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O Nome da Rosa

Precisei de domir muito sobre este livro para elaborar uma review - e, ainda assim, sei que não farei jus à obra.



A narrativa (construída a partir de um suposto manuscrito - ou seja, um livro sobre um livro fictício, num primeiro momento de homenagem a Borges) decorre no atribulado ano de 1327, especialmente atribulado se tivermos em conta que o enredo se passa num mosteiro: clivagem da igreja, um Papa em Avignon (nota: há três anos e pouco, num jantar de Natal, conheci uma pessoa de Avignon, de cujo nome não me recordo. Quando ele me perguntou se conhecia a cidade, a minha primeira reacção foi "oui, oui, les demoiselles" e a segunda, horas mais tarde, foi "ahhhh, o Papa!").


É com este pano de fundo que conhecemos Guilherme de Baskerville (também ele uma homenagem, desta feita a Sherlock Holmes, desde o nome à lógica utilizada, passando pelos utensílios de última gama) e o seu aprendiz, o noviço Adso (Watson?), ambos franciscanos, chegando a um mosteiro que nunca nos é identificado, algures no Norte de Itália. Este mosteiro apresenta-se como terreno neutro numa conversação entre representantes do Papa e representantes de ordens mendicantes, que são acusadas de heresia.


No entanto, a chegada de Guilherme coincide com a morte de um dos monges, Adelmo, que se dedicava à iluminura. E, se isto não bastasse, outros monges começam a morrer de modo misterioso, como que a replicar as profecias das Revelações. O abade pede que Guilherme investigue, e que resolva o mistério antes da chegada da legação do Papa (encabeçada pelo famoso inquisidor, Bernardo Gui), talvez também ele com medo do que venha a ser descoberto (e com medo do Apocalipse); mas Guilherme não acredita que seja a providência divina que causa as mortes destes homens e, como tal, determina-se a descobrir os segredos da biblioteca misteriosa do mosteiro, enquanto aguarda pela conversa definitiva sobre a legitimidade da Ordem a que pertence.


O caso continua a complicar: além das mortes misteriosas umas após as outras, Guilherme descobre que o mosteiro tem uma das melhores e mais completas bibliotecas do seu tempo, e que era por esse motivo que atraía monges de todo o lado, que pretendiam fazer traduções, iluminuras, ou apenas estudos sobre as magníficas obras que... não eram de acesso aos monges do mosteiro, afinal. Toda esta riqueza está vedada, excepto àquele que tenha sido nomeado bibliotecário e ao seu assistente, ou a quem tenha autorização expressa do abade. E, assim, à medida que se apercebem que o mistério está indelevelmente ligado à biblioteca, Guilherme e Adso têm de juntar peças e procurar pistas para compreender como é um espaço que nunca viram - e como obter acesso por outras vias.


A biblioteca revela-se labiríntica, críptica, escondendo mais segredos sem ser o livro que poderá estar no centro de todo o mistério. Tratando-se O Nome da Rosa de um mistério, de um livro sobre um crime, não irei revelar as peças centrais do mesmo (reservo essa honra ao leitor).


O conhecimento - do qual a biblioteca deveria ser um veículo - é, aqui, algo a ser protegido, sob o pretexto de manter os monges inocentes quanto às obras de autores infiéis e de os impedir de heresias. Ao longo da obra, o conhecimento parece dependente de cada um: na discussão entre as legações, sobre a pobreza de Cristo e votos de pobreza dentro da Igreja, é visível a parcialidade de cada lado e a incapacidade de pensamento crítico.


A história medieval e cristã têm um grande peso nesta obra e as discussões teológicas são credíveis e interessantes, mas mais interessante que isso será ver O Nome da Rosa enquanto um livro sobre livros, com duas grandes menções a cair sobre Aristóteles e as Revelações, as homenagens já mencionadas a Arthur Conan Doyle e a inspiração do labirinto na Biblioteca de Babel de Borges. O próprio livro é um labirinto, com muitas voltas, pistas a contrário...


É uma leitura lenta, mas prazerosa, e com decerto mais detalhes e referências que aqueles que consegui apanhar; exige concentração, sem dúvida, mas pode ser, no meio disto tudo, lido como um simples mistério e história de crime, sem os intrincados detalhes históricos e referências bibliográficas. Há muitas passagens sobre a controvérsia da pobreza de Cristo e consequente aplicabilidade na Igreja Católica medieval, sim, com várias visões sobre a religião em geral; há passagens em latim não traduzidas (maioritariamente curtas e de relativamente fácil depreensão através do contexto); e há o mistério. E quem aborde este livro do simples ponto de vista do mistério irá possivelmente achar o livro uma seca. Mas há mesmo muitas camadas e muito para retirar deste livro, que acredito que ganhe verdadeiramente com releituras.


Já vira o filme em 2005, na escola (aulas de Filosofia do 11º ano), e vi novamente pouco antes de ler o livro. O filme simplifica muito certas questões e detalhes, não deixando de ser bom.


5/5

Podem comprar uma outra edição na wook ou na Bertrand.




Comentários

  1. A Mimi é tão linda
    Mesmo sem ter lido Borges percebi pela introdução do post que há de facto uma homenagem a este
    Ordens mendicantes.. tens alguma opinião sobre as mesmas? Desculpa a frontalidade
    A questão mais importante que se coloca no entanto é a seguinte, gostaste mais do filme ou do livro?
    Agora falando mais a sério, foi dos posts que mais gostei de ler, tenho muita muita curiosidade com o livro; tenho algumas reticências para com a tradução.. achas que é boa? Consideras esta obra como das melhores que já leste?
    Consideras esta uma obra prima?

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    1. a gata mais bonita :p
      sim, é uma homenagem directa!
      não tenho... acho que cada um deve viver como melhor lhe aprouver, mas não deve impor esse estilo de vida nos outros ou apregoá-lo como superior ou mais verdadeiro.
      do livro! o plot é mais intrincado
      não tive qualquer problema com a tradução, mas não sei se é boa :$ o livro é muito bom, mas não será dos meus favoritos, e não me sinto capaz de avaliar nada como obra prima ou não :p

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  2. Só passei para dizer que a Mimi é mesmo fotogénica!
    Vi o filme, por sinal, muito bom, por isso, tenho preguiça de ler o livro. Não sei porquê, mas o Eco não puxa por mim...
    Paula

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    Respostas
    1. é linda e fica sempre bem, é um facto :)
      o livro vai mais longe que o filme - gostei do filme, mas o livro densifica o mistério (mas também densifica as questões medievais da igreja e da simbologia religiosa).
      este foi o meu segundo Eco. o primeiro foi o da Rainha Loana, e gostei mesmo muito.

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