Silvina Ocampo foi uma de várias escritoras às quais cheguei em 2023 através do Clube de Leitura em Espanhol da Biblioteca de Belém (Bibliotecas Municipais de Lisboa).
Conhecida maioritariamente pelos seus contos (e pelo casamento com Bioy Casares, e pela associação com Borges), A Promessa é uma novella e o seu trabalho mais longo, no qual terá trabalhado obsessivamente, ao longo de mais de 20 anos, até à sua morte; foi publicado postumamente.
Temos uma narradora sem nome, que num acidente não explicado cai de um navio no meio do Atlântico (consta que é uma forma comum de pessoas desaparecerem - ou até de fazer desaparecer pessoas). O navio segue rumo, sem se aperceber da perda da passageira. Vendo o navio afastar-se, juntamente com a sua possibilidade de salvação, a narradora, analfabeta, faz uma promessa a Santa Rita de Cássia (padroeira das causas perdidas) que, caso sobreviva, irá escrever um livro sobre a sua vida - um compêndio de memórias, sentimentos que se sobrepõem a experiências, observações fortes das vidas dos outros.
No início, o medo que sentia não me deixava pensar, depois comecei a pensar desordenadamente: vinham-me à ideia professoras, talharins, filmes, preços, espectáculos teatrais, nomes de escritores, títulos de livros, edifícios, jardins, um gato, um amor infeliz, uma cadeira, uma flor de cujo nome não me lembrava, um perfume, uma pasta de dentes, etc. Memória, como me fizeste sofrer!
Começamos assim a ler sobre as pessoas da vida da narradora, Irene, Leandro e Gabriela, em particular, aparecem mais que uma vez, em fragmentos e vinhetas intermitentes, como as ondas que a rodeiam, com repetições várias (que me levavam a voltar atrás no livro e questionar a minha parca sanidade mental). Em que pode pensar uma pessoa que caiu no meio do mar e sabe que a aguarda uma morte lenta, dolorosa?
Outra grande questão que a obra me levantou e à qual não encontrei resposta é qual o papel da narradora no meio de todos os seus pequenos relatos; parece por vezes impossível que ela estivesse nos momentos que descreve. Seriam memórias de terceiros, seria ela uma das personagens várias que menciona na terceira pessoa? Nunca presenciamos, parece, eventos da vida da própria, mas apenas de pessoas suas conhecidas, que nem se pode dizer que lhe são chegadas; assim, será a narradora apenas uma personagem secundária da sua própria vida?
Foi uma leitura interessante, mas possivelmente dos livros mais estranhos e confusos que li, não pela falta de enredo lógico, mas pelas repetições e pela minha dificuldade em compreender como encaixar a narradora na sua própria narrativa, na promessa que indirectamente cumpria ao relatar a sua vida (ou a dos outros?). Fiquei, não obstante, muito curiosa para ler os seus contos, sobre os quais nos debruçámos no Clube de Leitura na biblioteca, mais não seja porque A Promessa é uma obra inacabada, o que a tornará obrigatoriamente mais difícil de julgar.
Tradução de Helena Pitta
3/5
Temos uma opinião muito similar sobre este livro, acho-a desconjuntada. Um início espectacular e depois... Gostei mais dos contos do "Dias da Noite".
ResponderEliminarPaula
Vou anotar esse! Tinha em mente, em particular, A Fúria. O livro prometia e não cumpriu, no fundo :)
Eliminar