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The True Deceiver

Uma das minhas leituras do ano passado para o #womenintranslation (estamos ainda a actualizar o blog - pede-se paciência!)



Tove Jansson é mais conhecida pelos livros dos Moomins (que quero imenso ler), que ainda assim me parecem relativamente desconhecidos em Portugal, mas escreveu também livros para adultos, onde The True Deceiver se encaixa. Esta é, aliás, uma das suas obras mais tardias, publicada em 1982, quase 40 anos após o primeiro livro dos Moomins, e mais de 10 anos após o último.

A capa desta edição (que não é a capa da edição da NYRB, que é ilustrada pela própria autora de propósito para a obra) dá uma boa ideia do cenário com que nos vamos deparar: um cenário opressivo, frio, exacerbado pelo inverno rigoroso; também os personagens que encontramos se encaixam perfeitamente neste território gélido, excêntricas mas não divertidas, numa narrativa que segue um ritmo lento mas poderoso, psicologicamente profundo.

Nothing can be as peaceful and endless as a long winter darkness, going on and on, like living in a tunnel where the dark sometimes deepens into night and sometimes eases to twilight, you're screened from everything, protected, even more alone than usual.

Katri Kling vive com o seu irmão, Mats, que aparenta ter um qualquer distúrbio de desenvolvimento, sendo a sua única preocupação (e diria quase obsessão) barcos. Desenha barcos que quer vir a construir, costuma passar tempo com o construtor de barcos local, gosta de histórias sobre barcos. Faz algumas tarefas simples que lhe vão dando, como pintar ou afagar madeiras, e sonha com o dia em que terá o seu próprio barco. Katri, conhecida pela sua incrível habilidade com números, pela sua honestidade e, talvez, misantropia, não é particularmente popular na comunidade local, onde não cresceu, que desconfia, apesar de tudo, dos seus olhos amarelos. Katri vai a todo o lado com o seu cão; as pessoas não gostam dela; ela não quer saber.

"I can take the mail up to Miss Aemelin," she said.
"I can't let you do that; it's the postman's job to deliver the mail. It's a position of trust."
Katri lifted her face and opened her eyes at him; in the hard light on the porch they were truly yellow. "Trust," she said. "Don't you trust me?" She paused and then repeated, "I can take the mail up to Miss Aemelin. It's important to me."
"Are you trying to help?"
"You know I'm not," Katri said. "I'm doing it entirely for my own sake. Do you trust me or don't you?"

Anna Aemelin é uma espécie de celebridade local, conhecida pelas suas bonitas ilustrações de livros infantis, nos quais trabalha apenas no verão. Pela descrição, parece uma espécie de Beatrix Potter (apesar de ser, mais provavelmente, uma espécie de inclusão de Tove Jansson no seu livro, sendo também ela ilustradora) - desenha belas flores selvagens de forma realista, mas enche os desenhos de coelhos, e enche estes coelhos de flores.

Anna Aemelin vive sozinha, quase reclusa, na sua "rabbit house", conhecida assim pela sua obra, uma enorme propriedade que herdou dos pais. Katri vê aqui uma oportunidade - talvez consiga viver na casa de Anna e conseguir o dinheiro para o barco de Mats. Honestidade e verdade não são exactamente a mesma coisa, pelo que Katri não se opõe a usar a ilusão para atingir os seus fins e, com tempo, Katri consegue tornar-se na governanta de Anna, e começa a tomar conta dos seus negócios.

Parece que Katri consegue ganhar a confiança de Anna, mas as coisas não são assim tão lineares - o que se passa com as respostas passivas, ou mesmo passivo-agressivas, de Anna?

Assim, não temos uma antagonista, mas duas - ambas com uma capacidade semelhante de iludir a outra, ambas unidas pelo isolamento a que estão votadas nas suas vidas, postas de parte pela restante comunidade, seja por especulação, hostilidade ou falta de compreensão. A dinâmica entre ambas as mulheres é riquíssima, transformadora mas destrutiva, ancorada na ideia de quais as mentiras que contamos a nós mesmos, e quais aquelas que aceitamos dos outros.

Tradução de Thomas Teal

4/5

Podem comprar esta edição na wook ou na Bertrand; não se encontra traduzido para português


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