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Apneia

Vi toda a gente ler este livro cerca do final do Verão passado e, confesso, isso costuma demover-me de uma leitura.



Esta foi, no entanto, a obra sobre a qual caiu a escolha de um clube de leitura feminista ao qual me juntei e no qual quero participar. E foi assim que Apneia, de Tânia Ganho, obteve lugar na minha estante e foi lido com alguma prioridade.


Tendo sido uma obra muito lida e divulgada, creio que a temática não será desconhecida da maioria: a protagonista, Adriana, passa por um longo e penoso divórcio. O seu marido, Alessandro, empresário de nacionalidade italiana, era emocionalmente abusivo e o retrato perfeito de psicopata manipulativo. Assim, pouco depois de terem construído a sua casa de sonho, Adriana decide pôr um ponto final no casamento - mas não é só a ela que esta decisão afecta. Ambos têm um filho pequeno, Edoardo.


A leitura tornou-se interessante, em particular, porque o meu respectivo trabalhou bastante com Direito da Família e tinha-me dado, ao longo dos últimos anos, várias noções de como crianças são frequentemente utilizadas como "armas de arremesso" nestas situações, como são manipuladas, como muitas vezes o seu bem-estar não é a maior prioridade do casal no momento do divórcio - não quando a vingança se sobrepõe. Todas as temáticas (a violência conjugal, a violência parental, os problemas processuais, os monstros em que as pessoas se tornam num processo de divórcio) são realistas.


De onde viria o medo devorador do seu filho, perguntava-se.

Intuitivamente, sabia a resposta, porque esse medo já a habitara, incutido por Alessandro, que se comprazia em enumerar-lhe todos os perigos que a acossavam - assaltos, assédios, violações - por ser mulher.


Vi algumas críticas mencionarem que o livro é longo e se torna repetitivo em partes - confere, mas creio que terá sido propositado, de modo a melhor ilustrar o processo moroso da luta legal, os vários reveses, a exaustão. Também vi quem mencionasse que o casal retratado era, convenientemente, de classe alta, e também julgo que tenha sido propositado: pessoas de menor condição económica ter-se-iam resignado mais rapidamente a decisões judiciais das quais discordavam, por medo das custas, e não lhes seria tão fácil trocar de advogados e recorrer a profissionais e técnicos de saúde. Também o facto de Alessandro ser estrangeiro acrescenta detalhes à trama (questões linguísticas, identitárias), e a forma como o seu emprego o coloca em postos diferentes periodicamente (algo que não acontece frequentemente à arraia-miúda) também complica o processo da guarda do filho.


As quase 700 páginas estão repletas de capítulos muito curtos, e lêem-se muito bem. Não adorei o final (o plot twist já o estava a antecipar há várias páginas; gosto como Adriana colocou questões várias por não compreender o que levara à situação, porque também eu achei um pouco bizarro), e não adorei os momentos na ilha - ironicamente, aqueles em que Adriana se soltava da apneia em que vivia, encontrava liberdade e conseguia respirar um pouco.


4/5


Podem comprar esta edição na wook, ou na Bertrand



Comentários

  1. Tenho de confessar que fugi desse como de outros que têm povoado a literatura contemporânea portuguesa, com um denominador comum: a mulher vítima. Vítima de violência doméstica, vítima porque é gorda, vítima porque cuida da mãezinha. Já não tenho paciência.

    Mas esse queria ler porque me habituei a conhecer o nome da tradutora e tinha curiosidade em conhecer a escritora.

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    1. Confere: esta também é vítima, de algum modo. Acho que para mim acabou por funcionar não só porque se lê muito bem, mas por falar nos dramas das justiça que me são um pouco familiares, achei bem retratados.

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  2. Quero ler este livro há algum tempo mas sempre que o tento requisitar da biblioteca já está ocupado... É sinal que está a ser lido :)

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    1. É de facto um título que tem sido muito badalado e chamado muita atenção. Sendo grande (e não barato), acredito que seja popular na biblioteca :) a tua vez de lhe pôr as mãos chegará!

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  3. Ainda não li mas também está na minha lista :)

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  4. acho que este entrou nas listas de muita gente :)

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  5. "(...) pessoas de menor condição económica ter-se-iam resignado mais rapidamente a decisões judiciais das quais discordavam, por medo das custas, e não lhes seria tão fácil trocar de advogados e recorrer a profissionais e técnicos de saúde." Sou da mesma opinião
    Gostei do post Ba mas, acima de tudo, gostei de ganda referência a moi
    Por variadas razões tenho curiosidade em ler o livro

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    1. sim, a disputa aqui demonstrada arrastou-se durante anos, é mencionada a enorme despesa em advogados e tudo o mais, seria difícil para pessoas de menores posses que aqueles aqui retratados.
      toi même :p
      devias ler!

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