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Humboldt's Gift

Finalmente, uma review.


Como disse há uns posts atrás, este livro foi uma das leituras escolhidas para o book club que iniciei no trabalho.

Este livro é brilhante desde o início: Charlie Citrine, um jovem intelectual amante de literatura, escreve ao seu ídolo, o poeta Humboldt Fleisher, e é convidado por este para o visitar, começando aí uma profunda e marcante amizade em que Charlie é seu protegido. Humboldt estava no auge do seu sucesso, auge esse que durou pouco e culminou numa decadência profunda.

To talk to him was sustaining, nourishing. But I used to think, when he mentioned people who had been his friends, that it could be only a question of time before I too was dropped. He had no old friends, only ex-friends. He could become terrible, going into reverse without warning.

Entretanto, Charlie escreve algo que se torna numa peça da Broadway de imenso sucesso e lhe traz imenso dinheiro e fama e títulos honoríficos franceses; Humboldt sente-se base para a personagem principal da peça e sente-se traído. Com o auge de um concomitante com o declínio do outro, afastam-se. Charlie esconde-se atrás de um carro quando o avista, posteriormente, a comer um pretzel. Humboldt morre mas, tal como outras pessoas da vida de Charlie, a sua morte torna-as apenas mais presentes.

Humboldt é a promessa que nunca se cumpriu.

Charlie Citrine é uma personagem fascinante, que leu muito (incluindo André Gide, que para mim é sempre uma referência), fala frequentemente das suas leituras, do seu conhecimento daí extraído, e incorpora-o nas suas reflexões sobre a sua vida e pessoas com quem convive: desde mafiosos a gold diggers, advogados, escritores, ex-mulheres, passando por saunas russas e lares de idosos. Houdini, Walt Whitman, TS Eliot, Dostoevsky, Henry Ford, este livro tem tudo.

(...) boredom was a kind of pain caused by unused powers, the pain of wasted possibilities or talents, and was accompanied by expectations of the optimum utilization of capacities.

Como Bellow consegue fazer disto interessante e o mais longe de aborrecido que já vi é quase um milagre, uma inspiração para a escrita. A narrativa é fluída, o livro é introspectivo, sinto que vi mais de mim - ou reflecti mais, talvez - em várias páginas deste livro do que em muitos espelhos. É profundo e transcendente e é daqueles livros que eu ao mesmo tempo recomendo a toda a gente e a ninguém, é um livro que leva a reflectir sobre a vida e a morte, é estupidamente enriquecedor e eu não percebo como Bellow não é um autor mais conhecido, mais lido, Nobel aparte.

A narrativa é-nos oferecida por Charlie, e dividida em secções de dimensão desigual, não capítulos. O tom é constantemente irónico. Charlie, escritor de sucesso e de rendimentos consideráveis, tem de se preocupar com o seu acidental envolvimento com a máfia, com o seu divórcio litigioso e custoso, com a sua namorada interesseira, Renata, com o vazio deixado por pessoas do passado.

Sete anos antes do início da narrativa, Humbold morreu e deixou-lhe algo como herança - uma forma de redenção, quiçá. Charlie discursa sobre todos os eventos em torno da sua existência, em longos monólogos e referências filosóficas, num livro escrito de uma forma maravilhosa, cheia de crises existenciais, de obsessões com o significado da vida ou com o envelhecimento - novamente, consegui rever-me em muito disto. A relação com Renata é possivelmente daquelas coisas que toca a qualquer pessoa que já tenha estado numa relação na qual sabia não estar bem, mas na qual continuou por achar não conseguir ou merecer melhor. O humor é forte, e fortemente auto-depreciativo.

But it is not the world, it is my own head that is disenchanted. The world cannot be disenchanted.

Charlie recusa-se a deixar o sonho morrer, a deixar Humboldt morrer, a deixar a sua ex-namorada Demmie morrer.

Nas últimas 100 páginas acontecem muitas, muitas coisas, todas elas desastrosas. Enquanto que as primeiras 300 são como que um apanhado geral da vida de Charlie, as últimas 100 estão cheias de eventos, eventos esses que nos levam a pensar que Charlie não tem qualquer hipótese, que as coisas não vão funcionar para ele. É um dia que correu mal hiperbolizado.

By a damn peculiar arrangement, lunatics always have energy to burn. And if old William James was right, and happiness is living at the energetic top and we are here to pursue happiness, then madness is pure bliss and also has supreme political sanction.

O final dá esperança, é positivo. Há um legado, uma prenda neste livro - talvez não tão literal ou aplicável na realidade, mas há sem dúvida muito a ganhar.

5/5

Podem comprar esta edição aqui, ou em português aqui.

Comentários

  1. Excelente review! Senti o mesmo.

    Há uma Renata na vida de cada um [que merece a morte da Demmie Vonghel].

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    Respostas
    1. pobre Demmie. se alguém me tiver roubado o relógio merece igual morte, também.

      p.s. comenta book club com opinião do livro que farei o mesmo ;(

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