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Le Dernier Jour d'un Condamné

Senti falta de ler em francês.


Algo que, aliás, devia fazer com maior frequência: estou cada vez mais convencida de que o meu francês é fraco, e que perco qualidades com o passar do tempo (especialmente do tempo passado sem ler francês).

O título significa, em português, "O Último Dia de um Condenado". Neste caso, um condenado à morte - o livro é uma narrativa das seis semanas que antecedem a execução, escrito nas 24h antes do encontro com a guilhotina. Assim, assistimos à condenação de um homem, cujo nome desconhecemos, por um crime que não compreendemos qual é (mas que se pode depreender ter sido homicídio), a sua transferência para a prisão e o tempo aqui passado, junto com outros condenados à morte.

A falta de um nome, ou de um crime concreto, torna o livro passível de transcender lugar e tempo; o condenado que acompanhamos é qualquer condenado, não obstante o seu passado ou crime. Acrescente-se que, durante toda a obra, sabemos que o homem em causa é culpado; nunca há uma tentativa de absolvição ou de inocentar o prisioneiro, apenas de criticar a pena em si.

Victor Hugo foi um opositor da pena de morte há cerca de 200 anos. Esta obra reflecte essa sua forma de pensar - que a pena de morte é absurda, num texto pesado de política e extremamente actual, tendo, na altura, sido pioneiro e levado ao debate sobre a abolição desta pena em vários países.

Il y a un homme qui va mourir, et il faut que ce soit vous qui le consoliez. Il faut que vous soyez là quand on lui liera les mains, là quand on lui coupera les cheveux; que vous montiez dans sa charrette avec votre crucifix pour lui cacher le bourreau; que vous soyez cahoté avec lui par le pavé jusqu'à la Grève : que vous traversiez avec lui l'horrible foule buveuse de sang; que vous l'embrassiez au pied de l'échafaud, et que vous restiez jusqu'à ce que la tête soit ici et le corps là.

Por que é que se deve permitir a um serial killer que continue vivo? Para Hugo, porque o homicídio não é resposta ao homicídio. Mas Hugo não toca tanto nestas questões - mesmo sendo o protagonista desta obra um assassino, e mesmo sendo mencionados os crimes horríveis dos outros prisioneiros com quem ele partilha cela, não há detalhes específicos do porquê de este homem, em particular, dever ser absolvido. A questão é que este homem, como todos, mesmo os que cometeram crimes piores, é humano.

E é humano, porque o texto é escrito na primeira pessoa, na perspectiva de um homem que nos conta as suas experiências na prisão, até ao dia da sua execução na Place de Grève, porque ele não está reconciliado com o facto que vai morrer, porque ele também é filho, marido, e pai - e todas estas mulheres ficarão desamparadas, e a angústia deste homem é visível (especialmente quando a filha, pequena, o visita, e não o reconhece).

Este homem, sem nome, pensa na alternativa dos trabalhos forçados e pesa as consequências, concluindo que o seu bem mais precioso é a vida. Puxa muito pela empatia do leitor, ao mostrar a tortura psicológica devido ao facto de o homem saber quando vai morrer, numa contagem decrescente constante. Também nos é mostrada a história de um homem cujas condições e vida o levaram ao homicídio.

No final, um dos momentos mais fortes é quando se fala da guilhotina como um espectáculo, e de como eram vendidos lugares para assistir:

Des marchands de sang humain criaient a tue-tête: "Qui veut des places?". Une rage m'a pris contre ce peuple. J'ai eu envie de leur crier : "Qui veut la mienne?"

Poderoso texto sobre a humanidade.

4/5

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