Li muitas opiniões que falavam na dificuldade em distanciar esta obra de Persepolis, de Marjane Satrapi.
Gostaria de tirar já esta questão do caminho - ambas desenham com tinta-da-china, ambas passaram por uma guerra no Médio Oriente, mas o traço de Satrapi é mais simplista e Zeina Abirached faz jogos com padrões nos panos de fundo. Acho injusto ensombrar uma autora com a outra.
A Dança das Andorinhas é um relato autobiográfico de uma noite, durante os bombardeamentos de Beirut, quando a autora tinha seis anos e esperava que os pais regressassem a casa após irem visitar os avós de Zeina e do seu irmão mais novo. É-nos descrito, logo no início, como Beirut estava demarcada entre a zona Este e a Oeste, e como atravessar uma estrada poderia envolver "coreografias" perigosas e complicadas.
É com um olhar adulto em retrospectiva que Zeina descreve como ela e o irmão vão para aquela que é considerada a área mais segura do prédio em que vivem - o hall de entrada do seu apartamento, onde têm uma enorme tapeçaria na parede - e, à vez, os outros vizinhos se juntam a eles, com comida (a riqueza de uma simples alface), histórias para contar e conforto no meio de uma cidade que se encontra a ser bombardeada e a ausência dos pais de Zeina e do seu irmão.
A forma crua como estes eventos são relatados mostra as dificuldades das pessoas e das famílias no meio da guerra, a bondade com que os vizinhos se tratam, a força da comunidade nos momentos mais difíceis, mas também a forma como banalizam o que os rodeia. Para os vizinhos, e mesmo para Zeina e o seu irmão, estes encontros no hall eram o novo normal; e a segurança redefinia a ideia dos espaços, da privacidade, da família, enquanto todos partilhavam o pouco que tinham, fosse a alface ou a pequena divisão da casa.
O facto de ser uma novela gráfica traz um suporte visual que ajuda a compreender como Zeina, aos seis anos, terá vivido esta noite, numa só divisão da casa, apinhada de vizinhos. A utilização de repetições, seja dos painéis, seja nos padrões de fundo, é pesada e ajuda a criar uma sensação de ansiedade enquanto todos aguardam o regresso dos pais de Abirached.
Tradução de Carlos Xavier
4/5
Como detesto os desenhos e a voz de Persepolis, estou curiosa para ver como se distingue esta GN.
ResponderEliminarPaula
Não amei necessariamente as ilustrações aqui, e talvez não sejas a maior fã da voz, dado ser uma pessoa adulta a escrever sobre a sua experiência em criança, mas com muito hindsight :)
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