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Paisagem sem Barcos + Os Armários Vazios + O Seu Amor por Etel

Mais um volume com o trabalho maravilhoso de Maria Judite de Carvalho.


Lembrar-se-ão que li Os Armários Vazios ainda este ano, numa outra edição; assim, aqui, saltei a mesma, dedicando-me apenas aos outros textos. Ao contrário deste, que é um romance (ou novella, se preferirem, dado o seu tamanho relativamente diminuto), os outros textos são, como a autora me tinha já habituado, conjuntos de contos.

Novamente, vou-me focar nos contos que dão título aos conjuntos; mais uma vez, são os mais longos, mas também (e talvez por esse motivo) os que mais se destacaram. O Seu Amor por Etel foi, na verdade, o meu favorito: a personagem principal é Vitorino, um homem profundamente apaixonado por uma mulher que crê estar além das suas possibilidades. Vive anos obcecado por ela - até que, enriquecendo, decide pedi-la, por telefone, em casamento.

E dá-se o profundo desencanto de quem finalmente tem aquilo que sempre quis, mas nunca julgou alcançável. De quem perdera anos a pensar num objectivo e, finalmente, se depara com essa ausência. Já não sobra nada.

Porque Etel aceita.

Foi tudo. Depois desligou o telefone e sentou-se. Ficou assim longo tempo, como que esquecido ,e sentia-se triste, desconsolado e árido. A mãe apareceu a limpar as mãos ao avental e perguntou-lhe se tinha falado. Depois, vendo-o tão abatido, pensou que Etel se lhe negara, «Que respondeu ela?», perguntou, apesar disso, ressentidamente.

Paisagem sem Barcos é o outro conto "principal", este consideravelmente mais longo. A personagem principal, Joana "Jô" é uma professora já no fim dos seus trinta anos, envolvida pela mesma solidão e desespero típicos dos personagens principais de Maria Judite de Carvalho. Também um toque de tragédia se sente na sua vida - a tragédia de estar sozinha, de ser uma professora que vive para o trabalho (porque não tem mais nada) e que não sabe o que fazer quando a escola não abre, que tem de escolher entre dois amantes, um passado e um futuro, apesar de, aparentemente, já não ter futuro.

Quando acabou de se arranjar, perguntou a si própria em que iria gastar aquele dia tão longo, com tanto tempo livre para pensar. Ultimamente receava esses dias.

Há uma única amiga, Paula, que vive agora uma vida glamourosa longe da pobreza da infância de ambas, em que levavam o pão para o café de modo a que ficasse mais barato, e Artur, o namorado bancário que não assume a relação, com quem se encontra quase às escondidas. Até que Mário, o ex-namorado da adolescência, de quem se viu forçada a separar aos 18 anos, lhe liga para a escola onde trabalha... e renasce a esperança.

Porque também Jô, como Mariana ou Dora, procura a felicidade que adiou ou que sempre se lhe afigurou impossível. Como Graça, sente que a vida acabou, apesar de ainda ser nova. Para além dessa aparente impossibilidade, persiste.

E, no quotidiano, nas coisas banais do dia-a-dia, persiste. É nisto que Maria Judite de Carvalho mostra sempre enorme mestria: a mostrar a dor do dia-a-dia, a forma como a solidão é uma presença premente no que é rotineiro, ou íntimo, na dor que Jô sente em ter as noites desocupadas, por lhe permitirem tempo para pensar. São as coisas que acontecem a qualquer um, e que não são imediatamente visíveis ao olho exterior. É sobre isto que a autora se dobra, é com isto que nos prende.

Jô vai tornando ao passado, nas conversas com Paula, quando vê retratos dos seus 17 anos, quando se lembra do crochet, do Inverno. E depois o passado regressa, sob a figura de Mário, que lhe mostra como a sua vida mudou, como tem uma casa, não fixa, no Bairro Alto, pois planeia passar uma temporada e regressar ao Rio de Janeiro - uma moradia não fixa tal como ele não ficou fixo na vida dela, talvez. 

«Sou uma ilha, Paula.» Sim, uma ilha pequena, sem arquipélago, e à volta o oceano desconhecido e um nevoeiro tão denso que não deixava ver os barcos, se os havia. Mas era natural que os houvesse. Há sempre barcos em volta das ilhas. Estivera um dia numa ilha assim...
«Todos o somos, não és original.» (...)
«Mas eu sou aquela ilha.»

Jô fantasia com terminar a relação com Artur, mesmo quando percebe que Mário não é, afinal, uma solução real para a sua vida. Todos os projectos que desenha parecem impossíveis de concretizar: o romance com Mário, por duas vezes, o terminar da relação com Artur... a ilha isola-se.

5/5

Podem comprar esta edição aqui.

Comentários

  1. Opa tu só me mostras livros que fico cheia de vontade de ler!!! Beijinhos*

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    1. Fico sempre tão feliz quando a reacção a Maria Judite de Carvalho é assim! Beijinhos :)

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  2. Recrimino-me sempre que leio os teus textos sobre a sublime Maria Judite - tenho que comprar as suas obras e ainda não o fiz...
    Tenho mesmo que remediar essa situação, porque sei que me vão maravilhar como te maravilham a ti!
    Obrigada!

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    1. Ana, garanto que não te vais arrepender. Estas novas edições estão maravilhosas, com esboços e desenhos pela autora, com toda a obra em ordem cronológica! Fico à espera de saber as tuas opiniões, sei que vais gostar muito!

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  3. Nunca tinha ouvido falar do "Seu Amor por Etel", mas vejo que a qualidade não diminui. Que bom! Um dia, vou ter todos, todinhos!
    E notícias sobre outras Marias... Espero que não fiques triste, mas a Maria Isabel Barreno não me impressionou com os seus "Sensos Incomuns". Achei muito mediano a nível de escrita e conteúdo. Já outra Maria, a Velho da Costa, não pára de me surpreender. Li "Dores" e confirmei que é realmente escritora para mim, mesmo tendo lá um conto em crioulo em que deduzi mais do que compreendi. Não faz mal, dá-me luta!
    Paula

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    1. O terceiro volume desta colecção já se encontra nas livrarias Almedina. Não há palavras para quanto o quero na minha estante!
      Não fico :) percebo o que dizes, não foi particularmente surpreendente. Não obstante, gostei dos contos e de alguns dos pontos de vista.
      Tenho mesmo mesmo de ler Maria Velho da Costa! Vou juntar esse ao "Myra" na minha lista de livros necessários :)

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