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The Waves

Dez anos depois, voltei a ler Virginia Woolf.


A minha relação com esta autora é profundamente complicada: corria o ano de 2007 e, inspirada por uma citação no meu livro de Sociologia do 12º ano, decidi ler Orlando. Tinha 17 anos e, não obstante me interessar imenso pela temática, o livro aborreceu-me muito. Um pouco descontente com os 3,09€ gastos, decidi esquecer a autora durante uns anos.

Era 2012 e um grande amigo meu decidiu ler Virginia Woolf. Pegou em Mrs Dalloway e a coisa não correu particularmente bem (desistiu após cerca de 30 páginas). Contei-lhe acerca da minha experiência acima, fizemos piadas várias sobre a nossa incapacidade de ler a obra da autora.

Mais tarde, naquilo que me pareceu um acesso de insanidade, ele leu The Waves. E adorou. Posteriormente, ofereceu-me uma cópia, e em Dezembro de 2017 finalmente peguei nela.

Imaginem uma biografia de seis melhores amigos, da infância até ao fim dos seus dias, não contada de forma tradicional, não contando os factos, eventos importantes, sucessos e fracassos de uma biografia normal, mas criada numa festa linguística, no formato de ondas, do ir e vir das nossas vidas, do nosso eu interno. É uma biografia de sensibilidade e identidade.

Louis, stone-carved, sculpturesque; Neville, scissor-cutting, exact; Susan with eyes like lumps of crystal; Jinny dancing like a flame, febrile, hot, over dry earth; and Rhoda the nymph of the fountain always wet.

Mas mesmo pegando pela identidade, fica difícil dizer que são seis personagens, pois as suas personalidades misturam-se um pouco demais para os considerar distintos; ao longo do livro, evoluem continuadamente, mas persistem, apesar da passagem do tempo e da perda pela qual passam. Cada capítulo corresponde a uma fase distinta das suas vidas. Cada um dos seis amigos fala não apenas por si, mas pelos outros cinco também. Passamos por momentos que apenas cada um deles conhece, os seus pensamentos e sentimentos secretos, aquelas sensações de quando nos sentimos ora isolados, ora ligados aos outros; aquela sensação de se estar perdido, desconhecido, incapaz. Aquilo a que Virginia Woolf chamaria de moments of being. Os seis amigos, entre as suas separações e inclinações uns para os outros, numa amizade que perdura, tornam-se numa só voz, dando lugar a uma vivência comum, partilhada por seis pessoas.

"I was running," said Jinny, "after breakfast. I saw leaves moving in a hole in the hedge. I thought 'That is a bird on its nest.' I parted them and looked; but there was no bird on a nest. The leaves went on moving. I was frightened. I ran past Susan, past Rhoda, and Neville and Bernard in the tool-house talking. I cried as I ran, faster and faster. What moved the leaves? What moves my heart, my legs? And I dashed in here, seeing you green as a bush, like a branch, very still, Louis, with your eyes fixed. 'Is he dead?' I thought, and kissed you, with my heart jumping under my pink frock like the leaves, which go on moving, though there is nothing to move them. Now I smell geraniums; I smell earth mould. I dance. I ripple. I am thrown over you like a net of light. I lie quivering flung over you."

No início do livro, os seis amigos passam por um momento central às suas vidas, naquilo que parece o início de um dia, da criação das suas identidades e interligação indelével das suas vidas. Woolf mostra-nos o poder de ligação que pode ter um único momento, por mais insignificante que possa parecer. As origens e a consciência são questionadas neste livro, mas sem a presença de um Deus: é a natureza que é a força presente no livro, nas impressões que seis crianças têm do mundo no seu redor, na vida privada (e não nos eventos públicos) de cada um.

Let me pull myself out of these waters. But they heap themselves on me; they sweep me between their great shoulders; I am turned; I am tumbled; I am stretched among these long lights, these long waves, these endless paths, with people pursuing, pursuing.

Porque cada um deles se identifica em relação aos outros, e não em relação a si próprio, há várias tentativas de busca da identidade. E apesar disto, destaco um dos narradores: Neville. O Neville é emocionalmente distante e confuso. Embora creia que o grande destaque deva ir para Bernard, o escritor do grupo:

And in me too the wave rises; it swells; it arches its back. I am aware once more of a new desire, something rising beneath me like the proud horse whose rider first spurs and then pulls back. What enemy do we now perceive advancing against us, you whom I ride now, as we stand pawing this stretch of pavement? It is death. Death is the enemy. It is death against whom I ride with my spear couched and my hair flying back like a young man’s, like Percival’s, when he galloped in India. I strike spurs into my horse. Against you I will fling myself, unvanquished and unyielding, O Death.

Os processos individuais da vida de cada um dos amigos confunde-se ao longo da obra, porque todos eles são narradores e é por vezes difícil distinguir de quem é a voz, de quem o monólogo interno. As informações sobre quem está a pensar são poucas - cabe ao leitor identificar as personagens através das suas dúvidas internas. Pode parecer difícil, ou aborrecido, mas não o consegue ser - e o livro, aqui, é brilhante. É fácil relacionarmo-nos com cada um dos amigos; porque as nossas vidas, tais como as deles, não são nada senão conjuntos de momentos, de escolhas, das pessoas nas nossas vidas, as que achamos e as que perdemos, as ligações que fazemos, os erros cometidos, as lições que aprendemos - no fundo, o processo de auto-conhecimento.

Há mais ritmo do que propriamente uma narrativa; não há um fio condutor para os vários eventos, há apenas vida. E é real.

Now begins to rise in me the familiar rhythm; words that have lain dormant now lift, now toss their crests, and fall and rise, and fall and rise again. I am a poet, yes.

E depois, além dos seis amigos, há Percival - Percival, que nunca tem uma voz própria, mas cuja presença e, eventualmente, perda os marca profundamente.

Into the wave that dashes upon the shore, into the wave that flings its white foam to the uttermost corners of the earth, I throw my violets, my offering to Percival.

Todas as ondas são metáforas. Capazes de beleza mas também de destruição, parte do mar. Porque cada um de nós é uma onda, individual mas parte de um todo, dependente de um todo. A inocência e brincadeiras iniciais ficam progressivamente mais complicadas, e a vida do dia-a-dia destrói os sonhos das personagens. E, no fim, apesar de tudo, há uma forte sensação de solidão, desilusão e arrependimento. E muitas das palavras são demasiado reais para ignorar.

Words and words and words, how they gallop - how they lash their long manes and tails, but for some fault in me I cannot give myself to their backs; I cannot fly with them.

É difícil escrever uma review sobre esta obra; percebo o porquê de se ter tornado num dos livros preferidos do meu amigo, mas para mim ficou a faltar algo. É um livro sobre a vida, sobre consciência, é um livro com uma enorme força, é bonito e ao mesmo tempo triste, deprimente, especialmente quando os amigos envelhecem e lutam com os seus desejos, tentam perceber se estão felizes, e quando se cruzam com a morte. É um livro sobre ser e sobre estar presente. Sobre nada ser para sempre. É um poema, uma canção em prosa. Apreciei sem dúvida muito mais do que Orlando, e pondero agora dar-lhe, um dia, uma segunda chance; mas acho, ainda assim, que Woolf não é uma autora para mim.

4/5

Podem comprar esta edição aqui, ou em português aqui.

Comentários

  1. Nunca li nada dela, mas fiquei feliz por esta tua "redenção" à autora dez anos depois. O Mrs Dalloways não parece ser a minha cara talvez comece com este :)

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    1. Nunca tentei o Mrs Dalloway! Mas lá está, o meu amigo não conseguiu esse e adorou este, quiçá este seja uma boa opção para começar :)

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  2. 'Dez anos depois, voltei a ler Virginia Woolf.'
    Daqui a 10 anos lês outro dela :p

    'Porque cada um de nós é uma onda' bem dito por ti faz sentido que és uma sereia, já eu sou um orgulhoso risquinho

    'É um poema, uma canção em prosa' damn, dá-lhe miuda

    Será que Woolf é autora para mim? Talvez um dia descubra!

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    1. Qual lerei em 2027? :o

      Hahaha orgulhoso risquinho :p uma sereia é uma onda? :$

      Não sei :o se quiseres tentar já sabes, tenho dois livros dela :p

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    2. Irás descobrir :p

      Não é uma onda mas é o habitat natural, conhece-as bem Ba!

      Thanks but no thanks :p por agora pelo menos!

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    3. :o

      Eu não conheço! É bué difícil ir à praia e ter 9 dioptrias :(

      Noted :p

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  3. Li Orlando E Mrs Dalloway, tenho andado tentado com Rumo ao Farol, curiosamente este pareceu-me mais interessante... mas já sei que Wolf não é conhecida por ser uma escritora fácil

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    1. É verdade, Woolf não é fácil. Senti-o há dez anos e continuei a senti-lo agora. Como diz o meu amigo que comentou abaixo, talvez As Ondas seja mais universal. Tenho agora curiosidade com o Rumo ao Farol!

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  4. Respostas
    1. À excepção do Mrs. Dalloway (que é péssimo e aborrecido e contribuiu activamente para a minha perda de fé na humanidade) todos os outros são incríveis. Acho As Ondas superior pela ambição do conceito e a beleza da execução - um sem o outro seria já suficiente para um livro excepcional; um com o outro fazem dele transcendente. O mesmo se aplica ao Orlando - com a diferença de ser uma narrativa mais individual; Ondas parece-me mais universal. Pró Farol seria o próximo passo lógico (posso emprestar).

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    2. Não sabia que tinhas lido Orlando??? Devo reler? Eu até gostei da história, mas yknow, A ESCRITA. Tinha 17 anos e cenas e tu lembras-te de mim com 17, emo-electrónico-lendo-Fight-Club (lembras-te de eu ler o Fight Club nas aulas?).
      Pró Farol 2027? Conta-me mais. Espero que tenhas apreciado a review, yours truly, merci bien pelo livro que recuperou a minha fé na humanidade e na Virginia!

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  5. E no entanto, Mrs. Dalloway foi um dos livros que mais me marcaram; tecnicamente é excelente e extremamente inovador: a tentativa de seguir a interioridade caótica e desassosegada de uma pessoa, e a subtil e inesperada ligação entre correntes de acontecimentos que nada, aparentemente, têm que ver uns com os outros, são vertiginosas vertiginoso.

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    1. Muito, muito interessante. A ligação difícil de correntes de acontecimentos está presente neste livro, bem como em Orlando; hei de ler Mrs. Dalloway, um dia.

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