porque também quero ser pretensiosa. Ah! Ah!
    E não acho de todo credível que um miúdo de 13 anos lesse Crime e Castigo e E.E. Cummings. Nem eu que já tinha a mania sabia quem esses eram! E por que é que as pessoas acham OK contar o enredo todo dos clássicos se não o fariam com outros livros? Porquê?!!
    Mas achei-o divertido e com algumas ideias interessantes, como a da interpretação das memórias e os remorsos por um acto impensando na juventude, mas o Julian Barnes fê-lo muito melhor com outro público-alvo, no Sentido do Fim.
    Até parece que não gosto do AC, mas gosto mesmo muito dos outros que li. Se houver na biblioteca, um dia, talvez possas trazer a Enciclopédia da Estória Universal - Recolha de Alexandria, para ires desfolhando enquanto bebes um café.
    Paula

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    1. Não o tomarei como referência, então :) nunca li David Machado mas confesso estar curiosa, tanto quanto ao seu trabalho para adultos como aos livros infantis - a ver se meto a mão nalgum livro dele! Saiu agora uma edição BIS e tudo...
      Talvez um miúdo de 13 anos até lesse Dostoevsky, mas será que ia retirar muito da leitura? Será que um livro daquele volume e densidade lhe iria apelar, por mais maduro que o garoto fosse?
      Muito bom ponto sobre os spoilers! Acabo de ler "The Thirteenth Tale", de Diane Setterfield, livro do qual gostei fora a história da narradora, em geral, e há uma certa homenagem às irmãs Brontë e outros vitorianos afins. O Jane Eyre é basicamente resumido a certa altura... eu por acaso já li - por acaso.
      Acho a ideia dos remorsos etc interessante, o meu problema é que, neste livro, surge do nada, nos últimos talvez três capítulos. Parece que o autor teve duas ideias mas não as quis desenvolver em livros autónomos, e ambas ficam incompletas num só livro!
      Vou pedir esse na biblioteca :) já vi que existe em Marvila, que me fica super fora de mão. Ainda não usei o sistema de pedir livros de outros sítios!

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    2. É giro que o Deixem Falar as Pedras do Machado também tem um puto gordo, mas ele é muito mais do que isso. Ah, e ele escreve MUITOS palavrões, o que afasta alguns leitores.
      E se não gostares de um nem de outro, dá-lhe forte e feio aqui no teu blogue, que eu não sou de ficar milindrada com outros pontos de vista. Eu e a Ana, por exemplo, estamos de tal forma nos antípodas com o Sentido do Fim, que parece que lemos dois livros diferentes!
      Também tenho o Thirteenth Tale, mas tenho de lhe dar um tempo porque vi o filme. Mesmo não sendo a mesma coisa, ainda está tudo muito presente.
      Paula

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    3. Sou da opinião que palavrões também fazem parte da língua portuguesa, e a não ser que sejam usados para mero "shock value" (e apesar de não os usar) aceito-os perfeitamente!
      Haha, eu opto sempre pela honestidade, mesmo que doa :) não tenho motivos para falar bem de livros quando não os aprecio!
      Eu vi o filme há três anos, e foi isso que me incentivou a ler este livro - gosto muito do mistério, e está bem escrito. Apenas não adorei a história dada à protagonista (no filme está mais bem conseguido, eu acho). Mas isso é para outro post! :)

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  5. 'Eu já li quase todos os livros (menos o do HG Wells)' engraçado como desses, embora os tenha para ler, apenas li precisamente o do HG Wells xD

    'A vida, muitas vezes, não tem consideração nenhuma por aquilo de que gostamos.' bem isso é verdade

    'Contudo, o meu pai levava livros (livros e mais livros!) para a repartição de finanças e lia às escondidas sempre que podia. (...) e lia discretamente, fingindo trabalhar.' estou a ver que o autor não quis ajudar muito à reputação dos funcionários públicos

    Pelo que li toda a ideia à volta do pai parecia bem interessante agora o resto.. e como dizes "fiz bullying ao meu melhor amigo porque a rapariga de quem eu gostava gostava dele, não correu bem e vivi os 60 anos seguintes da minha vida amargurado, tendo desistido do meu pai algures no meio" parece simplesmente.. desinteressante? Como diria o outro, sad.
    Mas gosto como deste oportunidade e ainda darás outra, aprecio isso, há obras e obras, momentos e momentos, tal como há escritores e escritores; acho no entanto que mais do que duas oportunidades já são oportunidades a mais

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    1. Not true, leste o Dr Jekyll and Mr Hyde :p

      E true that :p não me tinha apercebido dessa parte dos funcionários públicos!

      Sim, é uma mudança de narrativa muito bizarra, primeiro a inserção da vida escolar do protagonista parecia querer inseri-lo numa vida "normal", de repente torna-se no final do livro e oblitera tudo o resto... foi estranho.

      Uma das oportunidades que dei foi um conto e não desgostei totalmente, apenas não me pareceu tão incrível como costumam pintar este autor :p a ver vamos!

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    2. Ah sim, nem me apercebi da referência, realmente falaste do autor! Li e gostei bastante mais pela ideia em si do que pelo livro num todo :p
      A ver vamos!

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    3. Tu vais ler e eu ouvir o que tens a dizer no final tal como irei ler as tuas reviews :p mais que isso duvido, há tantos livros e autores que quero ler e este não é um deles

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    4. Não julgo :p e mais que isso, agradeço :o

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  6. Comecei a ler Afonso Cruz com este livrito e, no geral, gostei muito, embora concorde totalmente contigo em relação à parte final - não gostei nada...
    Entretanto já li mais obras dele e esperava mais dos Guarda-chuvas. Já li mais dois ou três e acho que o homem tem traços de genialidade, que devem ser conhecidos por todos. Não desistas já, tenta ler outros dele, porque de certeza que vais fazer as pazes com ele!

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    1. Eu estava a achar engraçado-para-o-mediano e achei o final de uma atrocidade tremenda :/
      Ui, o dos Guarda-Chuvas é o que me recomendam sempre! O que recomendas então?

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    2. O último que li - O pintor debaixo do lava-loiças foi muito bom! Recomendaram-me também o da Boneca de Kokoschka, mas ainda não o li...

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