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O Crime do Padre Amaro

Confesso: nunca vi o filme com a Soraia Chaves.


Este é um livro sobre hipocrisia, sobre a corrupção do poder, sobre um padre católico que seduz uma jovem da sua paróquia, Amélia (aquela que no filme era a Soraia Chaves).

Amaro Vieira cresce como filho de criados de gente de bem, gente de bem essa que lhe deixa no testamento a obrigação de ir para padre, algo para que nunca teve real vocação. Graças à influência política do marido de uma das filhas da mulher que o empurrou para tal caminho, consegue lugar em Leiria e, com a ajuda do cónego Dias, que havia sido seu mestre no seminário, arranja rapidamente alojamento na casa de uma senhora a quem chamam S. Joaneira, que vive só com a sua filha Amélia, jovem e bonita, que rapidamente chama a atenção do padre.

Isto podia ficar por aqui, mas Amélia retribui o interesse - e pior, o Padre Amaro descobre o cónego Dias enrolado com a mãe dela, o que, a seu ver, legitima todas as acções que possa vir a ter no respeitante ao seu romance com Amélia.

São todos do mesmo barro. Um anda com a mãe e o outro conforta a filha!

Amélia tem um noivo, João Eduardo, que, no meio de uma sociedade incrivelmente beata, decide escrever um comunicado a difamar o clero, insinuando inclusive romance entre a sua noiva e o Padre Amaro. Ao ser descoberto como o autor, Amélia termina o relacionamento pelo qual nunca tivera grande gosto, e João Eduardo vai a correr a chorar para os seus conhecidos, recebendo discursos como:

—Meu rapaz, tu podes ter socialmente todas as virtude; mas, segundo a religião de nossos pais, todas as virtudes que não são católicas são inúteis e perniciosas. Ser trabalhador, casto, honrado, justo, verdadeiro, são grandes virtudes; mas para os padres e para a igreja não contam. Se tu fores um modelo de bondade, mas não fores à missa, não jejuares, não te confessares, não te desbarretares para o senhor cura - és simplesmente um maroto. Outras personagens maiores que tu, cuja alma foi perfeita e cuja regra de vida foi impecável, têm sido julgadas verdadeiros canalhas, porque não foram baptizadas antes de terem sido perfeitas. Hás-de ter ouvido falar de Sócrates, de um outro chamado Platão, de Catão, etc. Foram sujeitos famosos pelas suas virtudes. Pois um certo Bossuet, que é o grande chavão da doutrina, disse que das virtudes desses homens estava cheio o inferno... Isto prova que a moral católica é diferente da moral natural e da moral social... Mas são coisas que tu compreendes mal... Queres tu um exemplo? Eu sou, segundo a doutrina católica, um dos grandes desenvergonhados que passeiam as ruas da cidade; e o meu vizinho Peixoto, que matou a mulher com pancadas e que vai dando cabo pelo mesmo processo de uma filhita de dez anos, é entre o clero um homem excelente, porque cumpre os deveres de devoto e toca figle nas missas cantadas. Enfim, amigo, estas coisas são assim. E parece que são boas, porque há milhares de pessoas respeitáveis que as consideram boas, o Estado mantém-as, gasta até um dinheirão para as manter, obriga-nos mesmo a respeitá-las.

A hipocrisia da sociedade, das pessoas que condenam as acções dos outros, do sistema que empurra gente sem vocação para o sacerdócio, o facto de o catolicismo ser não só uma religião (ou a religião) em Portugal, mas o centro de todo o poder.

Mais que isso, Amaro é mostrado como o oposto de um santo, como o homem que, quando sente a desgraça iminente (quando Amélia engravida), é o primeiro a abandonar a rapariga que seduziu, o primeiro a desejar a morte da criança que ainda nem nascera, a desejar a morte de ambos. Entretanto, ela acreditara no amor, na santidade dele, e fica desgostosa, desolada. O Padre Amaro era um homem fraco, hipócrita - era esse o seu maior crime, no fundo.

—Senhor, volta os teus olhos misericordiosos para aquele leito de agonia...
Foi então Gertrudes que apareceu comovida. O senhor doutor mandara-a a baixo acordar o moço para pôr a égua ao cabriolet.
—Ai, senhor abade, pobre criaturinha! Ia tão bem, e de repente isto... Que foi por lhe tirarem o filho... Eu não sei quem é o pai, mas o que sei é que nisto tudo anda um pecado e um crime!...

4/5

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